Os olhos de Narciso

- O céu esta caindo! O céu esta caindo! - gritava ele correndo de um lado para o outro com os olhos vermelhos de tanto que já não dormia.

Enquanto isso, em um banco desta praça, pousada estava ela lançando aos pombos pedaços de pão (todos os dias ela passeava pela mesma praça, e via sempre os mesmos pombos, eles sempre pousavam por ali. Mas talvez não fossem os mesmos pombos; talvez não fosse a mesma praça; ela nunca era a mesma). “Como são simpáticos; comendo, ciscando; como se mais nada lhes importasse, apenas... a fome; ocupados da simples e incontestável necessidade: manter-se vivo”: pensava ela, talvez apenas sonhasse de tão serena e leve que parecia (sua alma vagava a galopes pelas flores daquele jardim; ela se deixava levar pelo perfume; e o seu corpo ali parado. Talvez nem ali estivesse, pois ela era apenas aquele sopro que pelo vento era levado).

- O céu esta caindo!

Continuava ele a gritar como se mais nada fosse além daquele grito; como se o ar que naquele instante, pela boca aberta a gritar, invadia-lhe os pulmões, a própria vida que ali pulsava e corria, fosse, para ele, um furto. Pois ali estava a lançar-se sobre si mesmo; a evanescer; se despedaçar.

Mas mesmo assim, enquanto para outro tudo era caos e eterna finitude de algo infinito, num paradoxal respirar e existir, ela ainda repousava, como uma flor que aceita, com amor e serenidade, a violência do vento.

- O céu esta caindo!... Ele sempre cai - dizia ele, agora, bem baixinho. E ele não ousava calar-se, pois medo tinha de perder-se no próprio silêncio – a beleza esta nos nossos olhos. Mas – balbuciando – eles são apenas espelhos; e refletem sempre a mesma imagem, a qual nunca vemos senão como reflexos... reflexos de nós mesmos. Mas – agora sussurrando – nos somos apenas espelhos! Alguns tão embaçados...

E não importava se os pássaros cantavam as suas caos (canções) de progresso, ele apenas o seu grito ouvia. Como um espelho que olha apenas para si mesmo, mas nada vê. Apenas o infinito eterno de sua alma a questionar-se e afogar-se em si mesmo, poço profundo que é.

... e então, um dia, como alguém em desespero que parte em busca da bela amada, aquele Belo jovem ao rio se jogou. Esperando abraçar a própria imagem, pela morte ele não se viu sendo levado. Mas para o rio esta se mostrou. E desde então ele, o rio, eternamente mudo permaneceu; eternamente sem descer correnteza a baixo. Pois não mais os olhos da beleza ele tinha para contemplar o infinito misterioso que havia em si: eternamente a refletir, refletir, refletir...

... É tudo o que ai está. O resto é sussurro... Mudo.

(escrito inicialmente em 30 de abril de 2009, mas em constante modificação)