Amor de verão

A ida na casa da praia era como sempre um período maçante. Um dia normal. Sem muita avaliação, porém, pelo mar e o sopro tênue do vento eu me lembrava de um período quente, no entanto harmonioso. Sentia quando o quente raio solar se soltava nas areias brancas sobrepostas por marcas concretas feitas pelas idas e vindas da lentidão das águas do mar. Sentia o gélido da água ao colocar o meu dedinho do pé. Frio. Uma sensação gostosa, mas muito incômoda. Sentei-me em meio a um rochedo e improvisei ali um imenso castelo de areia. Era lá que eu me escondia, ali era o meu típico refugio, onde me abrigava quando sentia medo, quando queria ficar sozinho.

- Flavio, Filho, venha comer alguma coisa – Gritou uma voz delicada vinda de dentro da casa.

- Já vou mãe! – gritei sem saber o que responder.

Permaneci no mesmo lugar, nem sequer movi um músculo. Era tão bom ficar ali, ver o sol se pondo ou até mesmo nascendo. Sentir aquela brisa tocando meu rosto. Era um adolescente tão pacifico que sempre via o lado bom da vida. Nem quando era criança me sentia deste jeito.

Adormeci. Senti os pequenos flocos de areia roçar meu corpo. Não me lembro de mais nada, não ouvia nada, não sentia nada, a única coisa que podia ouvir era o som abafado da maré batendo nas rochas.

- Se me ouves não me queres, se me queres não vai me ver, só um sonho pode te fazer lembrar quem sou eu. Um dia me conheceu, mas agora não me desconhece, cresceu tanto meu menino e aqui eu sempre vou estar.

A música crescia a cada minuto. Em meu subconsciente reconhecia aquela canção, só não me lembrava de onde. Abri meus olhos lentamente. Minhas vistas estavam embaçadas. Não enxergava nada. Quando por fim, abri completamente meus olhos, me deparei com uma miragem.

- Quem é você? – perguntei.

- Ignara, sua amiga – respondeu serenamente – não se lembra?

A mulher era inteiramente estranha. Seus olhos avermelhados, sua pele corada pelo sol, cabelos negros e um cheiro cintilante de rosas marinhas.

- Desculpe, mas não me recordo.

- Estranho - ela respondeu segurando em uma de minhas mãos – Entranho como não me conhece, foi aqui mesmo que nos vimos pela primeira vez.

- Vai me desculpar, mas realmente não me lembro – soltei minhas mãos do encontro com as dela. Acenei com os braços e caminhei para outro horizonte.

- Como pode viver sem mim? Como pode tentar me esquecer?

Parei. Travei no mesmo local. Fui voltando cada passo que havia dado. Parei em frente a sua face e disse:

- Não sei como posso fazer para te esquecer, prometo que nunca irei te abandonar.

- Dois encontros – ela continuou a poesia – duas vidas, um momento e somente um sentimento.

- Te amo!

- Te amo.

A face de Ignara não estava mais corada. Estava pálida. O sol baixava a cada instante. Aproximei meu corpo do dela. Sorri desconsoladamente e dei-lhe um caloroso abraço.

- Como você está diferente. Ainda se lembra da poesia?

- Mudamos ás vezes. Escrevemos juntos, como iria esquecer.

- Como pude me esquecer de você – disse tentando me explicar – eu sinto muito, muitíssimo mesmo... São tantas coisas que...

- Não se preocupe. A outras coisas para se importar.

- Tem?

- Vamos fugir daqui. Quando soube que você voltou para casa que sempre moramos não tive outra escolha.

- Mas não somos mais crianças. Aquelas aventuras estão no passado!

- Você não me ama mais?

- Ignara, nós crescemos. Você sumiu, nunca ouvi mais nada de você. O sentimento não dura para sempre.

- Seu ingrato!

Ela correu distante de mim pela chuva que começava a cair. Os ventos cresciam, os raios trovejavam forte. Tentei acalmá-la, mas era impossível. Era como se ela mudasse de uma hora para outra, como se aquela mulher que eu jurava que desconhecia não fosse mais a mesma.

- Eu sinto muito.

- É só isso que você sabe dizer. Sinto muito. – Ela parou, respirou fundo. As gotas da chuva escorriam em seu rosto – me responda uma coisa, o que você faria por mim?

- Eu? Não sei!

- Eu sei o que eu faria por você... Eu morreria!

Meu coração palpitou forte. Aos poucos a chuva parou em um piscar de olhos, o calor foi sumindo, o sol tocou o horizonte. Estava anoitecendo. Como poderia o tempo ter passado tão rápido e eu ao menos ter sentido.

- Leia isso – disse Ignara entregando-me um jornal – espero que entenda o que quero dizer.

- É tão sério assim?

- Olhe ali para o horizonte, tente entender que nem tudo é como desejamos, e sim como escolhemos.

- Porque me diz isso? Eu te fiz sofrer? Ignara?

Não houve resposta. Ela sumiu de imediato. Não poderia ter corrido, eu a veria. Nem se esconderia como fazíamos quando éramos crianças. Caminhei até o castelo de areia, me sentei e abri o jornal. Logo na primeira página estava estampada uma intensa matéria “IGNARA SOLTS, NOVE ANOS, MORRE AFOGADA APÓS TENTAR SALVAR O SEU AMIGO FLAVIO ALCANTARA DE UM POSSÍVEL AFOGAMENTO”. Gritei. Foi à única reação que tive.

Acordei no mesmo lugar em que havia adormecido. Não estava chovendo, muito menos trovejando. Foi apenas um sonho, no entanto, um sonho que parecia muito real. Seria um sinal de que deveria começar a se preocupar com o que estava a minha volta? Que teria que começar a afrontar o mundo como ele verdadeiramente é e, não me esconder dentro de um castelo de areia, dentro de minha própria integridade.

Caminhei para dentro de casa. O sol continuava reluzente e a maré aumentava. Percebi que devemos reconhecer que amores de verão e passados são mesmo reais, existem, não são meros sonhos e a gente nunca se esquece. Isso é apenas um cálice de emoções e anseios, mas não importa como seja, qual é sua intenção, se é um sentimento infantil, adolescente, adulto ou de idoso, o que importa é a maneira como se expressa. E não é só porque estamos no verão que eles poderão ser sentidos ou relembrados, pois eles caminham juntos despidos entre a maré, o sol, a lua, os horizontes e todos os preceitos que carregamos pelo nosso destino.

Well Rianc
Enviado por Well Rianc em 04/11/2009
Reeditado em 04/11/2009
Código do texto: T1904585
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