UMA ESTAÇÃO. ÚLTIMA ESTAÇÃO.
 
Eu me sentei no banco frio de cimento, exposto ao semi relento de uma manhã fria de julho. Com os olhos fechados, respirei fundo por um momento, sentindo o ar gelado penetrar em minhas narinas, já queimadas pelo vento, e invadir meus pulmões.

Abri os olhos e olhei ao redor. Dezenas, não, centenas de pessoas perambulavam pela plataforma, esperando, embarcando, desembarcando de e para vários lugares. Era uma Babel de trilhos, fumaça e cheiro de borracha queimada que chegou a me deixar tonto.

Abri meu caderno, aquele que sempre carrego comigo, no caso de um surto de inspiração me abater de repente, retirei uma caneta do bolso da camisa e olhei a folha branca.

Eu esperava que palavras singelas escapassem de meus dedos e formassem uma carta, talvez um pedido de desculpas a alguém a quem eu tivesse causado algum mal. Esperei.

As linhas de um azul muito claro que formavam as pautas magras no papel quase amarelado me encaravam, questionando minha capacidade, minha habilidade em formar aquelas frases que tanto queria dizer, mas não tinha coragem nem mesmo de formar em minha mente.

Eu sentia a urgência me apertando o coração, pois via, olhando a plataforma por cima de meus óculos sujos de poeira, que um número cada vez maior de pessoas se aglomerava perto de mim. E ao mesmo tempo em que uma necessidade quase insuportável de perdão tomava conta de meu corpo, as linhas amareladas insistiam em não se deixar preencher por minhas palavras incertas.

 Mas de repente, como que extenuadas por meu esforço incontrolável, as pautas se deixaram, por um momento, macular pela ponta de minha caneta, que começou:

“Minha Amada Luna...
 
Mas enquanto a tinta preta começava a se grudar na página esbranquiçada, um apito se fez ouvir ao longe. Eu soube naquele exato momento que era o trem que eu estivera esperando todo este tempo, sentado naquele banco frio de cimento, naquela manhã gelada de julho.

O trem do meu destino que, afinal, não me deixaria fazer o que achei que faria, antes de sua chegada, antes que o frio congelasse meus dedos em carne viva.

Fechei os olhos mais uma vez e respirei fundo. E uma vez mais o ar gelado invadiu meu corpo, fazendo-o arrepiar-se por um momento. Soltando o ar lentamente pelo nariz, guardei a caneta de volta no bolso da camisa e arranquei a folha amarelada em que começava a escrever minha carta, meu pedido de perdão para a eternidade.

Levantei-me, segurando minha pasta preta com a mão direita e olhei para o horizonte, cortado por duas linhas frias de ferro, por onde vinha, inexorável, o trem que me levaria para a última morada.

Suspirando mais uma vez, deixei a carta sobre o banco gelado de cimento e caminhei na direção da borda da plataforma, embrenhando-me no emaranhado de almas que esperavam, assim como eu, seu destino.

Espero, ainda hoje, que aquelas palavras que não cheguei a escrever tenham alcançado seu único destino, e que a mensagem que não foi escrita possa ter sido compreendida.
 
290709


DESAFIO PROPOSTO E ACEITO PELOS AMIGOS DESAFIANTES:

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ALEX RIBEIRO:
Fábio Codogno
Enviado por Fábio Codogno em 29/07/2009
Código do texto: T1726601
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