A FESTA DOS DIAS

Flutuava em júbilo à comemoração. Por vezes o coração surpreendia-lhe pela súbita alegria. "Tolice!"- repetia depois. Mas o incômodo da felicidade tola intrigava toda a lógica que a razão - como engano - queria causar-lhe. Havia sim razão para alegria. Havia espaço para alegria e a tolice que nela fossem ver nada representava por saber, por estar um passo a frente dos lábios que se abririam e lhe chamariam de tola. O espaço como algo oco; debruçando-se nele não havia abismo, nem desespero apenas o toque e o debruçar seguinte.

Saciando, com alguma pena, a língua que num movimento lento diria da tolice sua, diz pra si mesma que a razão é Sumatra.

O encontro com Sumatra era razão para comemorar. Após tanto tempo o retorno não era uma espera nem nada mais que um olhar furtivo pela janela, uma estrada sinuosa que não existia ao transpassar os vidros, a poeira espessa de um deserto que também não estava ali, era simplesmente o dia.

Por mais que não se importasse, o calendário tornara-se companheiro constante e ao despedaçar uma parte milimétrica do papel a cada dia transcorrido, no ato de devorar o tempo, os dias passavam a flutuar e como borboletas, em razão de sua tolice - para ressaltar que não desvalorizava a opinião de quem dizia - e com uma rede iniciava suas buscas durante as longas noites. Posteriormente, bem guardadas em vidros de conserva, definhavam lentamente até que a espera não houve no dia encarcerado pois agora inexistia o mesmo. O pó não preocupava pelo fato de os vidros, apesar da lentidão, se encherem mais rápidos do que imaginava. Quando houvesse muito daquele composto, quando o tempo tivesse se encarregado de fazer pó dos dias, misturá-los-ia com água e ingerindo seria recordar.

Quando do dia da comemoração, organizou a festa.

Serviu os pedaços do dia anterior sobre um prato vermelho que pintara para a ocasião, para beber o composto. Brindaram ela e Sumatra que em fim chegara. Sumatra ao restar apenas o oco pediu-lhe um beijo e ao beijá-la, milimetricamente, despetalou sua pele de papel, ela transformava-se na massa de papel e saliva que Sumatra consumia de manhã.

Devorados e saciados, a comemoração continuou. Anos transcorreram; os dias em conserva compactos sob a terra, a massa decomposta que se formava carregada de fungos adubou o cão que lambia os restos do chão. E o cão também foi feliz.