Horas estranhas
Entro numa caverna e o silêncio acentua a sensação de solidão. Sob meus pés as rochas lisas exigem cuidado especial para caminhar, pois basta um descuido para ocorrer uma queda. Se isso acontecesse seria um desastre porque estou só e, se dependesse de ajuda, estaria em apuros! Chego a pensar em ir embora e retornar em outro dia, e com companhia, para explorar o ambiente com segurança, mas a curiosidade impede que eu desista. Afinal, desde criança desejo conhecer essa caverna que está localizada na propriedade de minha família, mas só agora, que sou adulta, tenho a oportunidade, já que não necessito mais da autorização dos meus pais. Deslumbrada olho cada detalhe do lugar, a umidade das paredes se espalhando pelo ar, uma ou outra nesga de claridade entrando pelo teto e um som de asas batendo que me faz recuar um pouco. São morcegos! – penso aflita. Mas o bicho nem se importa com a minha presença e se acomoda no alto.
Ouço, então, o barulho característico e agradável de água corrente e, como estou com sede, vou em frente na esperança de encontrar água limpa e fresca. Percebo que já andei bastante e resolvo voltar, pois só agora me dou conta de que muito tempo se passou desde que entrei na caverna.
Depois de caminhar por longos minutos reconheço, apavorada, que não sei o rumo que devo tomar para encontrar a saída. E ao lembrar que ninguém sabe onde estou, uma angústia se apodera de mim. Respiro fundo e tento me acalmar, falando comigo mesma que entrar em pânico só irá piorar a situação. Noto, estarrecida, que o meu medo e a escuridão aumentam na mesma proporção. Começo também a sentir frio e fome. Na mochila que trago comigo só há um agasalho leve, alguns objetos de maquiagem, um pente e nem um biscoito sequer. Que irresponsável sou eu! - penso irritada. Colocar a própria vida em risco de maneira tão absurda e imperdoável!
Grito por socorro até quase perder a voz, mas não ouço resposta alguma. Resolvo caminhar para o lado que penso estar o curso d’água, já que a sede está se tornando insuportável. Nesse instante vejo um bicho rastejando em um canto e, apesar da escuridão, imagino que seja uma cobra. O pavor toma conta de mim, grito como uma louca e saio correndo. Então, um clarão enorme surge diante dos meus olhos, ofuscando completamente a minha visão, deixando-me mais desorientada e com uma sensação de vertigem.
Quando consigo abrir os olhos estou deitada no chão, com a cabeça apoiada em uma pedra. Sinto a visão embaçada e vejo vários vultos a minha volta. Fico exultante! Estou junto a outras pessoas, não estou perdida! Vou para casa tomar água, um banho, comer e descansar!
Então fixo o olhar nas pessoas que estão a minha volta e fico sem saber o que pensar. Não as conheço. E por que estão todos, homens e mulheres, fantasiados da mesma maneira? Todos têm pele de animais cobrindo o corpo e usam as mesmas perucas longas. Seria uma brincadeira? Quem faria isso comigo?
Logo fico ainda mais apreensiva e perturbada quando percebo a maneira como eles olham para mim! A curiosidade é recíproca! Sinto como se eu fosse um animal raro em exposição diante de espectadores boquiabertos!
Noto que estamos numa área em que uma parte do teto da caverna não existe e vejo que o sol está a pino. Com certeza é meio dia. Estou confusa, pois há pouco estava anoitecendo. Sento-me lentamente e o menor movimento que faço provoca reações de medo ou alerta.
_ Estou com sede – digo, olhando para uma mulher que está próxima a mim. Ela se levanta e fala com os outros, gesticulando muito. Eu não consigo entender uma palavra sequer. Quando ela anda tenho um impacto muito grande: aquelas roupas, cabelos, jeito de andar e de falar são iguais às cenas de alguns filmes que assisti sobre os homens pré-históricos, habitantes das cavernas!
O pânico começa a tomar conta de mim novamente. Será que o medo fez com que eu perdesse a razão? Estou delirando? Enquanto eu levantava várias hipóteses e não encontrava resposta para nenhuma delas, a mulher voltou trazendo duas vasilhas feitas de pedra: em uma delas há um guisado que não consigo saber do que é feito e na outra, água. Pura dedução! – penso, pois ela certamente não entendeu o que eu havia dito. Sedenta como estou tomo primeiro a água e depois, um tanto desconfiada, como o guisado, que para minha surpresa, está muito bom!
Penso em minha família e na preocupação que estou causando a ela. Olho em volta e vejo que as pessoas já estão se acostumando com a minha presença. Algumas até já foram cuidar dos seus afazeres. Tento conversar, mas não há como me fazer entender. Uma pessoa vem e me toma pela mão, chamando para que eu vá com ela. Entendo que ela quer que eu conheça o lugar em que vivem. Há vários cantos dentro da caverna, como se fossem pequenos apartamentos, sendo que cada casal ou família tem o seu canto próprio. Assisto ao esforço de um rapaz para acender o fogo, vejo a festa com a chegada dos caçadores que fizeram uma caçada proveitosa e testemunho a alegria com a chuva que cai mansa e fresca.
Situação inusitada a que estou vivendo! Saí do século XXI para a pré-história. Loucura ou sonho?... Não sabendo mais o que pensar procuro um lugar para recostar, pois sinto-me enfraquecida.
Acordo com alguém chamando por mim e, sobressaltada, respondo em meio à escuridão. Nesse momento vejo o facho de luz de uma lanterna e logo pessoas da minha família estão ao meu lado. Percebo, então, que estou no mesmo lugar em que tentei correr de uma suposta cobra. Minha cabeça dói em um ponto onde há um hematoma. Agora entendo! Caí no momento em que tentei correr e desfaleci! Todos os acontecimentos que pensei ter vivido foram produzidos pela minha mente desfalecida!
Já em casa, depois de me desculpar com todos pela preocupação que causei, vou para o meu quarto. Antes de tomar banho tiro as coisas da minha mochila para guardar e quase caio de susto: entre os meus objetos está a vasilha de pedra que, no meu “sonho”, eu usei para tomar água...