Aprazível encontro

Prólogo:

Sobre o inusitado encontro ou reencontro de almas ou espíritos afins Paulo Fuentes escreveu:

"Almas que se encontram jamais se sentirão sozinhas...

Porquanto entenderão, por si só, a infinita necessidade...

Que têm uma da outra para toda a eternidade.

Quando duas almas se encontram o que realça primeiro...

Não é a aparência física, mas a semelhança das almas.

Elas se compreendem e sentem falta uma da outra....

Se entristecem por não terem se encontrado antes...

Afinal tudo poderia ser tão diferente.

No entanto sabem que o caminho é este...

E que não haverá retorno para as suas pretensões.

É como se elas falassem além das palavras...

Entendessem a tristeza do outro, a alegria e o desejo...

Mesmo estando em lugares diferentes.

Quando almas afins se entrelaçam...

Passam a sentir saudade uma da outra...

Em um processo contínuo de reaproximação...

Até a consumação". (Paulo Fuentes).

O APRAZÍVEL ENCONTRO COM LARISSA

Henrique estava em um supermercado situado nas proximidades da Casa dos Sonhos Coloridos e fazia compras para comemorar, em grandioso estilo, o dia dedicado às mães. Ora, ele não tinha mãe há muitos anos. Por que haveria de comemorar tão justa homenagem a quem tanto merecia?

Ele fazia isso em louvor não apenas ao espírito de sua mamãe já desencarnada, mas também à esposa, à filha, às noras, cunhadas, sobrinha, amigas e todas as mães desassistidas, hospitalizadas, esquecidas em asilos, nas ruas e até em suas próprias casas.

Vestindo-se de forma despojada o poeta das ilusões percorria as prateleiras dos frios a procura de um queijo fino que serviria para acompanhar a degustação do Colomé.

O consumidor brasileiro já está habituado ao vinho argentino, ou melhor dizendo, ao vinho de Mendoza. Neuquén, Rio Negro, San Juan e Salta costumam passar despercebidas, mas também são regiões produtoras de excelentes vinhos.

Aqui é inevitável perguntar: qual é a melhor? Mendoza domina, embora já tenha provado bons vinhos das outras áreas. Agora tenho que confessar, o Colomé Estate Malbec é surpreendente, superior a muitos Malbecs mendocinos.

A uma distância de cerca de três metros Henrique percebeu o insistente olhar em sua direção de uma moça muito bonita acompanhada de um rapaz alto, tez branca, de porte atlético.

De uma só visada o autodidata avaliou a menina-mulher: pele morena, idade entre 19 e no máximo 21 anos, 1,62 metros de altura, 50 quilos, 84 centímetros de busto, 62 centímetros de cintura, 89 centímetros de quadris e 52 centímetros de coxa.

Os cabelos tangenciavam os ombros nus. A boca carnuda e os trejeitos do balouçar da cabeça eram a similaridade com a perfeição que sempre sonhara de forma obsessiva em seu voluntário abandono. Curioso e fascinado Henrique resolveu ficar mais perto do casal em constante colóquio. Ouviu quando o rapaz disse entredentes:

— Não precisa você ficar olhando tanto para o velho só porque ele tem uma “barba linda” como você diz.

— Ele parece com meu avô. Não sei o porquê de seu ciúme! Por que não deixa a barba crescer e ficar branca para eu achar linda também? Despeitado! Você está com ciúme de um homem que tem a idade de ser meu avô? Ridículo!

Com a proximidade do poeta das ilusões o casal que se digladiava e entrementes trocava cariciosos beijos e afagos calou-se. Henrique sentiu o perfume da mulher. Olho-a nos olhos e pôde vislumbrar um meio sorriso maroto. O rapaz que parecia um gigante de 1,90 metros de altura desviou o olhar.

Nessa ocasião o autodidata lembrou-se das dicas sobre a aparência que um dia lera em um livro de capa cinza. Pragmético, Henrique, às vezes, não valorizava essas dicas, pois preferia sempre a frugalidade, o simples, o trivial, o básico.

Sozinho, dentro da Casa dos Sonhos Coloridos, andava nu e não se enxergava ridículo. Ao contrário, até os óculos e a aliança lhe incomodavam sobremaneira. Todavia, para quem quisesse melhor usufruir de sua experiência, ele ensinava alguns truques para melhorar a aparência.

HENRIQUE REPLICA, ENSINA E DÁ DICAS SOBRE A APARÊNCIA:

— Vista-se para ser a pessoa mais bem vestida entre todos que encontrará hoje, respeitando a cultura da região;

— Vista-se sempre com sobriedade. Se usar um blazer, não o retire durante a visita a um cliente a menos que seja convidado a fazê-lo;

— Evite usar camisas de manga curta. Elas dão um ar de informalidade indesejável em contatos de negócio;

— Não use nunca calçados esportivos do tipo tênis ou sandálias. Use sempre sapatos limpos e engraxados;

— Se por um capricho da natureza estiver passando por um período com caspa, livre-se dela antes que outras pessoas percebam dando uma boa escovada em sua roupa. Lembre-se: roupas pretas são clássicas, mas expõem demais este problema;

— Sorria de uma forma simpática, mas tenha o cuidado de arrumar os dentes sempre. Procure manter o hálito fresco: nada pode ser pior do que dar uma baforada de mau hálito em quem quer que seja;

— Procure manter unhas limpas e aparadas. Suas mãos serão sempre um ponto de observação importante para quem lhe observar;

— Controle seu gestual e seu tom de voz para que seu diálogo seja agradavelmente percebido.

— Não carregue no bolso um montão de lápis ou canetas, nem mesmo cigarros. Eles podem dar uma aparência de desleixo.

APARÊNCIA PESSOAL DE HENRIQUE

Em recente visita a Brasília, vários conhecidos lhe disseram que remoçou nos últimos cinco anos. Se vida bem vivida remoça, eles estão certos. Acho que estresse, pouco sono e muita atividade são as principais causas de rugas e expressão envelhecida.

O poeta dorme oito horas, tem pouca atividade cansativa e a única fonte de estresse ocasional tem a ver com a disciplina necessária à educação das atividades jurídicas. Quando se está na maturidade, os elogios aos seus feitos escasseiam. Parece que é percebido como natural que o intelectual maduro produza rebentos elogiáveis.

Particularmente, não esperava elogios aos seus devaneios em forma de textos nem sempre compreendidos. Interessam-lhe muito mais os comentários convergentes ou divergentes.

Em termos comportamentais, o elogio mais prezado é saber que há pessoas citando-o nos supermercados e/ou olhando-o com ares de curiosidade mesmo que seja de modo comparativo com outros assemelhados.

Muito cedo descobriu que quando bem aproveitado o lazer é uma garantia de longevidade. O homem só está muito ocupado quando ainda não conquistou um lazer adequado ao seu biótipo, hábito e situação econômica.

Em geral ele fugia de amizades masculinas, principalmente os que se dizem muito ocupados e de mulher com demasiado tempo. Nenhuma dessas pessoas está em lazer satisfatório. A pessoa em lazer é mais civilizada, mais alegre, mais vivaz, mais comunicativa, melhor humorada.

É por isso que planejava diariamente o seu lazer como se fosse ocupação essencial. Considerava-se realizado. Serviu à Pátria por 34 longos anos e havia escrito para ele mesmo desde a adolescência.

Seus raciocínios incompletos, complexos, inacabados pela provação que ora vivenciava ainda não foram encadernados porque se encontra vivaz e ativo para entender não ter chegado, ainda, o momento do esplendor de sua paz.

Henrique é pouco propenso à alegria. A mente tendenciosa à análise não deixa sua alegria crescer além do real. No real complexo a alegria tem que ser fingida. Estava alegre quando não tinha dores ou preocupações desafiadoras. Nunca estava completamente alegre.

Alegrava-o o olhar de admiração de uma menina-moça ou menina-mulher, o elogio pelo visual da barba branca e bem-feita enfeitando o desenho singular do rosto pétreo e, enfim, alegrava-o apenas não estar insatisfeito.

Sua autoconfiança é tão natural quanto ter pés ou mãos ambidestros. Não sentia falta nem a presença deles. Usava-os quando precisava, e eles estão sempre à sua melhor disposição. Henrique nunca teve desafios que ofuscassem sua autoconfiança.

O autodidata Henrique experimentou prestígio em várias fases da vida. Mas, nunca soube tirar vantagens dele. Por algum motivo irracional, nunca soube conquistar ou explorar o pouco prestígio que ainda hoje tem.

A OUSADIA DE QUEM SABE E QUER OUSAR

Quando o acompanhante da menina-mulher se descuidou ela jogou no carrinho de compras do poeta um pequeno cartão de cor rosa, perfumado, com os dizeres:

“Meu nome é Larissa. Sou estudante de Direito na UFRJ. Estou em gozo de férias. O reencontro de espíritos afins poderá acontecer se você tiver interesse em me contatar. Acredito que o desejo e o amor sejam a ponte que o fará transpor as divergências e as vicissitudes existenciais”.

Atônito, Henrique guardou o cartão e se lembrou de um belo livro intitulado Almas Afins. No canto inferior esquerdo da minúscula mensagem de poucas linhas havia um desenho de uma cotovia-de-poupa, também lhe chamam calandra ou calhandra, ao lado do passeriforme o número de um telefone feito como um rabisco apressado.

O livro Almas Afins narra interessantes aspectos da Lei da Reencarnação, do Carma e da Justiça Divina, acompanhando a trajetória de Espíritos afins desde os tempos dos continentes submersos da Lemúria e Atlântida, passando pela 18ª Dinastia do antigo Egito, até chegar aos dias atuais, quando essas mesmas personagens dedicam-se a valiosas colaborações de natureza evangélica sob a bandeira do Cristianismo puro.

O poeta e autodidata afastou-se do casal e volteou uma prateleira. O perfume era, ainda, sentido. Não se passou mais de um minuto quando, movido por um misto de arrependimento e autocomiseração Henrique resolveu voltar ao ponto onde recebera o cartão da jovem bonita.

Debalde foi seu esforço. O jovem casal desaparecera como por encanto. Nada, além do leve perfume, fazia supor ter acontecido o aprazível encontro.