UMA DOR QUE NÃO SE CALA
Sinto-me como uma folha seca perdida no tempo e no espaço. É como se os meus pés nunca tivessem tocado nesse chão. Chao escorregadio de lama, dejetos humanos, sangue e suor!
Está chegando o fim desse corpo mortal. Mas a minha vida fluirá para sempre nas veias dessa terra.
Queria como um ultimo alento ver um dos meus filhos, mas não sei quem são e nem onde eles estão. Foram arrancados de mim enquanto eu os amamentava. E o meu peito foi cedido para alimentar os filhos daqueles que me tratavam como animal.
Uma densa neblina cobre os meus olhos, já não sei se é dia, já não sei se é noite. Todavia as lembranças continuam vivas da minha mente. Tão vivas como o olhar lascivo daqueles que violaram o meu corpo pueril e corromperam a minha dignidade de mulher; tão vivas como estalo do chicote no meu lombo e no lombo dos meus irmãos; tão vivas como o sangue dos inocentes que mancharam esse solo; tão vivas como os cantos de lamentos e de dor que se ouvia nas senzalas.
Lembro-me com detalhes de tudo que me aconteceu naquele trágico dia, em que fui arrancada do seio da minha pátria, para ser brutalmente violentada e escravizada nessa terra. Mas do que vale a minha indignação e a minha aclamaçao por justiça, acaso isto agora mudará o rumo da história?
Sou apenas uma negra velha no leito da morte.
Mas ficam os vivos, os herdeiros da dor. Oxalá que eles não se intimidem, que unam suas forças e lutem com bravura. Para que as gerações futuras não sintam no lombo o peso da cor.
Estou indo. Quem chorará por mim? Quem velará o meu corpo? Isto também já não importa. O fardo da dor, das humilhações e das injustiças já não pesam sobre mim. Parto feliz, a minha esperança nao morreu junto com os meus sonhos. Sinto que Nosso Senhor me espera de braços abertos.
A morte deu-me a carta de alforria. Sinto-me livre! As correntes de aço não conseguiram prender a minha alma!