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    Otaviano sempre fora uma criança muito imaginativa. Criado sob os cuidados militares de seu tio, tinha tudo para ser um adulto sério, chato e sem o menor senso de humor. Mas, pelo contrário, Otaviano cresceu e se tornou um homem muito bem humorado e com uma imaginação sem limites.
    Nascera com seis meses de gestação, e isso, muitos acreditavam, teria feito do rapaz um rapaz apressado. Otaviano simplesmente não conseguia esperar pelas coisas. Ficava ansioso, andava de um lado para o outro, isso quando não ia fazer o que esperava acontecer. Muitos acreditavam também, que por conta de seu nascimento prematuro, ele desenvolvera duas certas curiosidades em seu rosto: Seu olho direito era duas vezes maior do que seu olho esquerdo. A outra, ainda mais curiosa, era que Otaviano simplesmente não conseguia pronunciar o som da letra “A”.
    Na escola militar, o menino sofria com as chacotas dos outros rapazes. Mas com o passar dos tempos, Otaviano conseguiu desenvolver uma maneira de se afundar em pensamentos e mundos dentro de sua cabeça, ignorando qualquer tipo de comentários sobre seus pequenos defeitos de fábricas.
    Sem amigos, somente com sua mente à disposição. O menino aos doze anos começou a juntar brinquedos defeituosos. Soldados com pernas faltando, bichinhos com problemas no apito que os dava sons diversos após apertados em certas regiões e muitos outros brinquedos. Parecia que ele se identificava com aqueles brinquedos rejeitados por outras crianças, mas que para ele, eram especiais até mais que os outros.
    Seu tio tinha pouco tempo para ter contato com o sobrinho. A ditadura militar estava no auge da violência, e o General Velásquez não ia muito até sua casa em Petrópolis, dentro de um sítio. Mesmo assim, mandava ordens às empregadas para que seu sobrinho passasse a maior parte do tempo estudando ou rezando. Era extremamente proibido que ele brincasse com outras crianças e com brinquedos. Era proibido que Otaviano dispersasse sua atenção dos estudos. O general previa um futuro brilhante para ele no exército. Mas Otaviano não dividia da mesma perspectiva com o tio.
    Os anos foram passando e o menino Otaviano se formou em medicina. Aos trinta anos, devido à uma guerra, fora chamado para prestar serviços a uma tribo Pigmeu localizada no vale Rio Congo, os Bambuti. A tribo estava sendo dizimada por caçadores contratados por donos de circos. Costumavam levar membros da tribo de menor estatura do mundo, para serem apresentados em circos de aberrações.
    Por dois meses inteiros Otaviano tratou dos feridos. Durante a noite, como se ainda fosse aquele menino cheio de imaginação, ele brincava com alguns soldadinhos feitos de galho de árvores por ele mesmo. Seus soldados sempre possuíam alguns defeitos. Alguns não possuíam pernas, outros nem mesmo cabeça. Mas eram especiais. Sentia falta de seus brinquedos de garoto. Aos dezoito anos doara todos para um orfanato. Ficou apenas com dois: o soldado sem perna, e uma bailarina que se desprendera da caixinha de música.
    Certo dia, as crianças da tribo de pigmeus entraram na cabana do médico e viram os diversos brinquedos desenvolvidos por ele. Otaviano mantinha uma estante só com animais de brinquedos, e todos feitos de galhos, sementes e pequenas pedras. Era como um mundo em miniatura. Pegaram alguns e foram brincar no vale. De longe, o médico viu todo o pequeno “furto”, mas não se intrometeu. Ficou observando as crianças brincarem e esquecerem dos problemas pelos quais passavam.
    Os problemas aumentaram quando em 1997 , quando houve a troca de governo e o país mudara seu nome de Zaire, para República Democrática do Congo. Muitos membros da tribo se deslocaram e Otaviano teria que voltar antes para o Brasil. Antes de partir, no entanto, o chefe da tribo lhe deu um pequeno boneco muito parecido com um boneco de Vudú. Ao tocar no boneco, Otaviano sentiu algo diferente em sua língua. E ao pronunciar seu nome, viu que havia algo de diferente. Ele conseguia falar o som da letra A.
    O chefe informou que o boneco tinha poderes mágicos, e que era um agradecimento por trazer saúde e alegria às crianças da tribo. Dentro do boneco, havia uma poção que poderia transformar os brinquedos de Otaviano em algo nunca antes visto fora da África.
    Otaviano agradeceu e durante aquela última noite na tribo dos Bambutis, aproveitara a festa que eles fizeram em sua homenagem. Havia danças, e muitas estátuas inspiradas em seus brinquedos. Aquilo fez se arrepiar todo. Sorria muito e se sentia especial finalmente. Seu olho direito piscava sozinho, além de maior que o outro, desenvolvera uma espécie de tique nervoso. Tentara convencer o chefe da tribo a tentar consertar seu olho defeituoso, porém ele se negara pois aquela seria a maneira particular de Otaviano ver o mundo diferente dos demais, e seria essa maneira que ele precisaria usar quando voltasse para sua terra-mãe.
 
      Dois anos depois...
 
    Otaviano havia se tornado um rapaz famoso. Milhares de empresas de fabricação de brinquedos queriam fechar contrato com sua fábrica famosa no mundo inteiro. Ao voltar da África, o rapaz recebera a notícia que seu tio havia morrido de câncer. Imediatamente mudou-se para a casa em Petrópolis e lá, no galpão abandonado aonde o tio estacionava seu bimotor, construíra com a ajuda de alguns empregados uma enorme fábrica de brinquedos em miniaturas.
    Os empregados estranharam pois a fábrica não tinha equipamentos dignos de uma fábrica. Não havia prensas, fornos para o derretimento dos plásticos e da borracha, não havia panos para a confecção das roupas e nem se quer funcionários. Somente Otaviano tinha acesso ao interior de sua fábrica.
    De dentro do antigo galpão, saíam os brinquedos mais fantásticos que o Brasil e o mundo já haviam visto. Bonecas que se moviam sozinhas e dançavam. Réplicas de animais exatamente iguais aos originais. Homens fantasiados com as mais variadas profissões. E metade desses produtos ia todos para orfanatos e abrigos. Apenas alguns por centos iam parar diretamente na lojas. Muitas das fábricas concorrentes chegavam a oferecer milhões aos orfanatos apenas para terem acesso aos curiosos brinquedos de Otaviano, porém, prevendo a falcatrua, o fabricante produziu uma espécie de contrato com as instituições qual ajudava, proibindo a venda, empréstimo ou qualquer forma de contrato com adultos externos.
    O mundo se viu maravilhado. Os especiais de natal das emissoras de televisão eram protagonizados pelos brinquedos de Otaviano. Era como se os bonecos ganhassem vida e virassem atores. O engraçado era que os bonecos tinham a fisionomia dos atores, muitos deles sumidos da mídia. Otaviano sempre escolhia bonecos de atores mais antigos, esquecidos pelo público.
    Todos tinham os brinquedos maravilhosos. Crianças de rua do mundo inteiro se divertiam com seus bonecos miniaturas vivos diretamente vindos do Brasil. Todos queriam conhecer a tal fábrica. E a pressão foi tanta que Otaviano resolveu sumir do mundo. Sumira sem deixar rastros, sem deixar vestígios de seu paradeiro. Simplesmente sumira da noite para o dia, deixando apenas algumas caixas na porta de sua casa, com alguns brinquedos destinados à fundações de ajudas à crianças.
    Os empresários ficaram loucos quando souberam do desaparecimento repentino. Dezenas se deslocaram para a cidade de Petrópolis tentando achar a fábrica e desvendar o segredo da confecção dos produtos mais fantásticos já vistos no mundo fora dos filmes e novelas. Mas as buscas foram em vão. Eles não sabiam localizar a fábrica. Conseguiam achar o balcão, mas não a fábrica. No chão do balcão, um grupo de empresários de uma empresa líder na venda de brinquedos até o aparecimento das miniaturas de Otaviano, encontrou apenas uma maquete de uma fábrica de brinquedos e, ao lado delas, um boneco parecido com um boneco de vudú. Ao tocar no boneco, o empresário sumira.
    Anos se passaram até que uma criança virou manchete de jornal. Na capa de todos os tablóides anunciava-se a descoberta da farsa dos brinquedos do desaparecido Otaviano. Nas fotos, a criança chorava ao lado de um boneco de feições japonesas jogado sobre uma pequena poça de sangue. Na entrevista, o policial dizia que se tratava de uma cópia de um rapaz japonês desaparecido há alguns meses. A família reconhecera o rosto do boneco e queria ter acesso a ele. Com a explosão da noticia sobre o boneco que sangrava, milhares de pessoas apareceram dizendo que seus bonecos também sangravam, assim como os animais em miniaturas e todos os brinquedos de origem da fábrica de Otaviano.
    A polícia resolveu vasculhar o antigo galpão. Mas só na casa de Otaviano, precisamente atrás de seu guarda-roupa, eles finalmente desvendaram o soturno mistério. Havia uma pequena porta de pouco mais de um metro e meio de altura escondida atrás do fundo do guarda-roupas. Na frente da porta, havia uma réplica do pôster do filme “Crônicas de Nárnia: o leão, a feiticeira e o guarda-roupa”, provavelmente sendo uma referência ao esconderijo. Ao passarem pela portinhola, os policiais ficaram pasmos. Dezenas de pessoas se encontravam presas atrás de grades, sujas e deformadas. Pernas menores que outras, braços mais curtos que o resto do corpo, cabeça centenas de vezes menores que seus corpos. Um verdadeiro circo dos horrores. Ao fundo do corredor de celas, havia um projetor de cinema e um filme à postos. Ao lado do projetor, os policiais encontraram uma pequena miniatura de Otaviano apontando para o botão de liga/desliga. Ao ligarem a máquina, os policiais presenciaram um caso fantástico e surpreendente.
    No vídeo, Otaviano mostrava pessoas chorando alucinadas e presas. O ambiente era escuro mas era possível ver e ouvir palavras que lembravam algum idioma africano. Otaviano se aproximava da câmera e mostrava o bonequinho vudú em suas mãos. De dentro dele, saía uma pequena substância verde que, em contato com a pessoa, fazia a parte do corpo diminuir aos poucos, como o gelo quando em contato com um jato de água.
    As pessoas iam diminuindo drasticamente. Até se tornarem... Miniaturas. Então, Otaviano falava algumas palavras no dialeto Bambuti e elas se tornavam imóveis. Feito isso, introduzia uma espécie de conceito nos “bonequinhos”, se movimentavam, mas deixavam de se debater e parecerem descontentes com a nova estatura, faziam as coisas que o seu criador as mandava fazer. Algo como uma hipnose causada por um feitiço.
    Quando os policiais notaram, a miniatura de Otaviano não estava mais lá. E até hoje as pessoas tentam descobrir como voltarem ao seu tamanho normal e sofrendo por serem descriminados por serem diferentes, assim como o pobre menino Otaviano se sentia quando era apenas pequeno.
    Ao final do vídeo, o homem dos brinquedos aparecia na frente das câmeras e agradecia aos Bambutis por lhe terem resgatado sua infância perdida e o ensinado a ver o mundo com outros olhos. E era exatamente com outros olhos que Otaviano via o mundo, escondido no jardim de sua casa, dentre as roseiras e morando em túneis subterrâneos assim como suas vizinhas formigas.
 
 
                                                                                                                         Fim!
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Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 18/10/2009
Reeditado em 18/10/2009
Código do texto: T1874263
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