A VINGANÇA DE UM HOMEM BOM

A VINGANÇA DE UM HOMEM BOM

Por J.C. Escobar de Oliveira,

em 09 e 10 de março de 2006.

O que pode acontecer quando um homem bom decide se vingar de alguém que causou a si ou a algum ente querido um mal incomensurável?

A vingança de um homem bom é algo que não se consegue entender. É sutil. É superior.

A vingança de um homem bom é algo diferente do que se imagina por vingança, só levando essa denominação por falta de um vocábulo que melhor a expresse.

A seguir, caro leitor, você verá a interessante história de Romeu, um homem bom, rapaz honesto, trabalhador, cheio de fé e dignidade, mas que um dia teve que se vingar de um certo Frederico, homem arrogante e cheio de soberba.

A história de Romeu é igual a tantas que já se viu por aí. A não ser por um ponto: A sua vingança!

Tudo aconteceu em uma tarde de quinta-feira, quando Romeu, após um dia de trabalho, voltava para casa à pé, como corriqueiramente fazia.

A distância não era tão pequena como se possa imaginar, mas ele gostava de fazer todo aquele percurso, já que era uma forma de se exercitar e ao mesmo tempo de estar sozinho consigo mesmo, imerso em seus pensamentos.

Por ser um mês quente, as ruas ainda estavam cheias àquela hora, por volta de seis da tarde.

Romeu vinha caminhando pela rua principal do centro da cidade, no meio da multidão, ouvindo “The final cut” do Pink Floyd em seu walkie man, quando foi abordado por um leve toque em seus ombros.

Virando-se para trás, pode perceber que se tratava de uma velha senhora, já com uns setenta anos ou mais, vestida com roupas bem simples e sujas, com longos cabelos grisalhos e uma pequena bandeja na mão, a qual ela sacudia, fazendo tilintar as poucas moedas que estavam em seu interior.

Entendendo que se tratava de uma mendiga, ele logo levou as mãos ao bolso no intuito de encontrar algum trocado para dar para a senhora, o que, tão logo achou as moedas, fez sem demora.

Com um sorriso a dona se despediu, dizendo o tradicional “Deus te abençoe”.

Romeu também sorriu, virando-se e reiniciando sua caminhada.

À frente, deparou-se com uma faixa de pedestres.

Estando o sinal fechado, aguardou por uns minutos até que pudesse atravessar.

Tão logo este ficou verde para ele, iniciou a travessia da rua.

No entanto, ao começar a cruzar a faixa, um carro em alta velocidade atravessou o sinal sem qualquer aviso, passando bem próximo de Romeu, que reagiu instintivamente gritando um sonoro filho da puta.

E então, como já era de se esperar, pela força que exerce no gênero humano o xingamento utilizado por Romeu para expressar sua insatisfação, o carro freou lá na frente, já após a faixa de pedestres, iniciando um movimento de marcha a ré.

Romeu estacou, sentindo medo e ao mesmo tempo raiva de uma pessoa tão inconseqüente e mal educada. Ele não fugiria dali. Só cabia agora esperar e ver o que aconteceria.

O carro parou.

Ele pode perceber o vidro com insul film do lado do motorista do carro, que era uma pick-up, ser abaixado eletricamente.

Um rosto de uma pessoa que aparentava ter seus 40 anos apareceu.

Era um homem de cabelos levemente grisalhos, bem barbeado, usando uma camisa social, escondido atrás das lentes de um ray ban, último modelo.

o que você falou aí otário? Disse o homem.

Aquelas palavras entraram como uma faca em Romeu. Naquele momento vários pensamentos turbilhonaram em sua mente. Ao mesmo tempo que um medo visceral começou a tomá-lo, um sentimento de raiva pela cara de pau daquele homem que atravessou o sinal fechado, quase o atropelando e ainda voltou com intenção de tirar satisfação, como se a lei ou a convenção que assegura o direito do pedestre atravessar o sinal quando este estivesse aberto para ele não valesse naquele momento.

Não ouviu eu falar com você não cara? O que você disse? Não é homem de repetir não?

Cara, não quero rolo com você. Sai fora e me deixa em paz. Disse Romeu, que começou a atravessar a faixa.

Com essas palavras de Romeu, o homem bruscamente abriu a porta do motorista e saiu do carro.Era um homem grande, de aproximadamente 1,80 de altura. Não era muito forte, mas era razoavelmente corpulento, capaz de assustar Romeu que, apesar de sua disposição física, não era o que se poderia chamar de grande.- Sai fora o caralho, porra!!! Quero ver se você é macho pra falar agora na minha cara o que você falou antes.

Aí meu irmão, deixa de ser folgado, você fura o sinal e acha que ainda está certo?

Quer levar uma porrada mane?

Só quero ir embora, ok? Pega seu carrão aí e segue seu rumo também!

Vai embora então tampinha, vai a pé então. Tá sem grana pra passagem, seu fudido?

Com essas palavras aladas, Frederico, (esse era o nome do troglodita de meia-idade), conseguiu despertar o adormecido senso de defesa e auto-preservação de Romeu.E então surgiu o desejo de se vingar.Inicialmente, esse desejo se configurou como uma vontade imediata de causar algum dano físico àquela pessoa arrogante, possivelmente um capitalista explorador, se não for coisa pior.O fato é que, em uma fração de segundo, esse desejo foi mudando de enfoque, fazendo com que Romeu desejasse, não mais quebrar a cara do sujeito, mas estilhaçar o farol daquela caminhonete cara, o que seria fácil de conseguir com um guarda-chuva por exemplo, que estava dentro de sua mochila.Mais alguns nano segundos e o ódio de Romeu se transformou em um desejo de despejar xingamentos e palavrões dirigidos àquele homem.Mas o fato é que nada disso aconteceu.Em meio aos devaneios que faziam a mente de Romeu girar, ele sentiu pela segunda vez naquele dia um leve toque em seu ombro.Olhou para trás e viu aquela senhora de agora a pouco.

Pode me ajudar a atravessar a rua? Disse ela olhando enigmaticamente.

Perplexo, Romeu olhou para o outro lado, vendo a figura de Frederico que apenas o fitava com um leve sorriso debochado no rosto.

Ao virar-se, reparou que a senhora também sorria.

Romeu olhou para o rosto daquela velha profundamente, vendo que por trás daquelas rugas e daqueles olhos parecia haver como que uma força superior.E naquele momento, foi como se o tempo parasse. Foi como se os carros que estavam ao redor, todas as pessoas que trafegavam pela rua simplesmente desaparecessem, restando tão somente ele, Frederico, aquela velha senhora e o sinal. E então ela falou com uma voz muito potente, que na verdade não era ouvida, e sim sentida, já que era capaz de estremecer a terra em um raio de algumas dezenas de metros quadrados.Aquela voz causou uma dor muito forte na cabeça de Romeu que, em meio aquele momento sobrenatural, presenciou a mais fantástica das situações que jamais verá novamente em sua humanidade.A velha disse, olhando firmemente para Romeu:-Você vêm? E deu a mão a ele, sinalizando que gostaria de chegar do outro lado da rua.Hesitando por alguns momentos, Romeu olhou para Frederico, que continuava lá parado, imóvel. Por fim, tomou a decisão de ir com ela, de atravessar aquela rua. E foi o que fez, juntamente com a velha, em meio a um silêncio sufocante. Quando davam os últimos passos pela faixa de pedestres, como se um LP que se segurasse sobre o aparelho com as mãos voltasse a tocar, restabeleceu-se a normalidade. Os carros e as pessoas voltaram a encher a rua e as calçadas, o som das conversas e dos veículos invadiram novamente o ouvido de Romeu.Ainda perplexo, Romeu percebeu que o som das buzinas agora estava mais freqüente, o que o fez virar-se para ver a razão de tanta algazarra.Feito isso, viu apenas uma pick-up, parada no meio da rua, com a porta aberta e uma fila de carros parados atrás dela. Enraivecidos e sem entender por que ela estava ali abandonada no meio da pista, os motoristas buzinavam no intuito de fazer o seu dono tirar o veículo dali. Mas isso seria impossível, já que não havia nem sequer sinal dele.Neste momento Romeu se deu conta da senhora que estava ao seu lado.Ele olhou para ela assustado com tudo o que acontecera.

O que a senhora fez? Disse ele.

Eu não fiz nada. Foi você quem fez. E novamente pude ver aquele sorriso enigmático.

Obrigado por me ajudar a atravessar.

Dizendo isto, saiu andando, deixando Romeu ali, sem respostas para suas perguntas, imóvel, incapaz de dizer uma palavra, ou sequer de pensar no que teria acontecido.Muito tempo se passou após o episódio narrado.Na cidade, se noticiou o abandono de uma pick up em via pública que, estranhamente, não possuía registro em qualquer órgão público de trânsito.Nenhum documento foi encontrado no veículo que pudesse identificar seu possuidor, razão pela qual ele foi doado ao serviço rodoviário federal.Romeu sabia que esquizofrênicos criam situações em sua mente, e a vivenciam como se fossem realidade. Mas ele não acreditava que teria vivido uma ilusão naquele entardecer.Ele jamais entendeu como aquele homem havia desaparecido. Na verdade era como se ele nunca tivesse existido.Pessoa curiosa e inteligente que é, Romeu já havia lido algo sobre universos paralelos, ou viagem no tempo. Tinha também algum conhecimento acerca de física quântica, obtido em revistas de curiosidades científicas.Acreditava na possibilidade de vibrações geradas a nível subatômico interagirem com outras coisas ou, quem sabe, pessoas, alterando sua substância ou a moldando de forma diversa.De uma forma ou de outra, Romeu jamais quis se vingar daquele homem, optando tão somente por afastar-se dele quando a dona o pediu para ajudá-la.Como bom homem que era, não desejou a ele qualquer mal, mas com certeza muito se indignou com a situação, desejando que as coisas fossem diferentes, pelo menos aquela vez.Em sua humildade, ele aproveitou para se afastar daquele homem mal naquele momento. Mas com um forte desejo de mudança.Romeu sempre foi um homem indignado com a maldade humana. Com a capacidade de nossa espécie de fazer mal ao próximo tão somente para nos vermos em posição superior. No trabalho, na vida social, em qualquer segmento de nossa sociedade o egoísmo prevalece.Talvez naquele momento ele tenha desejado que as coisas mudassem. Apenas aquela vez.Nunca soube Romeu o destino daquele homem. Como ele teria desaparecido assim? Simplesmente sumiu? Como se sua substância tivesse sido extirpada da face da terra? Ou teve outro destino em outro local. Ou quem sabe até em outro tempo? Nunca saberemos, embora muito possamos deduzir.Mas um fato que jamais vai deixar Romeu esquecer daquele dia é que, ainda naquela tarde fatídica, alguns minutos após o ocorrido, quando estava quase chegando em casa, ao parar em frente a uma banca de jornais, ele se deparou com a notícia de capa da revista de maior circulação no meio científico do pais:“Pesquisas na cura do câncer avançam.”Logo abaixo, em letras menores, uma sinopse da matéria principal da revista:“O Dr. Harry A. Nicholls, do estado de Nova York, nos EUA, e sua equipe de pesquisadores do laboratório TRANSLATE S/A, com sede em Helsink, estão a um passo de descobrir a cura de um dos maiores flagelos da humanidade.Em entrevista exclusiva à revista, o Dr. Harry explicará como 8 anos de pesquisa podem ter como consequencia a maior descoberta científica dos últimos tempos.Veja também uma pequena biografia de Harry Nicholls, o menino pobre que se tornou o mais respeitado e humanitário pesquisador na área do câncer de nossa época. Sua trajetória desde a infância na Irlanda até o início das pesquisas na Universidade de Nova York.” Romeu estarreceu.Não pelo que acabara de ler, se bem que foi uma surpresa para ele que, apesar de ser leigo, sempre ouviu dizer que o ser humano estava longe de conseguir a cura para o câncer.Mas foi o que ele viu que mexeu com sua mente.Aquela revista trazia em sua capa uma foto de um médico ou algo parecido, sentado atrás de uma mesa de fórmica, em um laboratório cheio de microscópios e aparelhos eletrônicos com displays iluminados.Ele usava terno e tinha um largo sorriso, aparentando ter em torno dos seus 40 anos de idade.Sobre a mesa, uma placa de metal indicava quem a ocupava: “Dr. Harry”.Como em tudo que envolve o sobrenatural, Romeu nunca soube se teve um devaneio naquela tarde, ou se há realmente um poder oculto na mente de um homem bom, capaz de mudar a realidade a sua volta.Mas o fato é que, na capa daquela revista, sentado atrás de sua mesa, Romeu viu foi a imagem do homem do cruzamento, um cientista irlandês que provavelmente nunca tinha pisado no Brasil. E ele era naquele momento, do outro lado do mundo, o responsável pela cura de um grande mal.

J C ESCOBAR DE OLIVEIRA
Enviado por J C ESCOBAR DE OLIVEIRA em 16/01/2010
Código do texto: T2033189
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.