Sekai

Quando eu vejo qualquer estrela cadente me recordo de Sekai e de seu irmão gêmeo, o que adorava o universo. Quando este último ainda era vivo Sekai não gostava muito de ouvir as histórias que seu irmão contava sobre as estrelas, as galáxias e os demônios e gênios que habitavam o espaço conduzindo-os ao desconhecido. Sekai sempre foi mais voltado para a arte de guerrear porque o país estava em constante guerra.

Os irmãos brigavam muito, desde a tenra infância, mas havia neles um elo de fraternidade que poucos irmãos são capazes de criar em meio à corrupção, à covardia e à ganância que as pessoas foram capazes de criar. Sekai tinha certeza de guerrear um dia, e a guerra para ele era um agente para que demonstrasse a sua bravura e honestidade para com a nação, a família e para consigo mesmo. Seu irmão pensava diferente, não só por medo da batalha sangrenta, mas acima de tudo pela covardia de não poder se entender as pessoas, covardia era a guerra, o medo que tinha de se alistar era munido de um bom fundamento: o desejo de elevar a condição de viver, de viver bem, por isso gostava tanto do céu: era tudo mágico, tão distante...

Brigavam por todos os motivos que uma criança briga. Mas na adolescência a causa da contenda entre os dois era sempre a guerra palpável e ameaçadora, porque naquele tempo ainda se podia ser voluntário ou não à guerra e era desejo de Sekai ir irrevogavelmente e seu irmão sempre se opôs energicamente. Quando os dois tiveram uma discussão que evoluiu para a agressão, Sekai teve uma perna e um braço quebrado pelo irmão, numa tentativa desesperada de, não apenas prendê-lo a sua companhia, mas também de não compactuar com um ato tão vil e destrutivo que era contra as Leis Universais.

Depois desse desentendimento Sekai nunca mais falou com o irmão, sequer o viu de novo, nunca mais, pois enquanto buscou abrigo na casa de parentes para ser tratado e também para se livrar daquele que lhe deixou impossibilitado de lutar na guerra, para sempre, e que fora seu sonho desde menino, o exército veio e levou todos os homens da província que conseguissem andar até o campo de batalha, inclusive o gêmeo. A guerra acabou e no fim, quando a estimativa dos mortos foi divulgada, a maioria do povo que formava as duas partes combatentes teve a certeza de que nada valia tanto sangue, destruição e morte em troca de um pedaço de terra que para quem governava significava riqueza para os próprios bolsos, para o povo só miséria e luto.

Quando o país todo fora afetado pelo aniquilamento e Sekai teve a certeza da morte dele, foi onde moravam, com muito esforço, pois se tornou coxo devido àquela briga, e lá chegando as lembranças vieram uma a uma. Cada canto que olhava sentia a presença dele... O desamparo, o remorso e a saudade machucando seu coração, e mais que tudo a resignação porque só agora ele percebia que os sonhos do irmão faziam parte de uma crença inocente, pura; parte de uma grande verdade que era o amor que brotava do próprio coração e que não tinha relações com a mesquinhez da luta sangrenta.

Numa parede onde o irmão tinha feito um belo e trabalhoso mapa das estrelas ele, o gêmeo, havia borrado o trabalho que amava e escrito por cima, na certeza de que um dia ele, Sekai, viria, porque nunca mais voltaria da guerra: “Meu irmão Sekai estou indo realizar seu sonho, me desculpe pela perna, te amo.”

Então Sekai saiu do casebre e subiu a encosta até o precipício. Pela primeira vez percebeu como o céu era belo; como trazia paz, conforto ao espírito. Lágrimas espontâneas escorreram pelo seu rosto. Viu uma estrela com um brilho fulgurante que ao mesmo tempo em que quase o cegava lhe fazia uma carícia. E mais bonito ainda era o reflexo daquele fulgor em suas lágrimas. Então Sekai estendeu a mão como que para retribuir o carinho, ou para implorar que ele voltasse. E o chamou: “Nisan”... e como num eco de suas palavras aquele astro brilhante se desprendeu do firmamento em forma de estrela cadente, caindo num local longínquo onde Sekai jamais poderia ir, a não ser com a memória.

DominiCke Obliterum
Enviado por DominiCke Obliterum em 08/02/2010
Reeditado em 12/02/2010
Código do texto: T2075944
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