A perseguição da realidade
Passei por debaixo do viaduto em uma velocidade fora do habitual. O motor do meu carro estava quente. O volante vibrava em minhas mãos. O rádio tocava alguma canção latina. Logo atrás vinha a polícia. Pelo retrovisor percebia que se tratava de uma mulher na viatura. Ela usava óculos escuros, e sua expressão facial imprimia nervosismo e excitação. Durante os poucos segundos que a vi pelo espelho notei uma rápida e delicada passada de mão no cabelo. Ora, que tipo de mulher alisaria fios capilares em plena perseguição policial? Era loucura, eu só queria persistir na fuga. Pois mirei, novamente, o retrovisor por um breve segundo e... Não podia ser... a jovem policial, ao passo que dirigia, passava batom nos lábios! Isso é uma piada! Que mulher era aquela? No instante em que eu me questionava pelos atos irreverentes e incompatíveis da agente pela adrenalina da situação, vejo meu veículo capotar. Meu crânio se choca incontavelmente com a janela do carro e sou fantasticamente arremessado para fora do veículo.
Após o acidente, me mantive imóvel, mas consciente. Então o som da sirene começava aguçar o temor da minha morte. O som se aproximava de mim, um barulho ensurdecedor. Eu não mais sabia onde estava. Com o corpo ensangüentado rente ao solo, vi os sapatos da policial descendo da viatura. A sirene não emitia qualquer ruído e absolutamente tudo ao meu redor encontrava-se quieto. O contato daquele sapato preto de solado puído com o chão representava uma contagem regressiva do meu fim. O bico do sapato já alcançava o meu nariz. Tento olhar em direção da luz e... Deparo-me com o rosto da minha mãe. Da minha mãe...?
Eram sete e quinze.
Minha mãe me desperta e meu corpo transmite sinais de realidade. Tudo havia sido um sonho... E não mais que um sonho... Com típicas cenas irracionais. Apronto-me com devida pressa, saio de casa e, ao dar a primeira passada numa calçada que não me era estranha, em frente à casa de vizinhos que também não me eram alheios... Esbarro com alguém que vestia um uniforme igual ao da policial da minha fantasia noturna. A ondulação do cabelo era idêntica. Os traços do rosto referenciavam a mesma beleza. A cor do batom era inconfundível... Era ela. Era ela. Era ela... que indaga:
- Será que tu vais te lembrar de mim hoje?
Eu lembro.
Eu a beijo.
Eu estava curado... e triste.
Agora, eu era somente o Agusto. Praticamente morto.