HISTÓRIAS DO OUTRO MUNDO
Contar histórias do sobrenatural sempre fez parte do imaginário brasileiro; o radialista Almirante, nos tempos da Rádio Nacional, mantinha um programa desses que era um sucesso de audiência, os mais velhos daqui hão de se lembrar:”Incrível,Fantástico,Extraordinário!”,pronunciado assim mesmo,com voz cavernosa,ás desoras.Minha mãe não perdia.
Este que vou narrar aconteceu lá pras bandas de Morro do Chapéu, pacata cidade serrana do sertão baiano,onde o clima é tão frio que faria inveja aos gaúchos.Há algum tempo se falava que ali pousavam discos voadores;não sei,nunca vi nenhum e até hoje nenhum ET quis me abduzir,provavelmente com medo de ter que aturar minhas estórias.
O certo, como me contaram,é que um viajante,naquela época,década de 50,chamado de “cometa”,vinha de carro por uma estrada vicinal,levando as amostras dos seus produtos para tomar os pedidos do comercio local;ele atendia a região do São Francisco e adjacências.
Chovia como Deus mandava.Ele dirigia cautelosamente,naquelas estradas de macadame,cheias de curvas e lamas; anoitecia,noite sem estrelas,assustadora.
Súbito,ao dobrar uma curva,ele viu a garota;notou o vestido vermelho,num corpo perfeito,que os faróis iluminavam;trazia um xale na cabeça,que de nada adiantava naquela chuva torrencial.Cavalheirescamente,encostou o carro.
-Aonde vai, senhorita?Ela apontou para uma tapera, uns dois quilômetros adiante, onde brilhava uma luz fosca.
-Entre aqui, levo a senhora lá;pode entrar sem susto.
Ela entrou,sentou,tirou o chalé e uma cascata de fios louros emoldurou o seu rosto.
Agradeceu com um sorriso, era muito calada.Ele não insistiu na conversa,receoso de que ela o compreendesse mal.
Chegando á porteira derrubada, perto da casa, ele ofereceu-se para deixá-la na porta do casebre;a casa parecia abandonada;não fosse a fraca luz do fifó,ele acharia que ninguém morava lá há anos.
A chuva continuava pesada.Ele falou:
-Moça, semana que vem terei que passar por aqui; empresto-lhe minha capa e o meu guarda-chuva,não se preocupe,apanho na volta.
Ela sorriu, agradecida, empurrou a porta e entrou na casa.
A imagem da bela garota não saiu da cabeça do viajante; ficou muito contente com a idéia de emprestar-lhe os agasalhos,assim,a veria de novo.
Uma semana depois, ao passar pelo mesmo sítio,parou o carro á porta da tapera e bateu palmas.
-Ò de casa! gritou.Ninguém respondia.
Com o dia claro ele pode ver a grande extensão de terra cercada de arame farpado, enferrujado pelo tempo;nenhum animal,embora houvesse grandes pastos.Bateu palmas novamente,desta vez mais forte.Nada.
Cansado, sentou-se numa raiz de umburana que servia de banco ,acendeu um cigarro e esperou.
Alguns minutos depois, uma velha,muito velha,veio se arrastando detrás da casa;trazia uma lata com água para molhar umas cravinas,únicas plantas vivas do lugar.Assustou-se ao ver o moço;fazia tempos que nenhum vivente aparecia por ali.Ele adiantou-se:
- Bom dia, senhora.Há uns oito dias atrás eu emprestei um guarda-chuva e uma capa a uma mocinha que morava aqui ;deixei-a,aqui mesmo,nesta porta;ela está?
A velha pareceu confusa, mas,falou com rudeza:
-Aqui não mora ninguém há dez anos; desde que a família do patrão foi embora prá Jacobina.
-Mas, amiga,eu vi a moça;deixei meus agasalhos com ela!
-Sinhô, entre.Quer um café?
Ele aceitou. Enquanto bebia um bom café torrado em casa contou sua estória á velha,que o ouvia calada.Quando terminou,ela apanhou uma foto na parede,amarelada pelo tempo,esmaecida pelos anos e com uma rosa vermelha murcha e quase desfeita,presa na moldura.
-A moça era essa?A velha perguntou.
-S-sim, era bem parecida.
-A velha falou, um tom saudoso na voz arrastada:
-Era a filha única dos donos da casa; foi infelicitada á força por um viajante,que a pegou na estrada;era muito bonita.Com receio de voltar prá casa,esperou a noite no mato,noite tenebrosa,com muita chuva e jogou-se em baixo de um caminhão.Os pais nunca se recuperaram da dor;largaram tudo e foram embora;fiquei,apenas para regar as cravinas que ela mesma plantou...
E, num repente:
-Vosmicê quer ver onde ela tá enterrada?Todos os dias levo flores.
Ao chegar no pequeno cemitério,sob a lápide,estava lado a lado,a capa e o guarda-chuva.
Contar histórias do sobrenatural sempre fez parte do imaginário brasileiro; o radialista Almirante, nos tempos da Rádio Nacional, mantinha um programa desses que era um sucesso de audiência, os mais velhos daqui hão de se lembrar:”Incrível,Fantástico,Extraordinário!”,pronunciado assim mesmo,com voz cavernosa,ás desoras.Minha mãe não perdia.
Este que vou narrar aconteceu lá pras bandas de Morro do Chapéu, pacata cidade serrana do sertão baiano,onde o clima é tão frio que faria inveja aos gaúchos.Há algum tempo se falava que ali pousavam discos voadores;não sei,nunca vi nenhum e até hoje nenhum ET quis me abduzir,provavelmente com medo de ter que aturar minhas estórias.
O certo, como me contaram,é que um viajante,naquela época,década de 50,chamado de “cometa”,vinha de carro por uma estrada vicinal,levando as amostras dos seus produtos para tomar os pedidos do comercio local;ele atendia a região do São Francisco e adjacências.
Chovia como Deus mandava.Ele dirigia cautelosamente,naquelas estradas de macadame,cheias de curvas e lamas; anoitecia,noite sem estrelas,assustadora.
Súbito,ao dobrar uma curva,ele viu a garota;notou o vestido vermelho,num corpo perfeito,que os faróis iluminavam;trazia um xale na cabeça,que de nada adiantava naquela chuva torrencial.Cavalheirescamente,encostou o carro.
-Aonde vai, senhorita?Ela apontou para uma tapera, uns dois quilômetros adiante, onde brilhava uma luz fosca.
-Entre aqui, levo a senhora lá;pode entrar sem susto.
Ela entrou,sentou,tirou o chalé e uma cascata de fios louros emoldurou o seu rosto.
Agradeceu com um sorriso, era muito calada.Ele não insistiu na conversa,receoso de que ela o compreendesse mal.
Chegando á porteira derrubada, perto da casa, ele ofereceu-se para deixá-la na porta do casebre;a casa parecia abandonada;não fosse a fraca luz do fifó,ele acharia que ninguém morava lá há anos.
A chuva continuava pesada.Ele falou:
-Moça, semana que vem terei que passar por aqui; empresto-lhe minha capa e o meu guarda-chuva,não se preocupe,apanho na volta.
Ela sorriu, agradecida, empurrou a porta e entrou na casa.
A imagem da bela garota não saiu da cabeça do viajante; ficou muito contente com a idéia de emprestar-lhe os agasalhos,assim,a veria de novo.
Uma semana depois, ao passar pelo mesmo sítio,parou o carro á porta da tapera e bateu palmas.
-Ò de casa! gritou.Ninguém respondia.
Com o dia claro ele pode ver a grande extensão de terra cercada de arame farpado, enferrujado pelo tempo;nenhum animal,embora houvesse grandes pastos.Bateu palmas novamente,desta vez mais forte.Nada.
Cansado, sentou-se numa raiz de umburana que servia de banco ,acendeu um cigarro e esperou.
Alguns minutos depois, uma velha,muito velha,veio se arrastando detrás da casa;trazia uma lata com água para molhar umas cravinas,únicas plantas vivas do lugar.Assustou-se ao ver o moço;fazia tempos que nenhum vivente aparecia por ali.Ele adiantou-se:
- Bom dia, senhora.Há uns oito dias atrás eu emprestei um guarda-chuva e uma capa a uma mocinha que morava aqui ;deixei-a,aqui mesmo,nesta porta;ela está?
A velha pareceu confusa, mas,falou com rudeza:
-Aqui não mora ninguém há dez anos; desde que a família do patrão foi embora prá Jacobina.
-Mas, amiga,eu vi a moça;deixei meus agasalhos com ela!
-Sinhô, entre.Quer um café?
Ele aceitou. Enquanto bebia um bom café torrado em casa contou sua estória á velha,que o ouvia calada.Quando terminou,ela apanhou uma foto na parede,amarelada pelo tempo,esmaecida pelos anos e com uma rosa vermelha murcha e quase desfeita,presa na moldura.
-A moça era essa?A velha perguntou.
-S-sim, era bem parecida.
-A velha falou, um tom saudoso na voz arrastada:
-Era a filha única dos donos da casa; foi infelicitada á força por um viajante,que a pegou na estrada;era muito bonita.Com receio de voltar prá casa,esperou a noite no mato,noite tenebrosa,com muita chuva e jogou-se em baixo de um caminhão.Os pais nunca se recuperaram da dor;largaram tudo e foram embora;fiquei,apenas para regar as cravinas que ela mesma plantou...
E, num repente:
-Vosmicê quer ver onde ela tá enterrada?Todos os dias levo flores.
Ao chegar no pequeno cemitério,sob a lápide,estava lado a lado,a capa e o guarda-chuva.