Fábula contemporânea 12
A prisão dos fios de seda
Ágata, Gatalena e Gatuxa são irmãs da mesma ninhada, frutos muito diferentes de antigos devaneios de Farrusca, uma gata de pêlo cinzento e denso que trocou o conforto em casa de D. Esmeralda pela vida livre sobre os telhados de Alfama. Dizem que já não mora no bairro mas, sobre isto, o Silva tem outra opinião.
Seja como for, é sobre as três irmãs que temos de falar. São todas lindas na sua diferente pelagem e duas são de temperamento semelhante, isto é, pensam e agem como gatas que são seguindo os padrões de comportamento usual na gataria do lugar. Ágata é que tem sérios problemas embora pareça normal. Vista por fora, é branca, sedosa, de olhar terno e azul, um tanto romântico. Vive num mundo à parte e pauta-se pelos rigores da sorte que lhe lêem nos astros, nas cartas, nos roteiros com simpatias recomendadas. A bem dizer vive solta na rua mas presa a invisíveis liames que lhe retiram toda a alegria de viver. Fica petrificada se o horóscopo não lhe é favorável e há dias em que precisa de concordâncias para se sentir protegida. Se o Silva traz comida de qualidade diferente, passa fome por ser dia de comer só coisas da mesma cor, do mesmo animal, do mesmo sabor e toda a gente sabe que os restaurantes nunca separam os restos nem têm tempo para esquisitices.
Bem se apoquentam a Gataleninha e a Gatuxa por saberem como sofre a irmã, perfeitamente colonizada pelos vigaristas e bruxos de serviço, mas nada podem fazer porque essa gentinha tem espaço nos órgãos de comunicação social e gere até a agenda dos políticos. Amanhã, por exemplo, a gatinha branca só estará livre de desgraças se cumprir a seguinte cronologia: sairá só à uma hora e onze minutos, deverá regressar às exactas duas horas e vinte e dois minutos e deitar-se para repouso às três horas e trinta e três minutos. Poderá namorar a partir das quatro horas e quarenta e quatro minutos mas dar por finda a conversa quando soarem as cinco horas e os cinquenta e cinco minutos…
Se os poderosos acreditam… Se os ilustres consomem… se pobres e ricos pagam bem a quem tem destas “virtudes” como poderá Ágata que é, apenas, uma gata sem dono livrar-se da tirania?