PREMONICÕES
O escuro sempre foi uma presença incômoda no universo do homem.O medo do Além,talvez nossa herança atávica,nos acompanha desde que tomamos posse da nossa consciência.Criancinhas, temíamos o “bicho-papão”,o velho do surrão,a cuca,o saci,no nordeste,a mula-sem-cabeça,o “eu caio”,as assombrações;a gente não sabia explicar bem o que era,mas,dava um medo danado falar nelas,pensar nelas,ouvir estórias sobre elas.Estórias que as nossas amas,sem nenhum escrúpulo pedagógico,contavam nas horas mornas da noite,naquelas aldeias mortas de interior,a fraca labareda do fifó(mal)iluminando a vasta sala.Aterrorizados,íamos dormir,enroladas nas cobertas,rezando para o Anjo da Guarda.Qualquer barulhinho inesperado,o vento que abria as janelas,um gato que derrubava qualquer coisa,um suspiro,corria a gente para o quarto dos nossos pais,nos aconchegando nos seus braços protetores.
O mais engraçado é que pedíamos por essas estórias;gostávamos de ouvi-las;sentadas nas almofadas ou deitadas nas redes,um beiju de tapioca quentinho da hora,bem amanteigado,uma xícara com chocolate ou leite quente,enquanto os adultos tomavam o bom e forte café torrado em casa e coado nos coadores de pano,acompanhados das petas e avoadores tão típicos da região,ou a delícia do queijo de coalho,derretido nas brasas do fogão a lenha,degustado com mel de engenho.
Nada como os braseiros para acalorar corações,seres primitivos perto do lume,uma doce comunhão familiar.
Noite de ventos,noite de tempestades,resmungava D.Bibiana,nas noites escuras do Rio Grande do Sul,cortadas como uma espada certeira,pelo minuano;Muita escuridão,muito vento,noite má,dizia minha saudosa Tia Albertina,lá nos confins do Nordeste,pedalando sua máquina de costura.Diferentes pessoas,mesmas crenças.Gente temerosa que,aproveitando essa noite misteriosa,o Dr.Sobrenatural de Almeida,aquele “ôlho cego”,vagueando á procura de alguém, levasse consigo alguma alma inocente para o temível e temido “outro lado”.
Nessa noite sem lua,D.Senhorinha,prima distante e vizinha chegada,tomava café conosco e partilhava as conversas,já que o marido,vaqueiro,estava levando um gado para as bandas de Mundo Novo.A conversa esmoreceu um pouco e a vizinha,sentada na cadeira de balanço da minha avó,dormitava um pouco.De repente,soltou um grito profundo;grito aflito,rouco,preso na garganta,como se a estivessem estrangulando.Os olhos arregalados miravam um ponto fixo e um dedo trêmulo apontava para o nada.
Todos se assustaram,minha tia mandou fazer um chá de camomila,D.Senhorinha quase não segurava a xícara,tremendo como vara verde.Acalmada depois de certo tempo contou que viu o marido,nitidamente,tentando lhe dizer alguma coisa,enrolado num lençol ensangüentado.Nessa noite,muito nervosa,dormiu sob o teto da minha avó.
O dia, na roça,começa cedo;mal o sol se levantava no Nascente,homens compassivos bateram á nossa porta para avisar que o marido da vizinha,Seu Zezinho,tinha sido assassinado por ladrões de gado.Trouxeram o corpo,embrulhado num branco lençol,ensangüentado.
Miriam de Sales Oliveira
Enviado por Miriam de Sales Oliveira em 06/05/2009
Código do texto: T1579234
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