Agonia de um ser vivo
Os olhos esbugalham e as pálpebras não fecham, como num espasmo enxergam sem querer as cores e formas indistinguíveis que se movem diante de si. As pernas tentam inutilmente caminhar e não conseguem, não conseguem como se tivessem perdido completamente a significância, o chão esvaído e a queda incessante ao abismo a puxar a matéria à escuridão e ao limbo temíveis. Sacode, como um louco ou imbecil as balança para frente e para trás tentando convencer a si mesmo de que ainda é capaz de andar, de que o aprendizado tortuoso infantil, a dor de começar a mover-se sozinho, não fôra em vão. O deslocamento no entanto não ocorria, ele estava parado e nunca se movera tanto como naquele instante estático. Os braços batiam com força impetuosa como jamais tivera coragem de bater em ninguém embora a vontade lhe arrebatasse o espírito, batia agora sem temor e como um covarde, ainda, covarde que luta por si próprio apenas por não ter a capacidade de sucumbir. A boca não mais pode expirar e, com as narinas, abre-se largamente, entregue ao instinto de preservação vital de si tentando inalar o ar que não entra e sente o líquido salgado atravessar-lhe o pescoço e preencher-lhe os espaços, sufocando-o, a mente incapaz já de pensar, os membros quase entregues ao cansaço insuportável, a luz tornando-se menos e menos intensa, apagando-se as cores, giram bolhas em torno de si, inala mais instintivamente, sente trancarem agora as narinas, a boca é uma cavidade imprestável, os olhos esbugalhados não lacrimejam nem fecham e, então, ironicamente, como se lhe pregasse uma peça, o movimento sutil ondulatório lhe faz emergir por alguns instantes à superfície onde o corpo ainda se contorce descobrindo definitivamente que o ar não lhe pode mais percorrer e dirige ao infinito enfim o olhar ainda uma vez com uma única lágrima salgada antes da imersão sem volta.