CONTOS SURREAIS I - D. NORMA

D. Norma é americana e mora no Brasil há alguns anos. Nos conhecemos na festa do Alceu.

O velho Alceu sempre teve amigos que mais pareciam ter saido de um livro de capa dura ou dos filmes da década de 50, inclusive eu. Mas daí ele ter uma amiga que se chama Norma, americana, com 83 anos, loira e bonitona…já é demais.

Por vezes eu penso que seus convidados são personagens inventadas ou… são fantasmas.

Voltando a D. Norma, eu a conheci numa dessas festas que o Alceu costuma oferecer para políticos e socialates. Lá na cobertura do Leblon a Bossa Nova é sempre embalada por bons papos, whisk e muita, muita conversa fiada. Em ano que antecede eleições os agitos são mais constantes e os convivas mais interessantes.

Voltemos, pois, a D. Norma, motivo desse desabafo…

Estava no parapeito sentindo o vento, apreciando a Niemeyer e lembrando-me dos crimes de grande repercussão que foram cometidos ali, quando senti uma presença feminina, um cheiro forte e adocicado se aproximar. Naquele momento senti-me mesmo num daqueles filmes preto e branco, mais precisamente em O pecado mora ao lado. Ela então apresentou-se dizendo : – olá prazer, sou Norma…

Mesmo sendo uma senhora, ostentava um decote de dar inveja a qualquer menina… sua idade me foi revelada, porque comemorava, exatamente naquele 1 de junho seus 83 anos.

Permanecemos ali por todo o tempo e D. Norma contou-me de suas aventuras na África antes de chegar ao Brasil nos anos 70. Contou-me sobre como aprendera a falar o português e mencionou fatos sobre fama e estrelato, além do convívio na Broadway.

O garçom não deixou seu copo vazio, D. Norma tomou mais whisk que muito homem por ali.

No decorrer da conversa falou-me do seu embarque no navio rumo ao continente africano, descreveu-me fatos e pessoas (sem revelar nomes)…mais uma vez senti-me ao lado de uma personagem dos anos dourados. Aquele olhar, aquela voz, aquele perfume marcante me reportaram a uma figura que, por coincidência, tinha por nome de batismo o mesmo – Norma. Norma Jean Baker. Em alguns momentos titubiei culpando o whisk que me subia a cabeça e me fazia acreditar naquela idéia incabível…

Conversa vai, conversa vem, voltamos ao tal embarque no Navio, e por algum motivo (nunca perderei essa mania de repórter: quando e onde) indaguei-a sobre a data em que deixara os Estados Unidos. Ela, como quem flutuasse numa névoa etílica invisível, respondeu-me com ar de tristeza: – no dia seguinte….06 de agosto de 1962.

Estremeci dos pés a cabeça e num piscar de olhos perdi os sentidos…já havia tomado muito whisk.

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Acordei na manhã seguinte no quarto de hóspedes do Alceu. Senti a cabeça rodando e meu coração apertou disparado. Levantei e apressei-me com o banho. Enquanto vestia-me, observei no paletó uma forte mancha de batom vermelho e aproximando-me senti o perfume adocicado impregnado…não tive dúvidas, era Chanel.

Desci as escadas sem querer pensar ou imaginar qualquer coisa, afinal o efeito do álcool já havia passado…

Para minha surpresa, à mesa estavam Alceu e D. Norma.

Ela totalmente sem maquiagem… parecia um anjo, seus olhos eram de um azul profundo e de uma ternura sem fim.

Alceu levantou-se apressado. Despedindo-se, nos deixou a sós.

D. Norma aproximou-se e olhando em meus olhos, pegou em minhas mãos. Seu olhar era muito mais de perguntas do que de respostas, deixava-me confuso….

(continua)

(CONTOS SURREAIS É UMA SÉRIA DE CONTOS REGISTRADOS )

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