A FORÇA DE UM SEGREDO

Andava todas as manhãs pela orla da praia. Algumas pessoas tornaram conhecidas, não pelo nome, mas pelos hábitos observados por muitos anos. E intimamente sabia que se tornara seus conhecidos pelas mesmas razoes, sem, no entanto, terem trocado uma única palavra. Eram amigos silenciosos que compartilhavam os mesmos gostos, os mesmos horários, a mesma manhã e a mesma praia.

E assim por muito tempo transcorreu a vida. As alterações, raras, diga-se de passagem, provinham de um visitante que resolvia parar ali bem perto daquele quiosque, cuja especialidade, mais do que o capricho nas batidas, era a delicadeza com que Seu Jordão tratava daquele papagaio.

Godofredo, beirando uns 30 anos de praia, era realmente conhecido. Pessoas que vinham passar um final de semana ou feriado prolongado faziam questão de visitá-lo. Corria à língua solta que Godofredo era capaz de falar em três idiomas, embora nunca fosse visto em tão elevada “sapiência”, o fato é que aquele quiosque vivia abarrotado de fregueses. Era chato e ao mesmo tempo gratificante aquele quiosque. Chato porque nunca fora visto sem fila. Filas tão longas que era conhecida como a bicha do Jordão. Referência que só deixou de ser encarada como ofensiva, porque certo Manuel, português de Coimbra, esclareceu que bicha em seu país significava fila, o que para muitos causou certo alívio, pois até antes desse esclarecimento, Seu Jordão foi motivo de olhares, digamos, desconfiados, insinuadores. E gratificante porque sua batida era realmente maravilhosa, conhecida até noutros estados. Dizia ele que havia um segredo e que esse segredo só seria revelado quando morresse. E não é que alguns começaram a fazerem apostas para esse dia chegar, somente para saber do tal segredo.

Transcorridos muitos anos, crianças se tornaram pais, pais em avôs. Casas sumiram, prédios apareceram. Feiras diminuíram, mercados e sacolões aumentaram. E aquele quiosque continuava lotado mesmo com a colocação de uma comanda eletrônica e a ampliação do espaço e mais funcionários. Mas continuava lotado e o segredo era segredo.

Mas naquele fim de semana o dia amanheceu nublado, o mar bravio já fizera uma vítima e o quiosque estava fechado. Rapidamente a noticia se espalhou: Seu Jordão, homem por muitos anos ali visto e querido por todos, resolveu procurar outras dimensões. Naquele dia não acordara. Era o fim de uma era. Lamentos foram expressados, lágrimas derramadas, flores endereçadas até que alguém se lembrou do tal segredo.

Perguntada sobre o tal segredo, a esposa disse que de nada sabia. Os filhos nunca ouviram sobre tal coisa. Até para Godofredo foram perguntar, e, claro, o papagaio ficou mudo, nem uma palavra disse. Houve gente que tentou pegá-lo pelo pescoço para fazê-lo falar à força, e, de novo, nada, nem uma palavra.

Seu Jordão foi sepultado, o papagaio sumiu e um bilhete encontrado pelos novos donos do ponto, dentro do caixa, melhor, num fundo falso do caixa, trazia duas recomendações para se ter sucesso no negócio: 1- Para se ter sucesso no negócio crie um segredo porque a curiosidade faz o resto e 2- Godofredo não é um papagaio, é uma papagaia......

silvio lima
Enviado por silvio lima em 26/08/2009
Reeditado em 26/08/2009
Código do texto: T1774842
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