Viagem do centro da Terra
Anda em círculos procurando saídas e um vento brisa breve apontando a direção conhecida, ao norte, de onde caíra. Volta à partitura inacabada e estão lá três novas notas que acabara de inspirar. Senta-se ao piano insatisfeito, angústia vibrando às mãos silentes e pedaços de caminhos intermitentes ecoam sobre a parede branca conforme seus punhos nada fazem. Rege algumas três tentativas e o que tem são desvãos esconsos onde moram suas buscas. Quer os entremeios, lampejos para casa que vêm e vão como pontes levadiças, brotam em claves mas piscam nas pausas e pensa que pode voltar se tocar sem parar.
Dorme e sonha um enigma onde lá é um sol e à ré, mi é um fá sustenido e acorda e se atropela ao piano sem notações. Advém-lhe dós e sis frescos à bemóis semibreves, aplica rés à quatro oitavas, susteniza um compasso frenético para viajar na loucura e do interlúdio à fuga nada acontece. Passa o dia num quase, revoado na brisa de novo, atento à trilha que ele mesmo compusera, aberta para dentro da Terra a golpes de imaginação.
Se na brisa voltasse, assobiando o moderato como era em temperança, poria para fora o próprio composto, um andante entremundos, descendendo dor e verdade, paz e prudência pelas bandas que versava em condões e colcheias. Na brisa assopra um destino, uma inspiração de rés temperadas que aterrissam brandas tão logo subiram seus tons. Sem ímpeto, sem força, a doçura baixara seus punhos de guerra e num arremesso de basta solta seus ventos, bradando à caverna o canto animal que injeta nos olhos; enfuriado peito para dentro, peito para fora salta suas veias num turbilhão de poemas em notas, vendaval de cifras e arranjos que levantam as folhas, estremecem as almas e acordam a platéia. E cintilam o caminho do centro da Terra.