Um Caso Diferente de Button

Eu poderia ser considerado uma aberração, um filho do Demônio, mas fui chamado de milagre, obra salvado pelo senhor, não sei se é bem assim, sou normal, apenas normal, a diferença é que volto no tempo cada dia, e como todas as pessoas deste mundo, me sinto diferente todos os dias, a diferença é que os outros se sentem cansados e velhos, eu me sinto vigoroso e novo...

Escrevo isso aos quinze anos, talvez eu esteja preto da morte, não sei, mas sou um caso especial, um novo caso do tipo Benjamin Button, ou pensei que fosse. Nasci velho também, nasci enrugado, os olhos doentes, os dentes amarelos e podres, quase sem visão, o cérebro em perfeito estado de memória, sem saber mais andar, quase sem mexer, coisas da velhice, era uma criança velha. Para minha mãe eu era perfeito, para meu pai, eu era uma coisa nojenta, ele tinha medo, era horrível para eu saber que meu pai não me amava. Eu rejuvenescia todo dia de minha vida, era estranho e engraçado ver os outros ficarem velhos, enquanto eu ficava cada dia mais novo, era belo e terrível, eram um sonho e pesadelo, todos os dias.

Eu conheci senhoras, nunca gostei de nenhuma, eu não fui a escola, minha mãe me ensinou tudo que sei, meus pais eram ricos, muito ricos, mas mesmo assim, nunca foram muito felizes, e acho que a maior parte da infelicidade se devia a mim, quando era, ainda, uma criança velha, eu era doente demais, minha mãe lutava cada dia para me manter vivo, meu pai, bem, ele não era nada para mim, não mesmo, nunca gostou de mim, acabei passando a odiá-lo também. Quando tinha meus dez anos, aquela aparência de sessenta, fui a um parque com minha mãe, havia crianças brincando, quando as outras mãe perguntavam se ela tinha levado o pai dela para um passeio ela dizia que era seu filho, as outras mães ficavam apavoradas. Fui alvo da maldita mídia, fui alvo da desgraça da imprensa, fui convidado a ser estudado por cientistas de nome, meu pai não se importava, acabou me vendo como um lucro extra, mas minha mãe, minha santa mãe, negou, disse que eu não era um objeto, um animal, e que todos fossem para o inferno, perfurados pelo cetro do demônio.

Foi ai que começaram as comparações com um caso antigo, talvez lendário, fui comparado com Benjamim Button, nunca cheguei a saber quem tinha sido este homem, pesquisei e descobri que tinha sido um como eu, nascido velho, morto bebê, uma coisa terrível, foi ai que descobri como seria minha vida, minha morte, e me imaginei morrendo como um feto, um esperma solto ao vento, ri de mim mesmo nesse momento. Era incrível o que eu era não havia explicação, não havia sequer uma razão para meu caso, era algo totalmente inexplicável, algo que até hoje não consigo entender, enquanto volto a minha velhice.

Eu perdi minha mãe, ela morreu de uma doença que não conheço, era uma doença rara que tomava conta do cérebro da pessoa, o cérebro dela foi infectado e morreu, fiquei com meu pai, aquele maldito monstro, quando minha mãe morreu, ele tomou todas as providencias para mim ser estudado, descobri isso numa noite de chuva pesada, os raios iluminavam a casa toda, os trovões como pedras que rolavam das mãos de Deus eram de tremer até os nossos ossos. Ele estava em seu escritório, falando ao telefone.

- Tudo bem então, podem mandar o carro amanha, vou lhe dar alguns calmantes para dormir e tudo ficara bem, tudo pelo bem da ciência e pelo meu filho.

Aquilo foi demais para mim, corri para a cozinha chorando, não havia mais ninguém na casa, o ódio em mim era tão forte e imenso, eu tremia, ódio e nojo daquele desgraçado que chamava de pai, peguei uma faca que estava em cima da pia, escondi atrás de minha calça, presa ao cinto e fui para seu escritório, entrei, ele levantou a cabeça e sorriu para aquele velhinho, bem, eu não era mais tão velho, estava com meus cinqüenta anos agora, vinte de vida, ele me chamou para perto dele, sentou-se numa poltrona e me mandou sentar na de frente, obedeci meu pai.

- Filho, você tem dormido mal ultimamente, não comentei nada com você antes, mas é preciso que você tome alguns calmantes para poder dormir, falei com seu medico e ele me recomendou...

Não o deixei terminar, tirei a faca presa ao cinto e a enfiei em sua garganta, seus olhos saltaram, sua língua estendida para fora, ele segurava a faca com as duas mãos tentando tira-la, sem sucesso, olhando aqueles olhos tão iguais ao meu eu sorri e falei:

- Você não vai me vender, papai...

Anos se passaram depois disso, armei tudo para que parecesse que a casa tinha sido roubada, me tranquei num armário, armei tudo perfeitamente e nunca fui punido, nunca pelos humanos, o tempo se encarregou disso. Quando eu era criança, um pequeno bebe, fui encontrado numa casa abandonada, levado para outra casa, outra família e comecei a crescer novamente, comecei a envelhecer novamente, escrevo isso agora, esse pequeno trecho hoje, aos sessenta anos novamente, nasci velho, rejuvenesci e voltei a envelhecer, esse foi o castigo que o tempo me deu por ter matado o homem que quis me vender, e nesse asilo maldito e sujo passo os últimos dias de minha vida, relendo o diário que escrevi naquela época estranha e que para mim parece ter sido de outra pessoa, um caso totalmente diferente daquele tal Button...

Markos Queiroz
Enviado por Markos Queiroz em 26/12/2009
Código do texto: T1996654
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