A MENINA CINZA

Era uma vez uma garota cinza... Ela era uma garota cinza, e vivia em um quarto cinza, morava em uma casa cinza, e tudo ao seu redor era cinza.

O seu espelho era só um espelho, e tudo era exatamente como parecia ser. Ela não pensava em sentir, ela quase nem pensava, afinal era uma garota cinza.

Certo dia, ela não tinha o que fazer então foi fazer algo... Dentro de seu quarto cinza, parada bem no centro ela deu uma olhada ao seu redor, e percebeu que tinha uma blusa cinza sua em cima do seu guarda roupa cinza. Sem pensar em nada ela arrastou sua cadeira cinza, colocou em cima de sua cama cinza, e subiu para alcançar a sua blusa, mas ainda sim não alcançava porque além de ser cinza eu acho que ela era pequena, mais isso não importa porque o seu tamanho não tinha cor, e eu não sou cinza então não fazemos parte dessa história.

Acontece que a menina cinza não alcançava sua blusa cinza, então ela olhou novamente ao redor e por um segundo não reconheceu o seu quarto. Ele continuava cinza e as coisas continuavam da mesma forma que sempre estiveram desde que ela se lembrava. Porém agora ela via tudo lá de cima... Foi quando ela pensou em sentir. Mas antes de concluir o pensamento, a cadeira cinza se desequilibrou e a menina cinza deu de cara com o chão, cinza e frio.

Ela não sentia o chão frio, nem pensou em senti-lo, Apenas viu o chão cinza, e foi como olhar-se no espelho ( por isso o chão frio). E ali, no chão, ela teve outra visão do mesmo quarto cinza. Ela nunca havia estado à cima de tudo, nem tão pouco embaixo. Ela pensou novamente em pensar em sentir algo, mas ela não sabia sentir... o que sentir?

Virou a cabeça ainda no chão e avistou algo debaixo de sua cama, levantou-se e puxou. A verdade é que ele nunca estivera lá, e ela nunca tinha visto algo como aquilo. Ainda sim ela se perguntou: _ O que este som preto faz aqui?

Sim, o som era de um preto amarronzado, se é que isso existe. Mas foi o que pensou a menina cinza.

Espantada ela esfregou seus olhos, e com grande alívio a menina cinza pode perceber que o som preto amarronzado, era mesmo cinza!

Logo, ela pensou que o tombo não a teria feito bem, e levou a mão à cabeça que havia sido chocada ao chão. Foi aí que a menina cinza, sentiu pela primeira vez. Não houve tempo para pensar, aquilo que ela não sabia como chamar veio forte e ligeiro. Aquilo se chamava dor! Uma dor pontuda, que vinha lá de dentro.

A próxima cena da vida cinza da menina cinza ocorreu tão rápida, que terá que ser feita em câmera lenta, para que eu, que não sou cinza possa relatar.

Quando sentiu dor pela primeira vez, a menina cinza teve a impressão que tinha morrido afinal ela não sabia nem que era viva. Mas a menina cinza sorriu, pois a dor era algo novo e terrível, que ela não queria sentir nunca mais, mas se ela pudesse pararia o tempo, e ficaria assim, com a dor pelo resto de sua vida.

Como era horrível sentir! Pesou a menina cinza, sem saber que estava sentindo.

Ao tirar a mão da cabeça, ela pingava sangue... E sangue todos nós, não cinzas, sabemos que é vermelho. Mas a menina não sabia... E nunca tinha visto algo tão lindo em sua vida, mesmo que lhe causasse náuseas.

Ela sabia que aquilo tão desconhecido era sangue, e vermelho, de alguma forma que nem ela sabia que sabia.

Naquele momento a menina cinza quis provar o seu sangue, mas antes que pudesse, os seus dedos se molharam. Pois bem, a água a menina conhecia muito bem, sem nunca perceber que ela não é de toda, cinza. Mas o que ela nunca tinha visto era água que

saíssem dos olhos... Tentando pensar em algo para sentir a menina cinza pode ouvir aquele som cinza de cor preta amarronzada tocar uma musica alta, muito alta.

Então a menina cinza desistiu de pensar, e apenas sentiu... Com tudo o que era e podia ser, a menina cinza sentiu!

Naquele dia a menina cinza deixou de ser cinza e foi de todas as cores que existem e que nunca foram imaginadas, e a menina de todas as cores se entregou por completo à dor, e a menina chorou, e sangrou, e morreu! Sim a menina cinza que havia deixado de ser cinza, morreu; e nasceu diversas vezes...

Ela não contou o tempo, mas a música durou muito pouco, durou a eternidade. E foi uma eternidade bem pequena. Mas acabou! Como tudo na nossa vida de cores acaba, na vida cinza da menina cinza não seria diferente, pois o tempo não tem cores e existe em qualquer situação.

Agora a menina cinza sabia que podia ser de todas as cores, e sabia que podia sentir.

Mas a menina cinza desligou o som!

Eu não acredito, mas como não sou cinza, tenho que dizer que a menina cinza desligou o som.

E parou de sentir, e limpou o sangue, e enxugou as lágrimas. E decidiu que nunca mais ligaria o som, decidiu que nunca mais choraria, nunca mais deixaria que águas caíssem dos seus olhos, e que nunca mais sangraria, e decidiu que nunca mais sentiria, porque ela nunca mais queria ter dor. Então ela voltou a ser cinza, e se esqueceu daquele momento, mesmo que a música ainda tocasse bem baixinho lá dentro da menina cinza, agora ela pensava em algo para pensar em pensar para fazer algo, já que não tinha o que fazer.

No fundo eu acho que a menina descobriu mesmo é que apesar das cores serem lindas, ela gostava mesmo era do cinza! Ela decidiu ser cinza...

Mas eu não tenho que achar nada, porque eu, não sou uma menina cinza!

Daiane Alves
Enviado por Daiane Alves em 02/12/2009
Reeditado em 02/12/2009
Código do texto: T1955500
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