- Antessala -
- A Maçã Mordida -
1.
"Sans l'ombre d'un doutre", um problema de palavras cruzadas havia me levado a consultar alguns de meus diários - Sete letras -na- Vertical -C-a-l-i-b-a-n-, Entidade mitológica popular que designa o mal, na principal obra de poemas pertencente a Álvares de Azevedo. Enquanto o lápis riscava o papel tomei outro gole do café, e cruzei as pernas, não fazia muito tempo que eu havia deixado a estação para matar o tempo com as palavras sentado ali sem pensar em exatamente nada de importante, ao certo tinha em mente o que poderia me levar a consultar os diários novamente.Ao descruzar a perna senti alguma coisa tocar meu pé, quando olhei vi que era uma maçã mordida, - "Desculpe" - Disse uma garota caminhando em minha direção, eu sorri e peguei a maçã, -"Deixei cair, sempre me..." - "Tudo bem...", no mesmo instante quando ergui os olhos para ela, alguma coisa pequena me fez fechar o olho esquerdo, estendi o braço e entreguei a maçã, esfreguei o olho com o dedo, mas o cisco continuava ali, insistentemente, tentei piscar, o olho lacrimejava, - "Se eu fosse você não esfregaria o olho com força", disse a garota, - "Conheci um sujeito que ficou parcialmente cego, porque esfregou o olho, havia um grão de areia no olho dele". - "Acho melhor eu ir lavá-lo... Sabe onde fica o banheiro?", - "Sei sim... Venha, eu te levo".
Ela me levou pelo braço, eu não conseguia ver praticamente nada, estava sem os óculos, alguns vultos passavam por nós, as pessoas estavam ofuscadas pelo sol forte. - "Eu espero aqui fora", - "Obrigado!" Eu entrei, o banheiro era bem grande, deixei o óculos na pia e baixei a cabeça abri a torneira, com a mãos em concha joguei água no olho, em seguida ergui a cabeça e tentei abrir o olho com os dedos em pinça, o olho estava vermelho, ouvi alguém acionar a descarga na cabine atrás de mim, não virei para olhar, quando a porta se abriu continuei a me olhar pelo espelho, no mesmo instante me virei apavorado, não pensei que tinha visto o que tinha visto, a criatura era pequena, mas tinha longos braços e uma corcunda com ossos saltados, a cabeça era disposta para frente, com olhos grandes amarelados e um nariz afundado, usava uma camisa que mais parecia um trapo preso por um cinturão um tanto acima das perninhas estreitas de calça jeans os joelhos nodosos saltavam por rasgos na calça. A criatura aproximou-se da pia e abriu a torneira, lavou as mãos e saiu fechando a porta, peguei os óculos e sai, o olho estava ardendo e semiaberto, mas mesmo assim sai assutado, talvez mais alguém houvesse visto a criatura, a garota deveria tê-la visto.
- "Melhor?" Perguntou ela quando abri a porta. - "Você viu?" Perguntei assustado. - "Vi o que?". - Aquela... Aquela coisa que passou aqui..." - "Coisa?", - "Sim, meio esverdeada, cabeçuda, estranha", - "Ah,... Você não é daqui é?", - "Como assim daqui?", - "Da nossa..." Ela rodopiou, - "Olhe ao redor não verá grande diferença...", e para meu espanto não havia, na estação onde antes eu estava cercado por gente, somente por gente, estavam criaturas diversas estranhas, que misturavam-se ás pessoas que caminhavam calmas como se não se importassem. - "De onde vieram essas... criaturas?", - "Sempre estiveram aqui... Só que você como grande parte dos outros não podia vê-los...", "E porque agora eu posso ver?", - "Você..." Ela ergueu a maçã, - "Você tocou a maçã".