BALÉ, O CORPO
Seu corpo insistia em provar que era mais do que parecia ser.
Buscava se desintegrar no espaço, rebelando-se contra a posição herdada dos primatas, encontrando novas harmonias.
O balé só prossegue sob luzes.
Os olhos acompanhantes da platéia.
Pensa-se que o compositor imaginou aquelas cenas para desenhar cada nota da música tocada.
Cada nota desenhada no papel.
Papel que é o palco.
Cada traço desenhado pelo corpo no espaço.
O desenho que a linha do correr da visão faz.
Formas das intensidades das luzes.
Impecável...
Agora ela estava só, com o espelho.
Olhava-se: O reflexo:
Seu corpo era lindo!
Ela era a sua própria platéia. Um público privilegiado que podia ver o que quisesse. Bastava pensar que a artista fazia.
Dirigia agora cenas eróticas em que era a atriz. Um erotismo a sós.
Um erotismo de desejar a si mesma nua.
Talvez ter um orgasmo vendo-se, tocando-se.
Talvez não...
Não lhe preocupava o orgasmo.
Queria ver seu corpo dominado por seu desejo, por esta platéia obcecada pelo ilimite da figura.
Queria explodir em mil pedaços e recompô-los de mil maneiras diferentes.
Destruir o espaço.
Num ímpeto quebrou o espelho. Não havia mais limite.
Descobria agora até onde podia ir.
Revelou a seu corpo gestos que platéia alguma atingiria em sua compreensão.
Sem platéia...sem luzes...sem palco...sem reflexo...
Enxergava dentro de si as formas e acionava cada parte de seus membros.
Transformou-se em líquido e depois em gás.
Vazou para fora daquela sala. Vagou por além de suas forças.
E voltou...
Seus olhos brilhavam ofuscando a estúpida luz central.
Seu suor a encobria, colando o collant ao corpo.
A platéia, dopada, aplaudia.
Todas as luzes acenderam.
Saiu sem ouvir nada, sem ver nada.
Lavou o suor, o sangue, a alma.
Deitou-se para descansar.
Sonhou que era uma borboleta.