Estranha insônia
Aquela sensação novamente; Franco rolou na cama de um lado para outro, o ar frio e seco produzido pelo condicionador de ar incomodava-lhe o nariz, cobriu-se, virou para a parede e tentou fingir que estava dormindo; não funcionou.
Descobriu-se, levantou da cama e caminhou até o aparelho na parede, desligou o ar e ligou o ventilador; voltou para a cama; a sensação não o abandonava, sabia o que era, mas se recusava a compactuar com tal pensamento, podia crer em muitas coisas, mas não no que estava pensando naquele exato momento.
Resolveu se levantar mais uma vez; abriu a porta do quarto, foi ao banheiro lavou o rosto e percebeu que sua face ostentava marcas profundas abaixo dos olhos causadas pela falta de sono; saiu do banheiro com o rosto ainda molhado, não se preocupou em secar. Foi até a cozinha e tomou um copo d’água de maneira vagarosa, como se fosse refrigerante, não estava com sede, mas empurrou o líquido garganta abaixo.
Voltou para o quarto, mas não havia nem sinal do sono que perdera. Ao lado da cama em uma pequenina mesa de cabeceira estavam um livro que começara a ler um dia antes, sua carteira, canetas, um caderno e também seu celular; tomou o celular e constatou que já eram três e vinte e oito da manhã de uma terça feira, felizmente não tinha que trabalhar quando o sol nascesse, estava desempregado, mas não fazia questão de procurar emprego, não naquele momento.
Abriu o livro, O velho e o mar, escrito por Ernest Hemingway e retirando o marca páginas leu um pouco, dez folhas no total; finalmente chegara a página cem.
A sensação curiosa permanecia sobre ele; estava evitando pensar naquilo, era inacreditável, talvez fosse loucura. Fechou o livro e recolocou sobre a mesa, ficou sentado na cama mais um tempo sem conseguir dormir e mesmo tentando pensar em outras coisas não conseguia, só havia um pensamento dançando em sua mente, como que pedindo para ser confrontado, mas Franco sempre fora uma pessoa racional, se é que ainda podia se considerar uma pessoa, não sabia mais.
Mexeu nas cortinas e olhou pela janela, não havia nada além da noite lá fora, ficou parado tentando ouvir algum som, mas nada produzia barulho algum; puxou as cortinas novamente juntando-as e cobrindo a janela. Pensou na vida, ou naquilo que ele chamava de vida, mas que na verdade não passava de um roteiro criado por alguém, ainda não acreditava, mas a sensação não deixava dúvidas. Franco descobriu pouco tempo atrás que sua vida na verdade não passava de uma estória criada por outra pessoa, ele não era um indivíduo e sim um personagem de um conto ou de um romance, isso ele não sabia ao certo, durante toda a vida ele era acometido por aquela sensação peculiar de que estava sendo observado, porém, atentara pouco para os indícios, mas agora tinha certeza absoluta. A sensação de observação por períodos determinados o faziam lembrar de quando ele mesmo abria um livro para ler. Pensou se os personagens dos livros que ele lia sentiam a mesma coisa quando tinham suas vidas esquadrinhadas por leitores externos ou suas trajetórias acompanhadas diariamente.
Imaginou qual seria o título de um livro abordando a sua vida e mais do que isso, chegou até a vislumbrar um exemplar de tal publicação na prateleira de uma livraria. Será que estava em uma livraria? Será que ele não passava de um livro velho escondido em um recanto empoeirado de um sebo? Ou em meio a uma pilha de livros maltratados sem capa e com folhas amareladas e manchadas pelo tempo cujo preço ninguém pagava. A visão o deprimiu um pouco.
Não podia crer. Que tipo de universo bizarro era esse que um homem não era um homem, mesmo sentindo-se como tal. Pensou que nesse exato momento a sensação era a prova de que alguém estava acompanhando sua vida; franco imaginou quem poderia estar lendo as linhas que descreviam tudo aquilo que ele estava pensando. Uma outra imagem lhe atravessou a mente; uma pessoa lendo sua estória como um conto na tela de um computador. Talvez tal leitor tivesse encontrado o conto em um site para exposição de textos literários na Internet e sem saber esse leitor estava diante de um personagem vivo; sim, vivo porque Franco tinha consciência de que estava sendo acompanhado. Ora, consciência implica em pensamento e o pensamento era a evidencia da existência de alguém.
_Penso, logo, existo._ disse ele para si mesmo.
Será que o leitor que o estava acompanhando, lendo o texto de sua vida naquele momento estava se sentindo estranho por saber que o personagem principal da estória tinha ciência da intromissão do leitor? Seria curioso.
Franco levantou da cama mais uma vez; inquieto, porque algo mais o incomodava, havia outra coisa fustigando sua mente, não era como a sensação de ser constantemente observado; era mais como uma intuição. Uma intuição de constante repetição, era ao mesmo tempo algo muito íntimo e marcante; como uma voz sussurrando no seu subconsciente que toda a vida que ele lembrava na verdade não passava de memórias implantadas nele pelo autor se sua vida insólita e que toda a existência de Franco consistia eternamente em um período curto de tempo.
Franco sabia demais; mais do que qualquer outro personagem de conto; porém, o que ele não sabia era que o tempo de duração de sua vida era o tempo que alguém demorava para ler desde o momento em que o personagem rolava na cama pela primeira vez motivado pela insônia e findava sempre no momento em que ele se erguia inquieto da cama. O ciclo se iniciaria novamente quando outra pessoa começasse a leitura deste conto e essa prisão existencial duraria para sempre.