"Porque as pessoas têm que jogar tão baixo! Urgh! (sic)"

"Porque as pessoas têm que jogar tão baixo! Urgh!"

Escreveu recentemente uma criaturinha, jovem, louquinha, a quem amo como a um filho.

-Que você acha T-Rex? - pergunto.

Rex levanta sua idefectível sobrancelha, pousa delicadamente a xícara de chá Twinings, na versão "Earl Grey", e responde entre uma e outra baforada de seu cachimbo de espuma do mar, olhando pela janela de sua biblioteca, onde o sol da tarde imprime um tom ligeiramente dourado às paredes revestidas de carvalho:

- O fato, minha cara, é que vocês humanos sempre encontram um motivo para "descer", ou como disse seu jovem amigo "se jogar". Vocês desceram das árvores, traindo sua ancestralidade antropóide; viraram bípedes e desceram a montanha em busca do mar. Daí em diante, espalharam-se pelos quatro cantos da terra, consumindo, como lagartas, tudo o que vêem pela frente. Os humanos descem por que isso lhes é mais fácil que a subida, quase sempre. Numa inversão completa de valores, para "subirem na vida" materialmente, podem descer, ou "se jogar" aos maiores abismos da falta de vergonha, de compostura, de pudor e de bom senso.

E completa, pensativo:

- Aliás, bom senso é o que lhes falta primordialmente. São tão "espertos" que confundem isso com sabedoria. Você já reparou que os sábios nunca são "espertos"? Não o são absolutamente. Abrem mão das vantagens passageiras visando coisas mais valiosas que o imediato. Os "espertos", ao contrário, cometem "espertezas" visando a satisfação imediata dos sentidos, abrindo um abismo onde fatalmente cairão, e não sozinhos.

Se jogar para baixo é a tendência natural do ser humano. É necessária muita força de vontade para resistir ao impulso de "se jogar" baixo, cada vez que se deseja alguma coisa, ou alguém. É preciso sublimar os desejos inferiores, coisa que vocês, humanos, nem sempre são capazes de fazer.

Batendo o cachimbo na borda de seu cinzeiro de prata lavrada, olha para mim com indisfarçável ironia e dispara:

- Que dizer mais? "Se jogar" baixo é coisa em gosto nos dias humanos que correm, as pessoas não tem mais pudor de fazê-lo, pelos motivos mais pueris. Basta o desejo carnal, a libido exacerbada, o apetite sexual descontrolado para que pessoas sejam vistas "se jogando". Um tinir de moeda sobre a mesa faz com que as pessoas mostrem suas faces lupinas, que guardaram escondidas por anos. Experimentem morrer, os parentes ricos, e compareçam como fantasmas sutis aos seus próprios velórios, acompanhem seus familiares a distribuição do espólio...que surpresas desagradáveis terão ao verem que valiam tão pouco! Quase o mesmo valor de seus bens.

- Nossa Senhora! T-Rex, você está generalizando, nem todo mundo se comporta assim.

Ele sorri, os grandes dentes brancos aparecendo, assustadores.

- Evidente que não. Sentimentos são gerados por sentimentos, a semente é sempre o humano que a planta. Em vida, esses tais parentes ricos, jamais deram senão as mais cabais provas de que valiam o que tinham. Faziam sentir o peso de seu ouro, que desejam receber depois disso?

Chora-se mais e melhor nos velórios pobres, onde o indigitado defunto nada teve em vida para dar senão seu tempo, sua atenção, sua paciência, seu coração vazio de outros valores que não os da alma. Nada tem a deixar como herança, não é alvo, portanto, dessa cobiça e recebe as lágrimas sinceras de quem o amou.

- Mas, por que você está falando em velórios, Rex? - pergunto eu, intrigada.

O grande Tiranossauros Rex, acomoda-se em sua poltrona Tudor, alinha o robe e, removendo um imperceptível grão de poeira da superfície de seda, diz, sem me olhar nos olhos:

- A morte é a última fronteira da realidade e é dali onde poderemos avaliar até onde e o quão baixo "nos jogamos".

- É isso ai, Rex.

- De fato, é isso. - responde ele, baixinho.