CORAÇÃO DE PEDRA

Rhanailka é uma mulher como outra qualquer do bairro, com a diferença de que não consegue arrumar um namorado, por mais promessas tenha feito. Seu modo de se vestir, seu comportamento, sua maneira meiga de falar, seu modo gentil de tratar as outras pessoas; enfim, seu jeito de ser revela que ela é uma pessoa de bom caráter, boa índole, mas pretendente que é bom nada. Sua melhor amiga se chama Nelcy, as duas são tão inseparáveis que muitos acham que suas almas são gêmeas.

Rushleyson sempre foi uma pessoa muito determinada e tem como mania persistir, até conseguir tudo o que deseja, tudo o que sonha conquistar; mesmo que leve algum tempo. Algumas coisas lhe chegam rápido, a sua determinação, garra, luta e vontade de ser um eterno vencedor. Isso o motiva a insistir nas contendas mais difíceis. Seu inseparável amigo Jorlaney sempre lhe dizia: Você um dia ainda vai se dar mal por essa sua obsessão em conseguir as coisas que estão longe do seu alcance, de querer mudar o impossível! O que Rushleyson lhe respondia: os fracos é que desviam a rota, fazendo com que o objetivo a ser alcançado se torne mais distante.

Em início noite de lua cheia, o mês era agosto e o dia da semana era uma sexta-feira, os quatro estavam voltando do trabalho, e devido a uma obra na avenida por onde passavam todos os dias, Rusleylson e Jorlaney tiveram que tomar um desvio no trânsito que dava uma volta enorme para poderem pegar sua rota para casa. Ao cruzarem uma faixa de pedestre na Avenida do Desejo Secreto, os quatro se cruzaram; houve uma intensa troca de olhares, onde cada pessoa olhou para as outras três. Contudo, sem dizer nada, cada dupla seguiu seu caminho. Terminada a travessia, já na calçada, Rushleyson sentiu um irresistível desejo de olhar para trás e ver novamente aquela moça, então se virou e olhou, mesmo continuando a andar sem ver por onde andava. Viu que Rhanailka levara um baita susto ao ver um gato que saiu correndo de um portão; achou graça, riu sozinho, se virou olhou para frente, deu dois passos, olhou para trás novamente no mesmo instante em que passava por debaixo de uma escada escorada na parede. Um clarão no céu chamou sua atenção e também a atenção de Rhanailka e ambos fizeram pedidos: (ela) tomara que ele se interesse por mim! (ele) ela á uma gracinha, mas podia ser um pouco mais interessante! Então se voltando para Jorlaney disse:

- Eu vi uma estrela cadente e fiz um pedido!

No que o amigo responde:

- Cuidado com as suas palavras, pensamentos e desejos, eles ainda te meterão em encrenca!

No outro dia, como um roteiro previamente escrito pelo imprevisível destino, os dois casais se encontraram novamente na mesma faixa de pedestre, só que agora mais próximo da calçada onde estavam Jorlaney e Rushleyson e num ímpeto, num impulso, este parou, se deslocando ora para a direita, ora para a esquerda, tal qual os movimentos da moça, bloqueando propositadamente a passagem dela que percebendo sua intenção disse:

- Saia da minha frente seu brutamonte atrevido!

No que este lhe respondeu:

- Você fica mais bela quanto mais brava!

- Me deixe passar ou você verá a mulher mais be...(ia dizendo bela) furiosa da sua vida!

- Perdão senhorita! ... (mudando de atitude e tática) Você está com muita pressa?

- Não muita! Respondeu ela um pouco mais calma.

- Vamos tomar um sorvete? ... Um suco? ... Que tal?

- Não te conheço...

- Meu nome é Rushleyson, mas pode me chamar de Rush! Este é o meu melhor amigo Jorlaney!

- Prazer! Meu nome é Rhanailka, mas minhas amigas me chamam de Rhana. Esta é minha amiga Nelci!

- O prazer é nosso! Vamos a uma lanchonete. Tem uma aqui perto!

- Vamos, mas não podemos demorar!

Os quatro seguiram pela calçada, Rush e Rhana à frente seguidos de Jorlaney e Nelci. Entraram na lanchonete: Feitiço Caseiro. Após um alegre lanche, eles decidiram almoçar juntos no dia seguinte e se despediram de seus acompanhantes com beijos no resto. Então Rush pergunta:

- O que você acha da Rhana, Jorlaney?

- Pelo pouco que eu conheço, diria que é uma mulher educada, meiga, sincera, eu diria, perfeita!

- Quase perfeita. Reparou que as nádegas dela não são volumosas e as pernas são finas, podiam ser um pouco maiores e as pernas mais grossas. Ela ficaria muito mais atraente.

- Você é muito exigente Rush!

Na segunda-feira como combinado, os quatro se encontraram para almoçar e Jorlaney reparou que Rhana não era tão sem bumbum, nem tinham as pernas tão finas como comentara Rush. Esqueceu o assunto e se ocupou em dar atenção à Nelci, que se mostrava ser atraente, prestativa, educada e mesmo sem ter sangue azul parecia ser uma lady. Após o almoço, no caminho de volta ao trabalho, Jorlaney comentou que as pernas de Rhana não eram finas, e suas nádegas não eram tão sem volume assim. No que Rush de imediato respondeu:

- Eu não devo ter reparado bem ontem, mas hoje eu notei que os seios dela são bem pequenos. Eles poderiam ser bem maiores, isso ia chamar mais a atenção e daria a ela um charme todo especial!

- Você nunca está contente não é Rush?

Rush se limitou a sorrir e seguiram andando rumo ao trabalho.

À tarde ao se encontrarem, Rhana disse que não poderia sair, pois não estava se sentindo muito bem, coisa de mulher, confirmou Nelci. Os rapazes entenderam e seguiram seu caminho. Então Jorlaney comentou:

- Os seios de Rhana não são tão pequenos como você disse Rush! Você é que não se contenta com nada!

- Você notou os cabelos dela: são lisos e curtos. Podiam ser maiores e anelados. Típicos de uma autêntica morena goiana!

Jorlaney interveio e disse:

- Você quer calar a boca, quer quietar o facho e aceitar as pessoas como elas são. Se você quer mudar o mundo, tudo bem, mas mudar as pessoas, isso já é demais! Tenha uma boa noite!

A noite de Rhana não foi das melhores, sofreu com cólicas, dor de cabeça, náuseas, calafrios e enjôos. Pensou que fosse o ciclo menstrual, mas ainda faltavam uns dez dias pelas suas contas. Por isso indagava a si mesma: O que será? Com o passar dos minutos e a chegada do cansaço enfim adormeceu. Acordou no horário de sempre com a alma e a cabeça leve, com o corpo estranho, como se aquele não fosse o dela, se sentia como uma adolescente que estranha seu corpo que sofre uma mudança brusca em tão pouco tempo, não coube mais na calça de sempre e culpou o anticoncepcional. Tomou banho, se ajeitou dentro de um vestido e saiu para se encontrar com Nelci para irem trabalhar. Nelci reparou em Rhana, achou-a estranha, mas preferiu não comentar nada, com medo de constranger a amiga. Rhana trabalhou normalmente como se tudo estivesse em seus devidos lugares, e tudo estavam anatomicamente em seus devidos lugares.

Ao encontrarem os rapazes para o almoço, Jorlaney puxou Nelci para um local mais afastado e perguntou:

- O que está acontecendo com Rhana?

- Liga não, é só um truque de mulher. Ela está bem. Vem, (estendendo-lhe a mão) vamos nos servir e almoçar, pois estou morrendo de fome!

Vendo que estava a sós com Rhana, Rush comenta:

- Você esta maravilhosa!

- Muito obrigada, é bondade sua. Vamos comer, estou com fome!

- Claro, vamos (estendendo o braço indicando o caminho). Você primeiro!

- Muito obrigada!

Após o almoço, de volta ao trabalho, Jorlaney comenta:

- Você estava enganado sobre Rhana, Rush. Ela é um “mulherão”!

- Nem tanto, Jorlaney, nem tanto. Reparou no queixo dela, poderia ser mais arredondado, o nariz poderia ser menos fino, os olhos poderiam ser bem negros, as sobrancelhas são ralas e poderiam ser mais cheias!

- Você é um chato, Rush. (este lhe olha)... Está sempre procurando algum defeito para não se entregar de corpo e alma a uma relação, de se entregar ao amor! Você tem medo de gostar de alguém e não ser correspondido. Você tem é vergonha de gostar de uma pessoa que possa desagradar seus amigos e parentes no tocante à aparência física. Sabe amigo, o importante é o sentimento, o importante é o bem estar que sentimos no coração e proporcionamos no coração dos outros! (Rush continua olhando para Jorlaney quase se piscar) Todos nós temos defeitos! ... O seu é este: não aceitar as pessoas como elas são você está sempre querendo moldá-las. Faça uma escultura de pedra, assim você não achará defeito nela!

- Uma estátua não tem coração!

- Tem sim, um coração de pedra. Assim como o seu!

- Hei! Não precisa exagerar!

O quarteto não pode reunir à tarde, nem almoçar nos dias seguintes, pois as meninas tinham exames de rotina pré-agendados pela empresa onde trabalhavam. Sendo assim, todos os dias os dois rapazes foram diretamente para casa, já pensando no encontro com as garotas para irem ao teatro no sábado á noite. Enquanto os homens simplesmente cortam os cabelos, fazem à barba e compram uma camisa nova para irem a um encontro, as mulheres precisam de todo um ritual (cabelos, unhas dos pés e mãos, depilação, maquiagem, brincos e uma roupa totalmente nova) para se sentirem totalmente seguras diante de uma enorme concorrência que há entre o sexo feminino.

No sábado à tarde Jorlaney ligou para Nelci para confirmar o horário do encontro e esta lhe disse que Rhana gostaria de saber mais a respeito de Rush: então Jorlaney lhe contou todas as insatisfações que Rush sempre teve com relação às pessoas que se aproximaram dele. Falou de suas manias de ficar procurando defeito nas pessoas, e que depois de um tempo ele se afastava, pois estava insatisfeito com elas e que nunca teve um relacionamento que durasse mais de três meses. Ao se encontrarem (aos olhos dos rapazes) as meninas estavam deslumbrantes, divinas, verdadeiras deusas romanas, e até o exigente Rush não viu mais nenhum defeito em Rhana, ela estava como ele sempre sonhara encontrar uma mulher, ela era tudo o que ele sempre buscou em toda a sua vida. Beijando-lhe no rosto disse:

- Você está linda, maravilhosa, a mulher mais linda que já vi!

- Muito obrigado. Você esta exagerando. Olha que quem vê cara, não vê coração!

- Vamos (dando-lhe o braço) entrar! Daqui a pouco começará o espetáculo e não é bom chegar-mos atrasados!

O casal seguiu Jorlaney e Nelci que encantado um com o outro foram felizes em direção aos seus lugares. Durante o espetáculo os dois casais se divertiram muito, pois aparentemente tudo estava na mais santa paz. Rush, de vez em quando segurava a mão de Rhana, como uma criança que em busca de proteção e segurança, busca a mão dos pais. Ela puxava a mão e olhava para ele como quem diz: o que você quer de mim? Ele olhando nos olhos dela dizia a si mesmo: ela está encantadora. Eu estou apaixonado por ela! E ela como que adivinhando os pensamentos dele respondia em pensamento: paixão, Rush, não é amor. Eu quero alguém que me ame de todo o coração! Rush se sentia um adolescente e em seus pensamentos se via feliz e amado nos braços de Rhana, e que sem ela, sua vida não teria mais motivo nenhum, ele não teria mais nenhuma razão para continuar vivendo, sem ela a vida perderia a cor e não via mais razão de continuar sua existência solitária, não conseguiria suportar uma desilusão amorosa e preferia encontrar a morte.

Após o espetáculo os quatro foram a uma casa de dança, e como sempre acontece nos bons momentos, Cronos faz o tempo passar bem mais rápido quando se está divertindo, pois logo chegou à hora de irem para suas respectivas casas. O táxi parou no meio do quarteirão, Rhana morava em uma casa modesta de frente a casa de Nelci. Jorlaney falou:

- Tem algo estranho acontecendo entre Rhana e Rush. Estou com um mau pressentimento com relação aos dois!

- Rhana é uma excelente pessoa. Ela seria incapaz de fazer mal a alguém!

- Eu sei que ela é uma boa moça, o problema é Rush. Se não for do jeito dele nada feito!

- Ela também não é de dar o braço a torcer tão facilmente. Mas vamos falar de nós. Eu estou começando a gostar de você!

- Você também me agradou muito. Também estou gostando de você!

Enquanto os dois se beijavam, Rhana e Rush tentavam se entender. Ele diz:

- Rhana, você é a mulher mais incrível que já vi!

- Você está falando sério ou só quer se divertir comigo?

- Eu estou falando sério!

- Pois não está sendo muito convincente. Seus olhos não confirmam suas palavras. Seus gestos não são compatíveis com seus sentimentos. Você não está sendo sincero comigo! È um jogo, não é?

- Não é um jogo não Rhana. Sou capaz de morrer se você não me aceitar!

- Pronto! Provou que é uma pessoa muito exagerada. Que não fala sério!

- Pois estou falando sério. A vida não tem mais graça sem você comigo!

- Sabe Rush, isso é uma infantilidade sua. Ninguém morre por amor a alguém. Isto, se o seu sentimento for mesmo amor! Eu não sou brinquedo, eu não tenho um coração de pedra. Mas parece que você tem!

- Você não está acreditando em mim?

- Nem um pouco. Não posso acreditar em quem fica botando defeito nas pessoas para não assumir um relacionamento duradouro, mesmo gostando dessa pessoa! Tenha uma boa noite, e não me ligue, eu te ligarei! Tchau!

Ela beijou-lhe a face e entrou em sua casa. Rush se dirigiu ao táxi e gritou por Jorlaney que não demorou, pois estava preocupado com o amigo. Durante o trajeto de volta os dois não conversaram, pois os pensamentos de Rush não permitiam nenhuma palavra naquela hora.

No dia seguinte as meninas acordaram tarde. Dos rapazes, foi Jorlaney quem primeiro, colocou os pés fora de casa, pois um homem feliz tem um motivo para se levantar cedo: a própria felicidade. Alem de disso ele tinha uma almoço marcado na casa de Nelci para conhecer seus pais. Rhana acordou tarde, preguiçosa rolou na cama relembrando das coisas que ouvira de Rush, deu um tempo para si mesma, se arrumou e foi até à casa de Nelci para saber do relacionamento dela com Jorlaney. Chegando em silêncio, ouviu Nelci falar com o namorado ao telefone e este lhe contou que Rush amanhecera morto. Segundo o médico da ambulância foi um ataque cardíaco fulminante. Então Rhana compreendeu que ele estava falando a verdade quando disse que realmente ele estava gostando dela. Então ela compreendeu que aquele coração de pedra, tornara-se humano, e como tal, sentiu a beleza e a dor de um sentimento denominado amor. Como qualquer coração de um mortal, o coração de Rush amou; mesmo tardiamente ele amou. Deixando de ser assim um coração de pedra.