Fábula Contemporânea
Jéssica é uma formiga azul muito popular. Dizia-se à boca pequena que nem ela nem o Asdrúbal, seu namorado, nasceram ali. Claro que o sotaque era um pouco diferente mas qualquer um pode arrastar os erres e soprar os ss sem ser estrangeiro. Clotilde, matriarca no formigueiro contíguo, bisbilhoteira de profissão, morria de inveja de Jéssica, do seu porte elegante, dos seus sapatos de confecção italiana, do seu jeito social e, pasme-se, até do hálito a menta que a formiga azul fazia gala em exibir. Daí as sílabas sibilantes jogadas ao rosto dos interlocutores - clamava, Clotilde, invejosa.
Claro que ser de fora nem é crime mas a xenofobia existe até no coração de quem esteve emigrado toda a vida sobretudo se os visados têm sucesso, coisa que dói muito na alma dos mesquinhos.
Incomoda-me - dizia Clotilde furiosa – é saber que o azul não é natural e sentir que o Asdrúbal, de tão escuro, há-de ser árabe sem que ninguém faça nada para o prender! Quero que os expulsem, os prendam ou os matem. Não me prejudicam mas odeio as diferenças. Porque sim. O mundo fica mais justo se for cinzento para todos! Deus é que talvez não se tenha lembrado disto, garantiu.