Efeito Kuleshov 7

Sob Meu Controle

Todos no salão aplaudem de pé. O Mago dos Bonecos, como é conhecido, acaba de fazer mais uma apresentação.

Ventríloquos sempre fizeram muito sucesso e com Norton isso não é diferente. Ele e seus cinco encantadores bonecos estão se apresentando em todas as partes: festas infantis, eventos de caridade, parques, circos, teatros e até mesmo em algumas palestras.

É sempre da mesma forma: Norton faz uma apresentação com um boneco, sai de cena e surge com outro. Nunca o viram sem carregar um personagem. Algumas revistas chegaram a publicar que ele não tem vida pessoal, que tudo depende dos bonecos.

Termina mais uma apresentação, dessa vez com seu boneco mais conhecido: O Tapa-Olho.

- Muito obrigado! Obrigado! Você não vai agradecer?

- Não!

- Mas que falta de educação. Veja como todos nos aplaudem de pé.

- “Nos aplaudem”? Você está muito convencido.

- Quem garante que os aplausos são apenas para você?

- Eu pergunto o mesmo.

- Ora! Vamos logo. Não decepcione essas belas mulheres aqui na frente.

Tapa-Olho observa toda a primeira fileira e arregala os olhos com satisfação, arrancando as risadas da platéia.

- E então? Não vai agradecer?

- Agora estou sem palavras. E a culpa é sua.

- Tudo bem, nós vamos embora. Muito obrigado!

Todos voltam a aplaudir animados enquanto Norton abandona o palco e vai para trás do cenário, levando Tapa-Olho e uma grande mala onde provavelmente guarda os outros bonecos.

Um senhor de roupa social se aproxima.

- Muito bom, Norton! Em minha opinião essa foi sua melhor apresentação. Ri do início ao fim aqui.

- Obrigado. Acho que estava inspirado hoje.

- Com certeza estava.

- Vou trocar de roupa e ir embora pra tomar um banho gelado. Esse calor está me matando.

Norton entra em seu camarim e sai alguns minutos depois. Mas ainda segura o Tapa-Olho.

- Ainda está com esse boneco? Por que não o guarda?

- Por que todos se incomodam com isso? Gosto dos meus bonecos. Qual o problema?

- Nenhum. Mas sabe que as revistas já o chamam de “O Louco dos Bonecos”.

- A opinião deles não me interessa e também não deveria interessar a você.

- Só estou comentando.

- Estou indo embora. Não vejo a hora de deitar a cabeça em meu travesseiro.

- Segurando o boneco?

Norton olha seriamente para o senhor, que se intimida.

- Foi apenas uma brincadeira.

- É melhor parar com isso, Santiago.

- Tudo bem, desculpe.

Vários fotógrafos esperam na saída do teatro e assim que Norton bota os pés para fora, inúmeros flashes são disparados em sua direção. Mas ele simplesmente entra na parte de trás de um carro prata e vai embora.

Norton parece cansado, mas ainda segura o boneco. Ele percebe que o motorista o observa através do retrovisor.

- O que foi?

- Posso fazer uma pergunta, senhor?

- Pode.

- Porque o senhor está sempre segurando um boneco? Eu nunca o vi sem...

- Você também? Só dirija.

- Desculpe se...

- Só dirija!

- Sim, senhor.

Norton finalmente chega em casa e vai direto para o seu quarto. Nas paredes há várias capas de revistas de diferentes partes do mundo. Todas elas falam sobre “O Louco dos Bonecos”. Fotos em restaurantes, academias, parques, praças, shoppings. Todas mostram Norton segurando um boneco de ventríloquo.

Ele senta-se em sua cama, pensativo. O boneco Tapa-Olho parece mover-se, querendo se levantar. Ele fica de pé e começa a caminhar até sair completamente da mão de Norton, que cai mole sobre a cama.

Tapa-Olho olha para Norton, com um sorriso no rosto.

- Meu boneco é muito mais interessante.

***

Norton era conhecido por todo o mundo como “O Louco dos Bonecos”. Todas as vezes em que saía em público, estava com um boneco de ventríloquo na mão e ninguém sabia o motivo disso. Era sempre criticado pelos ignorantes que não faziam idéia da verdadeira situação do famoso apresentador e comediante: ele era o boneco, era o controlado. Seria impossível sair na rua sem aquele que o comanda, sem aquele que o dá vida.

Norton não era um comediante comum, era apenas mais uma vítima do... Efeito Kuleshov.

Leandro Freire
Enviado por Leandro Freire em 27/04/2009
Código do texto: T1562751
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