A picada
Do cinema lhe adveio respingos de subversão, em catapultas das telas feito bolas de fogo que às chamas dominaram leucócitos e ordenaram de armada em riste proposições do contrário: estava condenado a rasgar os padrões, suplantar teorias e semear o avesso para colher novidade. Viajara do banal à janela voando trens surreais, postado à loucura em sinal de anarquia enfiara-se inteiro na metade de nada mais um quarto de viravolta, nascendo num pé de idéias agalhado de palavras, vertendo tinta feito seiva, borrifando à pena o futuro do imperfeito.
Catou-se numa terra de ninguém, encimado na copa da planta, seca ou frondosa conforme o cansaço: voando para casa ou mergulhando naquilo, resolve ficar. Toma um pirilampo dali a passeio, voando o caos intermitente, vendo e não vendo a cidade encolhida, ventando na cara, assentado ao escutelo. Voa rasante uma fila de aranha e formiga estancadas ao rush, aos tilintes de pés de lacraias servidas de bonde, apinhadas de humanos a tiracolo, contorcendo o corpo na esquina. Viaja entre prédios de madeira, encovados de andares a bicos de pássaros atrás de comida, estendidos de alto a baixo, disformes por natureza, explorados pela pequeneza do homem. Ali mesmo vira e não vira um pé de riqueza brotando notas graúdas, estendido a centenas de pavimentos para um único casal de megalômanos: o marido correndo vida e trabalho à boléia de marimbondos-caçadores e a madame enfiada nas dezenas de closets empachando fartura.
Zanza entre luz e escuro e pisa a galocha no buraco onde mora sozinho, coberto de pingos subversivos que lhe parecem poços d’água para cima. Num chacoalho lhe escorrem explosões de sinapses e aquilo se transborda, espirrando gotas de perigo por todos os lados e se salva num lampejo de criação, tomando uma vespa de passagem pela idéia. Tira-lhe dali aos sacolejos antes que inundasse e lhe pousa em bonança, cobrando o serviço que o moço não paga: deixara a carteira no vaga-lume.