O pavão

Saindo do buraco infestado de vermes, me juntando a tantas criaturas decrépitas, gritei que queria a liberdade, ainda que fosse apenas por alguns instantes. O meu pedido foi concebido, saio do meio de uma plantação de batatas. As pontas arranhavam o bico e o verde já não era tão abundante, a mudança já se conseguia notar.

Perdi duas penas para me livrar, sempre lembrando que é apenas temporário. Passo a língua e escondo o espaço deixado pelas duas penas perdidas. Minha pelagem cheia de lama. Preciso me banhar.

- Como vai, senhor pavão?

- Imundo, Dona Baratinha.

Seguiram juntos pelo bosque, um buraco se abre engolindo os dois coitados.

Estou caindo rapidamente, pego a doce menina pelas antenas, a protejo com o meu rabo, não quero que ela fique ferida, estamos presos a alguma coisa nojenta, não faço idéia do que seja. Descubro, é uma linha, uma armadilha da senhora aranha.

- Ahahá, peguei vocês.

Fomos engolidos por ela, quando estávamos a ponto de sermos derretidos pelo mar de ácido, escapamos pela luz no fim do túnel. Quando íamos saindo, escutei um “ahmmm” bem malicioso, quase um gemido.

Escalamos as paredes, Baratinha estava se sentindo muito cansada, a deixei descansar um pouquinho mais.

- Foste uma heroína, se saiu muito bem.

- Não teria feito nada sem você por perto. – Aproveitou e me deu um beijo na boca, me senti no paraíso, estou muito apaixonado por ela, na minha vida agora não existe nada mais importante do que ela, tenho certeza.

Meu tempo de continuar aqui livre já deve ter esgotado, dezenas de criaturas já devem estar voando ao meu encalço, agarro novamente Dona Baratinha e fazemos amor. Trocamos jutas de amor eterno. Para todo o sempre. Quero um filho com ela, mas primeiro precisamos casar.

Os voadores se aproximaram muito rapidamente, me ameaçam, sacudo minha calda e enxoto a todos, aqui ninguém irá se atrever, não é mesmo. Corro até o portão das falácias, ele se abre, na raiz de uma árvore. Encontro a sociedade secreta dos orelhudos brancos. Com dentes salientes e afiados me desafiam com um enigma estúpido:

- O que é branquelo, orelhudo e tem dentes grandes?

- Vocês!

Se espantaram que descobri seu enigma, concordaram de pronto em me casarem com a Dona Baratinha, trocamos juramentos, o “sim” e posso dizer que agora estamos definitivamente juntos. Nos arrumaram o quarto, mas antes da lua de mel, ela começa a se sentir mal e despeja milhões de ovos no chão, meus filhos esparramados. Deixamos eles lá, ainda iriam demorar a despertar. Finalizado e consumado o casamento, precisaríamos escapar do destino maldito e respirar o ar puro da montanha.

- Eles não estavam em um montanha e sim em um vale, não perca o foco ou o meado da história.

- Ok.

Protegendo a amada com todas as minhas forças, corremos até o grande castelo no final da aventura. Ninguém ousava chegar perto, era habitado por pessoas malvadas, de má índole, mas era o melhor esconderijo possível..

- Não tenha medo pequena.

Tenho que consolar o meu amor, Muita insegurança nessa hora, paro no rio antes de atravessar o grande portão, preciso molhar o bico. Estamos correndo. Muita comida jogada no chão, enchemos a barriga, ela vem rolando como uma bola de tanta comida que ingeriu.

- Nunca comi tanto na vida.

Mas em um momento de descuido de ambos, um grande pé deixou uma marca gosmenta no chão, ele gritou: “Nãaaaao”, ela já tinha morrido e não pode responder. Uma grande mão o agarrou pela calda e o levou de volta ao buraco.

Levo uma vida infeliz, por ser um fugitivo não terei uma segunda chance,não tenho mais o meu amor e o meu orgulho, lindas penas já caíram faz tempo.Hoje devem me queimar, não tenho mais nenhuma esperança, adeus a todos.