Nota do autor:
Essa pode ser considerada uma história própria, até independente da sua "primeira parte", então pode ser lida sem receio de se cair de paraquedas num conto totalmente sem sentido!
Mas é lógico que eu aconselho a leitura do primeiro Jonas, o primeiro é sempre o primeiro. Quem assim o fizer poderá adiconar em sua mente vários detalhes com este texto que segue, linhas que só farão com que essa minha história, que ainda considero a mais bela de todas, se torne ainda mais envolvente do que a meu ver o é!
Clique então abaixo se desejar ler antes o início de tudo e boa leitura!
JONAS
Abraços e toda a felicidade do mundo!
Jonas II
1. SONHOS
28 de novembro de 2009
“Lá vinha ela pela calçada, de calça colada preta e blusa lilás, parecendo uma adolescente com o cabelo amarrado para trás que balançava feito uma calda de cachorro alegre por ver seu dono.
Ninguém diria que ela tinha a idade atual, suas formas eram muito belas e as rugas não marcavam seu bem feito rosto.
Andava rapidamente desviando das pessoas que passeavam na calçada e que vez por outra paravam para observar as vitrines das lojas, atrapalhando um pouco sua caminhada.
Estava chegando próxima de uma esquina, onde um destino já escrito a aguardava. Não ouvia os gritos do sonhador a alertando para parar, para retornar de onde veio, para que fizesse um caminho diferente...
Os gritos eram em vão e terminavam na boca do sonhador que tudo via, mas nada podia fazer. Somente observar de seu camarote com visão privilegiada o fim da história de alguém que amava.
Quando tudo aconteceu, rápido, frações de segundo, os gritos da mulher e do sonhador se fundiram e foram sumindo enquanto o sonho acabava.”
Mais uma vez acordei sobressaltado, com o fim de um grito na garganta. Estava com o corpo inteiro molhado de suor, levantei-me devagar para não acordar minha esposa, mas em vão.
-- Sonhando novamente? Perguntou ela.
-- O mesmo sonho novamente...
Ela fez um delicado bocejo antes de continuar.
-- Que tal me contar como é este sonho teimoso de uma vez?
Enquanto vestia o calção do pijama respondi a frase planejada para este momento, a mesma de sempre.
-- Não é nada de tão importante, somente um sonho bobo. O único problema é que ele insiste em voltar há algumas noites, deve ser naquelas em que me encontro mais cansado.
-- Vem sonhando nas últimas cinco noites, sua agitação em baixo dos lençóis me desperta, não se esqueça que eu tenho o sono leve...
-- Pois é! Estava mesmo me levantando e tentando ser silencioso o bastante para não atrapalhar o seu sono. Quer um copo de leite quente?
Ela mostrou um sorriso encantador.
-- Sei que está me enrolando, mas não tem problema. Se não pode se abrir comigo precisa procurar por algum profissional que lhe possa ajudar.
Eu tenho alguém em mente, pensei e estremeci.
-- Vou pensar no assunto com calma! Não fique preocupada meu amor, que não há de ser nada!
Voltei para cama e dei nela um abraço apertado, ganhando um beijo em troca. Como eu amava esta mulher! E por alguns segundos até esqueci do sonho...
-- Somente se cuida está bem!
-- Prometo que irei pensar com carinho no assunto, agora durma mais um pouco, vou rabiscar meu diário on-line.
Mais um beijo e um abraço e me fui.
Sentado no escuro da sala ainda de madrugada me pus a recordar como eu chegara até aquele momento.
Eu me apaixonei por Pati há quase 10 anos, numa época em que ela era casada e passava por pequenas turbulências no seu relacionamento.
Tive uma experiência maluca que até hoje não sei se foi real ou não, voltando 13 anos no tempo, onde tive a chance de desfrutar de momentos maravilhosos ao seu lado, até que ela veio a sofrer um acidente e falecer.
Depois tudo voltou como era antes: eu um apaixonado, ela uma senhora.
Essas linhas resumem tudo que aparentemente levou anos para acontecer.
Quando ela finalmente se divorciou 5 anos atrás eu vi uma oportunidade para realizar meus sonhos de amor e nem precisei me esforçar muito, ela já sabia a bastante tempo que meu coração era dela. Só continuei sendo a mesma pessoa de sempre, educada e sincera, e um lindo relacionamento entre nós acabou nascendo naturalmente.
Seus dois filhos resolveram ficar com o pai, assim que começamos nossa relação e pensei em até desistir de tudo para não causar problemas em sua vida, mas ela decidiu apostar todas as fichas e assim estamos juntos desde então, felizes como eu nunca poderia imaginar nos meus mais secretos sonhos. E falando em sonhos...
Começaram há uns 10 dias, sempre o mesmo em todos os detalhes, comigo observando tudo de cima, um telespectador assíduo, assistindo as mesmas cenas e em vão tentando mudar o roteiro. E olha que eu tentava arduamente convencer o Diretor, todos os últimos dias, sentado ali no escuro de madrugada, quando comecei a perceber que havia algo de errado.
Um dos fatos que mais me incomodava é que a cada um desses sonhos eu já sabia de tudo que iria acontecer, como se eu estivesse realmente ali vivenciando novamente fatos que se reprisavam, sem nada poder fazer.
Seria esse um dos sintomas de que uma loucura começava a se apoderar de minha mente? Ou será que era um tipo de sinal?
A época em que o sonho reproduzia era com certeza o futuro, Pati estava com uma roupa nova que eu não conhecia e no local existiam algumas lojas que ainda não tinha visto por lá. Mas não dava para definir quando acontecera ou até se iria mesmo ocorrer, tudo parecia simplesmente outro sonho maluco, mas eu tinha certa experiência em sonhos deste tipo e a minha resposta, caso alguém me perguntasse, era que com toda a certeza, mais dias menos dias, ele se realizaria e pela segunda vez, uma num passado que nem sei se existiu de fato, mas enfim novamente eu iria perder um pedaço de mim.
Sabia que faria de tudo para isto não acontecesse. O passado, real ou não, já havia me mostrado que certas coisas que acontecem não podem ser alteradas, mas é exatamente aí que residia minha esperança: esse novo sonho ainda não aconteceu! E para que realmente não viesse a acontecer ela estava certa, eu precisava da ajuda de alguém, provavelmente um velho conhecido com aparente talento quanto às questões que envolvem o amor e o tempo.
Ele era certamente minha única esperança concreta, minha e dela.
2. A BUSCA
29 de novembro de 2009
Lembro perfeitamente da primeira vez em que a vi, no dia em que se matriculou na academia em que eu trabalhava.
Era uma sexta-feira agitada, a maioria dos aparelhos estavam sendo utilizados e a recepcionista pediu que ela falasse comigo para receber suas primeiras instruções e assim iniciar seu treinamento.
Ela não era um modelo de beleza e por ali passavam todos os dias dezenas de mulheres que neste critério e de corpo levariam nota 10 facilmente. E muitas destas beldades, sem querer me achar um Dom Juan ou partir mesmo para um convencimento cínico, me davam todas as pistas para que no mínimo umas noitadas acontecessem.
Mas eu por regra profissional não costumava misturar as coisas e com Pati não foi diferente, apesar de ter me encantado com ela desde o início de nossa amizade. Isso aconteceu porque acabei me tornando ao invés do tradicional “personal trainer” bem mais que isso, que posso caracterizar como um tipo de “friend trainer”, este termo era muito mais apropriado.
Mas isto foi antes, quando eu era professor. Depois de me casar com Pati resolvi investir um pouco de dinheiro e com apoio dela acabei montando minha própria academia e agora cuidava mais do gerenciamento da mesma.
Isso era muito importante, pois acabava me dando mais tempo disponível neste momento para poder realizar uma tarefa importante: encontrar um bruxo que se autodenominava Dr. Barros.
Jamais imaginei ter que procura-lo novamente, não era o tipo de pessoa que eu colocaria numa lista de amigos, nem numa simples mala direta. Mas a necessidade se fazia urgente.
Comecei pelas listas telefônicas de papel, depois pelas listas on-line e mecanismos de busca da Internet, revistas e outros profissionais da “área” do mesmo, mas não encontrei uma pista sequer do seu paradeiro.
Da outra vez, se bem entendi, fui escolhido por Dr. Barros para ser ajudado. Como poderia reverter a situação agora era algo que as restritas alternativas não levavam a uma solução.
Decidi então partir para campo, não tinha nada a perder, e o único local que me veio em mente seria um prédio de escritórios onde estive por duas vezes, se é que o lugar realmente existiu.
Existia!
Atravessei a cidade no Logus, havia aposentado o velho Mustang anos atrás, e cerca de uma hora depois já estava na recepção do prédio em questão. O interessante é que não precisei parar em nenhum local para pedir informações sobre o endereço, cheguei tão facilmente que parecia ser um itinerário comum, o que não era mesmo!
A fachada continuava idêntica e um porteiro trabalhava no mesmo lugar, um cubículo pintado de branco. Tomei algumas informações com ele e armado da desculpa de ser um visitante curioso interessado em alugar um espaço, este me liberou a entrada.
Fui direto para o último andar e não fiquei surpreso ao dar de cara com as portas abertas e de constatar também que o local estava vazio, parecendo de fato nunca ter sido utilizado por ninguém. Vasculhei a recepção e depois o cômodo principal, mas nenhuma pista encontrei. Vislumbrei mentalmente dois divãs onde eu e o gigante doutor ficamos deitados em nosso último encontro e um arrepio percorreu minha espinha. Foi quando eu notei num dos cantos da sala, meio que encoberto pelo carpete, um pedaço de papel branco. Tirei-o de lá e vi que era um cartão de visitas do meu amigo doutor, com telefone e endereço do local onde me encontrava agora. Este era igual ao que ele me deixou um dia na academia, anos atrás.
Uma esperança tomou conta de mim ao guardar o cartão. Esta era uma comprovação de que tudo que sucedera anteriormente não era somente fruto da imaginação de um louco, acontecera mesmo.
Mas como encontrá-lo estava se tornando cada vez mais difícil e as opções praticamente chegavam ao fim.
Após passar em casa para um merecido almoço retornei ao trabalho para me distrair.
Desejava arduamente me abrir com Pati sobre este problema, mas assinaria de bom grado um atestado de maluco, pois ela mantinha sempre os dois pés bem firmes no chão.
Fiz inúmeras ligações e mais diversas pesquisas, mas fui derrotado pelo cansaço e pela falta de opções. Já escurecia quando me pus a caminho de casa.
Após uma longa sessão de amor ficamos por quase uma hora conversando, por mim ficaria a noite toda, havia perdido completamente o sono, principalmente após o assunto que ela iniciou.
-- Você sabia meu amor que tem duas lojas novas que vão abrir lá no centro?
-- Lá no centro? Onde?
-- Que interesse é esse, você nem liga para as lojas que existem hoje.
Ela estava certa, eu não ligava mesmo!
-- Somente é uma curiosidade! Onde vão abrir estas novas lojas? Sabe quando?
Não sei se ela notou um pouco de nervosismo na minha voz, mas de qualquer forma não demonstrou.
-- É lá na via principal onde costumamos caminhar, mais ainda vai levar um mês mais ou menos...
-- Nossa, tão perto...
Ela finalmente me olhou intrigada. Creio que em matéria de representação eu seria um fiasco.
-- Não estou entendendo você, que repentina curiosidade é essa?
Detestava mentir, principalmente para a mulher que eu amo, mas como explicar toda essa loucura?
-- Sabe, é que estou pensando em fazer algumas novas divulgações da nossa academia e essas inaugurações poderiam vir a calhar. Se bem que num espaço tão curto de tempo provavelmente não dê para elaborar uma propaganda que valha a pena.
-- Também pensei – disse ela – que é uma inauguração fora de época, imagine! Vão perder todas as vendas de Natal abrindo as portas perto do final do ano.
-- É! Ano novo, lojas novas... – E completei em pensamento -- ... e possíveis tristezas novas também!
Dei-lhe um longo beijo e um abraço mais demorado ainda e apaguei as luzes do meu lado. Demorei horas para dormir e quando consegui o sonho perturbador me perseguiu novamente.
3. O ACASO
30 de novembro de 2009
No outro dia acordei mais tarde que o habitual. Pati já havia preparado o café da manhã e um cheiro gostoso de pão fresco tomava conta da cozinha.
-- Indisposto? – Ela me perguntou após um beijo.
-- Não, acho que estava cansado demais, demorei a dormir ontem à noite.
-- Por que não me chamou? Poderíamos ter nos cansado mais um pouquinho...
Sorri sinceramente.
-- Não sou mais um garotão cheio de energia. Depois dos 40 o que aconteceu ontem facilmente entraria no Livro dos Recordes.
-- Não se menospreze meu amor.
Tomamos o café em silêncio e depois, quando eu estava para sair para a academia, Pati me desmontou.
-- Ah meu amor, tomei a liberdade de olhar na sua agenda e como não vi nenhuma consulta marcada e o seu sono continua agitado, agendei uma consulta para você agora pela manhã, às 10 horas.
-- Consulta? Com quem?
-- Com aquele doutor do cartão que estava no meio da sua agenda, um psiquiatra não é?
Psiquiatra? -- pensei – não conhecia nenhum! A não ser que...
-- Obrigado meu amor, ti amo!
No caminho para a academia percebi que tudo estava acontecendo como tinha que acontecer, sem lógica alguma.
Procurei, não encontrei e novamente fui encontrado. Deve ser um dom daqueles que às vezes se perdem e buscam por uma luz. Espero sinceramente que o gigante seja essa luz.
4. NAS AREIAS DO TEMPO
Data desconhecida
Ele passeava pelo deserto com um grupo de habitantes locais. A lua ainda seguia alta e cheia para oeste ao atingirem seu destino: ruínas antigas poucas vezes exploradas.
Desmontaram e começaram a armar as tendas enquanto o gigante estendeu um tapete e deitou-se, pondo-se a admirar o céu. Muitas e muitas vezes repousara assim, ao relento, sendo uma das formas que mais apreciava.
Pela manhã quando o sol surgiu prometendo um dia quente, ele foi acordado por uma mensagem que vinha de longe, que com toda a certeza só poderia vir de alguns dos conhecidos que fizera em outras épocas.
Depois de receber toda a mensagem sorriu satisfeito.
Apesar de não gostar de retomar assuntos que julgava encerrados, uma leve curiosidade brotara em sua mente, pois sabia que somente um ser extremamente necessitado conseguiria encontrar uma forma de encontrá-lo novamente.
Levantou-se e aprumou o terno preto sempre impecável, pedindo licença para todos, pois precisaria se ausentar. Mas pediu que continuassem a exploração sem ele, dentro de alguns dias retornaria.
Pegou sua montaria e retornou para o deserto e em pouco tempo sumiu de vista.
5. UMA NOVA CONSULTA
30 de novembro de 2009
Mais tarde ao chegar num apartamento conhecido de longa data, seu paciente já o aguardava deitado num dos divãs paralelos.
Notou que ele estava calmo, muito diferente da primeira vez que se encontraram e na mente de Jonas só pode ver a seguinte indagação: -- Como é que ele faz isso?
Acreditou o gigante que ele se referia ao agora totalmente mobiliado consultório em que se encontrava e, para não perder o costume, entrou com todas as respostas na ponta da língua.
-- Espero não ter demorado muito, meu caro Jonas!
Ao ver o rosto surpreso dele o doutor continuou.
-- Sim, como eu faço isso? Não faço absolutamente nada! É que para onde eu vou o que é meu vai comigo!
Antes das 10 horas voltei para o prédio que visitara um dia antes e o porteiro que me recepcionou era outro e sim, agora existia um consultório do Dr. Barros no último andar, sala 515, com uma consulta agendada me aguardando.
Subi ofegante e sem cerimônias fui entrando na recepção do consultório, incrivelmente decorado novamente. Passei pela ante-sala e um saudosismo me veio à mente. Eram as mesmas estantes antigas abarrotadas de livros e lá estavam posicionados os belos divãs um ao lado do outro.
Deitei-me num deles e aguardei o meu amigo doutor. Foi parar um segundo para pensar em como ele poderia ter feito tal mágica que praticamente ele se materializou ali, respondendo-me ao mesmo tempo em que me deixando com a boca seca, para variar.
Depois da surpresa inicial, já com Dr. Barros posicionado em seu local habitual, deitado no divã que sobrou, iniciamos a consulta, seguindo seus métodos que eu já conhecia bem.
-- Então o que conta de novo Jonas?
-- Pensei que já soubesse das novidades.
-- Ainda não, mas se me der alguns minutos...
-- Não obrigado, prefiro da maneira tradicional.
-- Como queira então!
-- Estou junto com Patrícia há 5 anos.
-- Ah, conseguiu finalmente.
-- Sim, estamos passando por uma fase muito boa, tanto no amor quanto nos negócios.
-- Então o que o trás aqui?
A maneira como o doutor era direto ainda me incomodava um pouco.
-- É que tenho outros diversos assuntos para resolver, meu caro Jonas.
Lá vinha ele de novo com a telepatia.
-- O que acontece doutor é que nos últimos 11 dias aproximadamente estou tendo o mesmo sonho e acho que é um tipo de premonição.
-- Me conte os detalhes.
-- Vejo Patrícia do alto, ela seguindo caminhando no centro em meio às pessoas. Não consigo fazer com que ela me escute, pois sei que na próxima esquina um perigo a aguarda. Grito com todas as minhas forças, mas não há meio de fazê-la parar. Até que no último instante viro o rosto e ouço seu grito que se junta ao meu. Nessa hora eu acordo.
-- Os sonhos são sempre iguais?
-- Idênticos!
O gigante ficou alguns segundos meditando antes de continuar.
-- Agora me conte o restante dos detalhes, aqueles que não combinam de alguma forma com o que está vendo. Preciso que se aprofunde mais nesse sonho, quero encontrar uma pista...
-- Bom tenho suposições...
-- Todo pequeno detalhe é importante, prossiga.
-- No sonho eu tenho certeza de que algo de ruim vai acontecer e pelo desfecho creio que estou certo.
Parei e pensei um pouco.
-- Estamos no futuro, provavelmente bem próximos do final do ano, pois ela está com roupas novas e existem duas lojas funcionando que não foram inauguradas ainda.
-- Esta está a passeio?
-- Não! Fazendo uma caminhada.
-- E das lojas novas, como tem certeza? Não é uma coisa muito freqüente para o sexo masculino agir dessa forma, quero dizer, prestando atenção em lojas.
-- É que quando caminhamos por ali ela fica me dizendo que uma loja tem isso, a outra tem aquilo, me fez um “exper” em vitrines. O senhor sabe, ela é consultora de moda...
-- Não, não sabia! Mas agora sei de algo que você deve ter não percebido. Uma pergunta: você costuma fazer esta caminhada com ela?
-- Sempre!
-- Então onde é que você estava?
-- Eu...
-- Onde é que você estava – cortou o doutor – que não ao lado dela? Pense! Essa informação é muito importante!
-- Eu, eu, eu não sei!
Não havia parado para pensar nisso. Onde é que eu estava afinal? Boa pergunta! Gostava demais de sair com ela e não perdia uma oportunidade tão facilmente. Só se eu...
-- Eu estava a vendo, rumo ao seu fim, é aí que eu estava!
-- Mas por que Jonas? Por quê?
-- Talvez – comecei a falar, mas uma bola de ar passou pela minha garganta me sufocando. Não queria dizer o que eu achava, mas também não queria que o bruxo dissesse por mim. Creio que ele percebeu meu pensamento, pois ficou calado. Reuni forças e completei a frase.
-- Talvez eu não pudesse mais ajuda-la, por não viver mais com ela, por não estar mais ali...
-- Ou por talvez ter morrido, você também quer dizer!
-- Talvez por isso também! – Disse e me calei enquanto uma nuvem triste me cobria.
O gigante pareceu absorver todas as informações e quando chegou numa conclusão deu seu diagnóstico.
-- Parece-me mesmo que você está vendo o futuro. Parece-me também que este sonho é uma mensagem, pedindo para que você faça algo para mudar este futuro. O que você precisa fazer é descobrir onde está na hora em que deveria estar ao lado dela e com base nessa informação tomar uma atitude.
Fiquei atônito.
-- Mas saiba de uma coisa, quando passou por aquela experiência no passado, aquela que não tem certeza até hoje se aconteceu ou não, nesta ocasião viu como certas coisas são imutáveis, por mais que tentemos faze-las diferentes. E é por isso que muitas vezes não devemos interferir, pois o resultado poderá ser o mesmo, ou não, sempre é uma incógnita.
-- E quanto ao futuro funciona da mesma forma. Uma mudança pode desencadear toda uma série de acontecimentos inesperados. Enfim, se conseguir entrar nesse sonho, pense duas vezes antes de alterar qualquer fato. Acho que encerramos nossa consulta por aqui. Até mais!
E sem me dar uma chance para dizer qualquer coisa, mais rápido do que surgiu, desapareceu pela porta.
Fiquei um tempo ainda ali pensando no que havia dito e escutado, depois fui embora, mais confuso do que havia chegado.
Naquela noite, como na anterior, demorei muito para dormir. Fiquei imaginando um milhão de possibilidades para não estar junto com Pati naquele sonho-visão, mas todas as alternativas levavam para um beco sem saída e um medo natural começou a se apoderar de mim. Não que eu tivesse algum receio de morrer, isso não! Mas o fato de saber que essa probabilidade de alguma forma conspirara para que ela sofresse algum acidente terrível, isso sim me machucava de um jeito que nem sei bem descrever.
Ela não merecia, nem eu mesmo merecia, mas quem é que decide como todas as coisas vão ser? Lembro que uma vez perguntei isso ao doutor e ele me disse que todas as obras pertencem ao Criador. Mas infelizmente os porquês não vinham etiquetados juntos com os acontecimentos.
Finalmente, após muito tentar tirar essas idéias da cabeça, adormeci. Creio que a última coisa que pensei foi em como tinha sido inútil o meu encontro com o gigante. Ao menos era o que eu pensava.
6. EM ALGUM LUGAR DO FUTURO
31 de dezembro de 2009
Apesar de novembro ser um mês quente, costumava dormir de camiseta e sunga, com um leve lençol sobre nós. Pati sentia até mais calor do que eu e geralmente quando acordávamos estava descoberta, com o corpo belo coberto por seu pijama composto por um minúsculo short e uma camiseta cavada. Era por isso que eu muitas vezes a “atacava” de manhã!
Mas neste dia em questão eu estremecia de frio ao despertar lentamente. Creio que um pouco devido a leve chuva que caia sobre minha pele...
Sobre minha pele?
Abri os olhos assustados e um céu vermelho do amanhecer cegou-me. Levei alguns segundos para me acostumar com a claridade e depois me descobri sentado num banco de uma praça, que a princípio desconheci.
Tentei me levantar, mas acabei caindo sobre o joelho direito, zonzo. Algumas pessoas se aproximaram de mim me perguntando se eu precisava de ajuda. Minha voz não funcionou como eu queria, saiu somente um chiado rouco que entenderam como uma resposta positiva.
Uma ambulância foi chamada e em pouco tempo estava tomando um frasco de soro, numa maca de um hospital público da região. Reparei que o meu estado era lamentável! Estava com uma roupa suja e rasgada que com certeza nem era minha, com os braços e pernas machucados e não portava nenhum documento.
Um policial apareceu no quarto para onde fui levado, me perguntando sobre minha identidade. Na hora em que fui responder um pensamento surgiu em minha mente trazendo lembranças da conversa que eu tivera com o doutor na véspera, então respondi simplesmente que só me lembrava de acordar num banco da praça e mais nada. Fiz um teatrinho para demonstrar que estava assustado com toda essa situação, o que em parte era bem verdade. Sorte que ele não era da mesma classe do gigante, se não certamente eu perderia muito tempo, coisa que descobri não ter.
O policial se foi dizendo que voltava mais tarde, mas eu sabia que ele não iria me encontrar mais ali.
Precisava agir rápido!
Em minha mente tudo ficou claro com o sol em segundos: acontecerá de novo!
Eu viajara no tempo, provavelmente para o futuro, o que confirmei depois de pegar emprestado de meu vizinho de leito um jornal da cidade. Este outro não parecia muito bem, pois estava entubado e desacordado.
Estava numa cidade vizinha da minha, não muito distante, e como eu chegara até ali era um mistério que eu iria deixar de lado por enquanto. Mas é claro que se eu aparecesse da forma maltrapilha em que me encontrava na praça do centro de minha cidade, seria reconhecido na hora por alguém, então este fato mais ajudava do que atrapalhava.
Sabia exatamente o que tinha de fazer.
Assim que a enfermeira trouxe um pão com manteiga e café, devorei tudo apressadamente e fugi do hospital usando as roupas do paciente desacordado do leito vizinho e o meu tênis sujo, pois não encontrará nenhum sapato, somente um par de chinelos de dedo.
Fora do hospital rumei para a rodovia que ligava as duas cidades e acabei arrumando carona com um senhor que residia na área rural e que viera fazer suas compras de final de ano. Deixou-me na divisa e de lá segui com um circular, utilizando um dinheiro que emprestei do bondoso senhor.
Aproveitei, ao chegar a minha cidade, para comprar um boné num bazar para ficar um pouco mais irreconhecível. É lógico que a espessa barba que cobria o meu rosto já ajudaria a me disfarçar bem, mas não queria arriscar.
Parei numa Lan House por volta das duas horas da tarde e iniciei uma navegação rápida tentando descobrir alguns detalhes que eu precisava saber antes de seguir em frente, detalhes que poderiam mudar o rumo de minhas ações.
Se não estava enganado costumávamos caminhar por volta das 4 horas, então tinha pouco tempo para descobrir alguma coisa e ainda, quem sabe, salvar Pati.
7. NO MUNDO DOS SONHOS
31 de dezembro de 2009
O centro da cidade que eu agora observava não estava tão movimentado como normalmente está. Depois da loucura que são as compras de Natal as pessoas parecem querer dar uma diminuída no ritmo e guardar energias para a virada de ano.
Procurei um bom local para ficar fora da visão geral, mas todo o centro era um grande largo aberto demais. Resolvi então subir para a cobertura de um velho armazém de dois andares que já estava fechado e consegui uma visão privilegiada de toda a área.
Os minutos se arrastaram. Cruzei os dedos para não ter chegado tarde demais, mas alguma coisa me dizia que eu estava dentro do cronograma previamente organizado pelo Senhor Destino.
Não levou muito mais tempo para que eu avistasse de longe minha amada Pati. Vinha rápida e solitária. Mesmo a distância eu podia notar o seu semblante triste. Totalmente compreensivo, pensei.
Queria descer voando pela escada de incêndio, a tomar nos braços e tirar toda a tristeza que a invadia. Queria, mas não iria fazer isso, eu sabia. O gigante havia me convencido de que eu poderia causar um grande transtorno alterando a natureza das coisas, então havia decidido não surgir do nada como um fantasma e deixar tudo por conta do tempo, por mais que essa decisão me despedaçasse por dentro.
Não havia descoberto exatamente porque eu não estava ali caminhando ao seu lado, mas resolvi arriscar.
Mas então por que eu vim parar aqui neste lugar se já conheço esse roteiro de cor, da abertura do pano branco até o fim? Outra boa pergunta não! Só que esta tinha uma resposta bem simples: precisava ter certeza, uma que fosse absoluta!
Mesmo sabendo que não iria me envolver no fundo do meu coração eu torcia para que ela olhasse para cima e me reconhecesse, parando ali mesmo onde se encontrava agora. Mas ela seguia desviando das pessoas em ziguezague, como naquele meu sonho teimoso. E só olhava para frente, presa em seus pensamentos, pensando em mim, eu posso apostar minha vida nisso!
Comecei a chamá-la em voz baixa, pedindo para que tomasse cuidado. Já estava longe o suficiente então comecei a falar mais alto, daqui a pouco eu estaria gritando, tinha certeza disso, mas meus gritos desapareceriam entre o barulho do trânsito e das pessoas à sua volta. Mas precisava agir assim, precisava dar vazão à dor que se acumulava depressa em meu interior.
Ela se aproximou rápido da esquina e eu continuava a gritar alucinadamente para que ela parasse. Quando Pati alcançou a esquina, distraída como estava, virei meu rosto agora molhado pelas lágrimas que desciam sem parar, cegando meus olhos. Soltei um grito que se misturou ao dela.
Fiquei abaixado sobre os joelhos enquanto uma confusão se formava lá embaixo. Respirei fundo e fui embora, sem olhar para trás.
8. UM VAZIO
31 de dezembro de 2009
Creio que andei cegamente por muitas horas, nem reparando nas pessoas que passavam por mim. Sem rumo, um homem perdido ou sem destino? Não sabia! Só tinha convicção de que um grande vazio tomara conta de mim, deve ser essa a sensação que se tem quando se perde alguém que se ama muito e se eu estava certo não era nada fácil de agüentar.
Mesmo quando minha mãe falecera há muitos anos eu não me recordo de ter me sentido assim, mas é lógico que a situação era totalmente contrária. Foi de repente, sem um anúncio num “outdoor” luminoso como acontecera desta vez.
Não estranhei quando parei em frente a um edifício conhecido. Passei despercebido pela portaria, subi calmamente até o último andar e também não fiquei espantado ao entrar no consultório e encontrar o meu amigo doutor em sua posição clássica me aguardando, com toda a certeza do mundo.
Fez somente um gesto com uma das mãos para que eu ficasse a vontade, o que fiz sem pensar duas vezes, pois estava exausto devido às emoções e a fome, não comia nada desde o café no hospital pela manhã.
Ficamos assim quietos por vários minutos, eu dentro de um vazio incalculável e o gigante, por sua vez, parecendo mais relaxado do que nunca. Como é normal acabei ficando incomodado com esta situação.
-- Sabia que eu viria?
-- Tinha uma idéia!
-- Nem sei como vim parar aqui! Acho que meu corpo sentiu que eu não tinha muitas opções e me guiou. E com certeza um banco de praça não é o meu local favorito para descansar...
-- Conseguiu encontrá-la?
-- Sim!
-- E o que fez?
-- Nada! Absolutamente nada! Mas agora me sinto muito arrependido, com o coração apertado demais. Será que eu agi da forma correta?
-- Somente o tempo poderá dizer!
Como permaneci em silêncio, ele continuou o diálogo.
-- Descobriu o que houve de errado?
-- Não totalmente, mas tenho uma idéia...
-- E deixe me adivinhar, não vai me contar, não é mesmo?
-- É! O senhor sabe de tudo que se passa em minha mente...
-- Então creio que isso é um adeus, não precisa mais de mim...
-- Está enganado! Posso passar a noite aqui?
O gigante se levantou e me olhou lá de cima do seus mais de 2 metros e nem se deu ao trabalho de me responder. Somente sorriu, se virou e se foi.
Um desejo enorme de dormir caiu sobre mim e o sono chegou rápido. Dormi profundamente e pela segunda noite seguida não tive o sonho teimoso, aquele que eu vira se transformar em realidade.
9. SEM UM ADEUS
01 de dezembro de 2009
Pensei que acordaria num chão duro!
Eu lembrava claramente do comentário do doutor sobre tudo que era dele o acompanhar em suas estranhas jornadas, mas até que o local que eu me encontrava estava bem macio com um ambiente quente a minha volta, diferente do meu último despertar num banco duro e sob as gotas de uma chuva miúda. Um tanto escuro, já que não havia apagado a luz da recepção de seu consultório, mas muito confortável.
Estiquei os braços devagar para não perder o equilíbrio e cair do divã, e acabei encostando suavemente a palma da minha mão em algo macio e quente, que só podia ser o corpo de outra pessoa. Procurei com a outra mão e encontrei a cordinha do meu abajur. A ignorei, virando-me e abraçando o corpo dela.
Fiquei assim parado até que minhas lágrimas cessassem e o meu rosto secasse. Perdi a noção do tempo e se eu pudesse o congelaria para sempre nesse momento.
Levantei com todo o cuidado do mundo e ao olhar pela janela percebi que já amanhecia. Apressei-me em tomar banho e sair, pois tinha um assunto urgente para resolver.
Somente mais de uma hora depois passei pelo centro da cidade e parei num caixa eletrônico, saquei uma pequena quantia de dinheiro e voltei tranqüilo para meu carro.
Ao abrir a porta do lado do motorista senti uma cutucada nas costas e uma voz grossa no ouvido.
-- Que tal voltarmos ao banco. E por favor, haja “tranquilão” se não vou estragar essa sua camisa bonita, amizade.
Fiz o que ele mandava. Olhei na calçada e vi o companheiro dele nos aguardando. Era mais alto e bronzeado do que eu.
-- Deixa as chaves comigo compadre – mandou ele. Entreguei-lhe e entrei no banco com o outro. O movimento estava calmo e depois de sacar todo o dinheiro que o limite diário permitia, retornamos ao meu carro que já estava ligado com o outro comparsa no volante. Sentei no banco do passageiro dianteiro, agora sob a mira visível de um revólver prateado.
-- Não conseguimos muita coisa – disse o que estava armado.
-- Mas podemos arranjar mais – falou o outro – olha a pinta do compadre aí, deve ter mais grana escondida no colchão que minha avó.
Ambos riram.
-- Estica os braços para trás “mané”! – Cochichou o de trás.
Pensei em dizer que não tinha muito dinheiro, pensei em tentar reagir, pensei num milhão de coisas numa fração de segundos, mas eu imaginava o que estava por vir, então somente obedeci.
Depois de dizer tudo que eles queriam saber, levei de surpresa uma coronhada na cabeça e desmaiei. Não de uma vez, fui perdendo a consciência aos poucos. Deu tempo de lembrar novamente de como eu amava aquela mulher e de lhe pedir silenciosamente perdão.
10. A CAMINHADA
31 de dezembro de 2009
Ela vinha triste, desolada, mas fazia tudo para aparentar estar bem, apesar de não conseguir colocar um sorriso no rosto.
Seus amigos a convenceram de que deveria fazer alguma coisa para tirar as tristezas da cabeça e ela finalmente cedera. Resolvera então caminhar, um percurso conhecido que sempre lhe fizera muito bem.
Mas não hoje, pois estava só. Seu parceiro de caminhadas e também dono do seu coração não estava ali para fazê-la sorrir, com seus comentários engraçados sobre as lojas que ela conhecia tão bem. Se ele estivesse ali teria com toda a certeza notado as duas novas lojas que foram inauguradas dias atrás e viria com uma dezena de perguntas. Se ele estivesse ali ela certamente estaria feliz e não com a sensação de que sua vida já nem fizesse sentido. E que sentido existia em chorar todas as noites sozinha no quarto há várias semanas. Como encontrar um sentido quando este não existia, ela insistia em dizer para si mesma.
Desviava roboticamente das pessoas sem as enxergar, nem mesmo aquelas que lhe sorriam e desejavam um feliz ano novo.
Tinha pressa, queria terminar logo esta caminhada e voltar para casa, para a tristeza que se transformara o seu lar.
Hoje de fato estaria talvez menos triste à noite, sua mãe, seus filhos e seu ex-marido estariam lá. Este último se mostrara mesmo um grande amigo no decorrer do mês que passou e não notara uma sequer segunda intenção em seu apoio, apesar de que talvez não estivesse em condições de notar nada, mergulhada que estava neste mar revolto que a queria tragar.
Todo o seu grande equilíbrio se foi quando tudo aconteceu e com o passar dos dias só continuou a se sentir cada vez pior.
Aumentou a velocidade um pouco e os joelhos começaram a latejar numa reclamação comum devido o esforço, mas não se importou. Continuou desviando das pessoas com suas caras felizes da mesma forma distraída. Só tinha em mente acabar logo com isso, a pior coisa que tinha feito naquele dia, acabou pensando e concordando ao mesmo tempo.
Devia ter ficado em casa sem fazer nada ou tentado dormir, qualquer coisa, pois o efeito daquele exercício foi totalmente inverso e a cada passo sentia ainda mais falta dele.
Avistou a esquina se aproximando rapidamente e há poucos metros dela foi abordada por um homem barbudo e de boné.
-- Espere senhora – disse ele – Por favor, espere um pouco!
Ela parou enquanto o estranho parecia recuperar o fôlego. Era um pouco obeso e parecia ter sofrido para alcançá-la.
-- Desculpe! A senhora anda rápido demais, não estou acostumado! Isso é para a senhora.
Ela nem havia percebido que ele trazia um lindo buquê de rosas vermelhas em uma das mãos, as suas flores preferidas.
-- Mas de quem são?
-- Não sei! – Disse o entregador já recuperado – Somente sei que era para ser entregue hoje e neste lugar. Feliz ano novo!
Ele se foi antes que ela pudesse fazer mais algum questionamento. Olhou o buquê muito bem feito agora em suas mãos e procurou por um cartão, mas o que encontrou em meio às flores foi um envelope de tamanho comum, sem remetente, e ao abri-la viu que fora escrita à mão.
Seu coração deu um salto ornamental. Era a letra de Jonas!
Ignorando alguns olhares curiosos, sentou-se na mureta da vitrine de uma loja que estava fechando e devorou todas as palavras da carta.
11. ENFIM UM ADEUS
31 de dezembro de 2009
“Querida Pati, peço que me perdoe por fazê-la esperar tanto por notícias minhas, mas não havia outra forma e irá compreender melhor conforme for lendo essas linhas.
Lembra daquele sonho que eu estava tendo há tantas noites? Você estava certa, ele era terrível e por isso mesmo não quis lhe contar antes, mas agora não tem mais problema.
Nestes sonhos eu te via caminhando onde está agora, triste, e quando chegava à esquina após as lojas, alguma coisa de ruim acontecia contigo, mas o sonho sempre acabava sem que eu tivesse coragem de saber o final. Imagine então minha angústia, dia após dia, sonhando com algo de mau lhe acontecendo.
Entendi todos estes sonhos como um tipo de premonição, de algo que ainda iria acontecer.
Consegui um jeito de descobrir o que significava isso tudo, não me pergunte como e nem me tenha como um louco, não daria tempo de explicar através de poucas palavras, nem tão pouco conseguiria lhe convencer de que meu juízo está perfeito, mas o fato é que consegui e é por isso que está lendo estas linhas agora.
De uma maneira difícil de explicar eu desvendei então que o sonho se passava na véspera do Ano Novo e que eu não estava contigo porque havia desaparecido no primeiro dia deste mês de dezembro, e até esta véspera ninguém tinha nenhuma notícia sobre o que acontecera comigo. Sinto lhe dizer que eu também não sei de mais nada sobre o que o destino me reservou.
Mas resolvi agir desta maneira desesperada, enviando uma carta para alguém que eu achava estar caminhando neste lugar hoje, alguém que eu amo. Fiz isso com a intenção de que meu sonho triste não tivesse a conclusão trágica que demonstrava reservar para o seu final.
Espero que um dia descubra tudo que de fato aconteceu, nosso amor não merecia terminar de uma forma tão injusta. Você principalmente não merecia.
Saiba que eu ti amo mais que tudo que possa imaginar e se houver uma chance de que tudo isso possa ser apagado como um giz branco de uma lousa será isso que eu farei!
Se não nos vermos mais, continue sendo a mulher forte que eu conheço e tenha certeza de uma coisa: um dia em algum lugar nos encontraremos de novo e se for assim esta carta não servirá então para registrar um adeus e sim um “até logo”.
Volte agora pelo caminho que veio meu amor, não corra riscos desnecessários.
Não canso de dizer que ti amo.
Do sempre seu,
Jonas
01 de dezembro de 2009.“
Ela chorou muito abraçada à carta e às flores. Depois se levantou e olhou para trás, mas virou o rosto na hora.
Se houvesse algo de ruim para acontecer, então que acontecesse de uma vez! – pensou.
Antes de prosseguir baixou os olhos novamente para a folha da carta e percebeu que mais uma frase havia sido rabiscada bem no final da folha.
Ao ler letra por letra, sentou-se novamente.
12. “VIRE A PÁGINA MEU AMOR”
31 de dezembro de 2009
“Querida Pati, peço seu perdão novamente por fazê-la sofrer mais um pouco, mas era necessário.
Tudo que leu até agora na página anterior eram as palavras de um louco apaixonado que se agarrou a todas as esperanças do mundo para lhe salvar de algo que ele nem sabia se poderia mesmo acontecer.
Tive vontade de rasgar a carta e lhe escrever esta outra bem mais simples, mas achei que as palavras que escrevi quando estava alucinado eram tão profundas que você as merecia ler.
Mandei que o rapaz que lhe entregou esta encomenda buscasse para mim esta primeira carta, para que eu pudesse adicionar estas palavras, que certamente irão lhe fazer bem.
Fui seqüestrado no dia em que desapareci e deixado por semanas num porão imundo. Cheguei à conclusão que havia sido esquecido ali, ou deixado para morrer mesmo.
Não havia como fugir e achei que certamente iria morrer de fome e sede, até que um dia alguém apareceu, me vendou e me abandonou numa praça de uma cidade vizinha à nossa.
Isso foi hoje de manhã.
Fui então levado para o hospital do carimbo abaixo e estou me recuperando. Pensei em fugir para lhe encher de abraços e beijos, tenho certeza absoluta que conseguiria, mas resolvi ficar aqui enquanto as autoridades confirmavam a minha história.
Consegui através de uma enfermeira maravilhosa fazer contato com o entregador, pois queria ser o primeiro a lhe dizer que sim, estou vivo e lhe esperando, morrendo de saudades de tudo em você!
Venha voando meu amor, já sofremos demais. Esqueça tudo que leu antes, menos que aquele louco e eu lhe amamos demais.
Encomendei um champanhe no gelo, venha me desejar Feliz Ano Novo logo, quero esquecer deste ano, pelo menos do último mês!
Com muito amor e saudade,
Jonas
31 de dezembro de 2009.”
Ela pensou novamente em prosseguir até a esquina, sem perceber que voltara a chorar, mas optou por retornar já que chegaria mais rápido até seu carro, de onde faria como ele havia pedido. Iria voando ver seu amor para esquecerem juntos todo o sofrimento que os perseguira.
Ao retornar percebeu que a poucos metros um homem alto a observava, encostado num poste de luz.
Ao passar ao lado dele, não resistiu e lhe perguntou sorrindo.
-- Não tem também alguma mensagem para mim?
O homem pareceu surpreso.
-- Ah, tenho sim! Feliz Ano Novo!
E enquanto ela retornava rapidamente para os braços de seu amor o homem vestido inteiramente de preto sorriu e se foi.
FIM
Este é um conto fictício, fruto somente da imaginação e sonhos do autor. Qualquer semelhança com a vida real pode ser considerada mera coincidência ou quem sabe... ... destino!