Essa madrugada aconteceu uma coisa estranha enquanto eu dormia, tive a nítida sensação de alguém beijando minha boca, o que me fez acordar sobressaltada. Ao mesmo tempo que acordei, senti um perfume forte porém agradável, bem à frente do meu rosto como se alguém usando aquele perfume tivesse acabado de passar por ali. Era tão real e presente o cheiro que eu cheirei meus braços para ter certeza de que aquele cheiro não me pertencia, e de fato não pertencia. O perfume que tomou conta do meu quarto não só era diferente do meu como mais presente no ambiente do que o meu próprio mesmo eu estando deitada lá durante toda noite e de ser meu o quarto. Fiquei meio confusa por alguns instantes tornei a cheirar meu corpo e aos poucos o perfume foi se esvaindo como que atravessando a porta e indo para o corredor desaparecendo do ambiente. Eu não entendi e nem acreditei no que estava se passando. Então comecei a inspirar freneticamente rara tentar me certificar se o perfume ainda estava no quarto, mas já havia desaparecido. Porém a sensação do beijo continuava em mim e o mais curioso é que apesar de não querer que acontecesse novamente, eu não tive medo. E ao adormecer novamente , tive mais uma vez a sensação de alguem se aproximando de mim. Acho que a saudade está fertilizando minha imaginação e fazendo com ela venha a me trair.
Traída ou não, eu só sei que essa manhã acordei inexplicavelmente calma, com um silencio tão grande dentro de mim, que nem sinto meu coração bater dentro do peito. Antes disso tudo quando isso acontecia,era porque eu não sentia medo. Agora, já não sei dizer se é segurança ou se a dor adormeceu meu coração. Isso já me aconteceu uma vez...
“... Eu vagava no meio daquele murmúrio como quem passeia por uma galeria. Era como se eu estivesse em outra dimensão, mas o comentário daquela mãe me chamou a atenção. Então caminhei em direção ao corpo que repousava frio dentro de uma urna marrom. Havia sobre ele flores que não podiam ser vistas, pois a urna estava fechada. Apenas o rosto estava a mostra, envolto por um fino véu através do vidro na parte superior da tampa de sua urna.
Nos últimos e fatais instantes da enfermidade que a levou do nosso convívio. Ela sofreu uma isquemia vascular periférica; estagnando o seu sangue em seus vasos mais superficiais. E aquele jovem e lindo rosto, exatamente como descreveu sua mãe em seu dolorido desabafo. Adquiriu um tom negro arroxeado e um aspecto intumescido. Que até parecia discreto diante da tão espantosa coloração daquele rosto, que outrora abrigara lindamente uma sobrancelha delicada e bem definida, sobreposta a expressivos e ternos olhos castanhos. Que eram seguidos de um nariz bem talhado e adornado por um lindo sorriso.
Aquela visão me tocou e muito. Choque ainda maior foi me dar conta, que apesar de saber e perceber a presença de todo o sentimento que aquele momento causara em mim, eu não podia alcançá-lo. Eu sabia que estava sentindo, mas não conseguia alcançar os meus sentimentos. E por alguns breves segundos, busquei afoita dentro de mim tristeza, alegria, compaixão, raiva, medo, amor... Enfim, fui à busca de qualquer sentimento do melhor ao pior deles. Para espanto meu nada encontrei...
… Foi quando me lembrei do amor que um dia havia sentido, e da imensa e lancinante dor causada pela sua perda. Percebi que ao tentar aliviar a dor que sentia, eu a sufoquei até que fosse banida para o recôncavo mais distante do meu ser. Bem lá no fundo! onde foi devidamente encarcerada e condenada ao exílio.
Nesse exato momento, acordei para o fato de que não se pode enclausurar a dor para não senti-la, como se simplesmente não existisse. Porque a capacidade de sentir e de se emocionar, é um dom e é único. É essa mesma capacidade que nos torna capazes de sentir não apenas a dor, mas a compaixão, a raiva, o amor, o carinho, o medo, alegria... Enfim, nos torna capazes de sentir, viver e aprender com todos os sentimentos e suas nuances. Dessa forma, não podemos deliberadamente abrir mão de sentir um deles isoladamente, sem ao mesmo tempo abrir mão também dos outros. Pois a percepção de todos os sentimentos, resulta da mesma sensibilidade.”
( Trecho de “O Despertar” ).
E espero que esteja acontecendo novamente...
Talvez sim , talvez não, eu não sei. O fato é que me sinto tranquila. Nada me aborrece ao ponto de me fazer sentir raiva. Nada me alegra ao ponto de me fazer sorrir. Nada me entristece ao ponto de me fazer chorar. Nada me estimula ao ponto de me fazer sentir, e se não sinto não lembro. Se não lembro não há saudade.
Quando acordo olho para o teto e o que vejo é apenas o teto. As flores, as nuvens, as cores... São apenas flores, nuvens e cores. Não há nada de especial nelas. Os sons e as músicas por mais bonitos que sejam, não me tocam, porque na verdade é silêncio. Será que morrer é assim? Eu não sei porque não morri. Quando olho para frente, vejo um longo caminho a percorrer e não paro pra pensar, porque não quero. Vou vivendo...
" … Sinto meu coração disparado.
E mesmo agora depois de morta, consigo sentir o pulsar de todas as minhas bulhas, fazendo com que as células de todo o meu corpo vibrem, como se fizessem parte de uma dimensão autônoma além de mim. Onde a minha vontade pouco importa, e a minha mente se vê completamente entregue a emoção agonizante que invade minh'alma. Creio que ainda levará algum tempo até que o sangue coagule em minhas veias e a minha pele se esfrie, trazendo-me alívio, ao me libertar do ardor dessa agonia..."
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"...E foi assim que numa manhã de Domingo, no décimo terceiro dia de um Mês de Dezembro, eu morri. E aqui nesse leito, onde jaz meu corpo agora sem vida. Devolvo sal e água ao altar dos vivos, e deixo que a morte me batize Inês. "
Ele... Ele se chamará Pedro.
“Sonhar o sonho impossível,
Sofrer a angústia implacável,
Pisar onde os bravos não ousam,
Reparar o mal irreparável,
Amar um amor casto à distância,
Enfrentar o inimigo invencível,
Tentar quando as forças se esvaem,
Alcançar a estrela inatingível:
Essa é a minha busca.”
(Trecho de D Quixote De La Mancha /
Miguel de Cervantes)
( Trecho do romance em forma de memórias póstumas que estou escrevendo no momento entitulado "Inês" )