DESAFIO LITERÁRIO - "MEIA-NOITE E TRINTA MINUTOS": Ela
“Meia-noite no meu quarto
ELA vai subir
Ouço passos na escada
Vejo a porta abrir”
Trecho de Menina Veneno, Ritchie e Bernardo Villhena
Entrei num salão grande, no qual havia uma grande mesa de madeira escura e retangular, ao centro. Cadeiras com encosto alto, tudo muito antigo e formal. Na ponta da mesa do outro lado, lugar que eu mal podia ver, lá estava ELA, uma mulher que parecia ser uma de minhas irmãs.
Alegrei-me pelo rosto conhecido. Aproximei-me já sem medo. De onde ela estava, olhei para fora e notei a presença de um homem numa varanda, todo vestido de negro, óculos escuros. Parecia um guarda-costas, sei lá! Impassível. Ela sorriu para mim e sem levantar da cadeira em que estava, apontou um lugar para que eu me assentasse à sua direita, e falou:
- Você demorou. Há muito já lhe esperava.
Embora tivessem exatamente a mesma aparência, tive absoluta certeza de que aquela mulher não era minha irmã.
- Ilusão de óptica, agora? Deve ter sido o vinho... – pensei.
Aproximou seu rosto de mim, segurou meu queixo, abriu levemente minha boca, olhou rapidamente bem lá pra dentro, pronunciou umas palavras que eu não conhecia e disse:
- Estamos todos aqui. Ótimo!
- Como assim: “TODOS”? – perguntei atônita, já sentindo um formigamento de pavor, creio que por causa do gesto inesperado e de seu toque, digamos, “carregado”. E completei:
- O que EU estou fazendo aqui?
Ela olhou-me calmamente e replicou:
-Sim, todos! O general, a médica, a cientista, os artistas, os acadêmicos, os atores, as atrizes, os escritores, as bruxas e as duas bestas – e segurando meu braço com força, virou a palma da minha mão esquerda para cima e, passando a mão fria de baixo para cima ao longo do meu braço, uma única vez, desvendou um desenho que ali, antes, não se via. Uma espécie de código de barras verticais, tatuado em negro. E continuou:
- Estão todos aqui no seu código de vidas passadas. Não os vê? – e sorriu de um modo que a mim me pareceu maléfico. Gelei. Naquele momento queria sair dali correndo desembestada feito cavalo brabo. Lembrei-me de Ernest Hemingway, dos vermes devorando-se uns aos outros. Pensei em Deus. Chamei em pensamento, instintivamente, por Jesus.
Notando minhas reações involuntárias ela prendeu com mais força meu braço e disse arregalando os olhos:
- De onde você pensa que vêm todas essas vozes? Olhe para o relógio! – ordenou de um grito, virando a cabeça para um grande círculo na parede, à sua esquerda. Faltava pouco para a metade de uma hora cheia que eu não pude identificar qual - Em 5 segundos você será parte disto aqui, como todos nós!
No que me pareceu ser uma eternidade, uma janela se abriu na outra extremidade do salão, enchendo o ambiente com tanta luz que ela, tentando proteger os olhos da cegueira branca, soltou meu braço. Então fui sugada pela luz para fora do salão e acordei assustada, meu esposo sacudindo-me o corpo e chamando alto meu nome.
-Ah, graças a Deus! – suspirou aliviado – Tive medo. Desculpa, amor. Sonhei com um homem de branco me cutucando desesperadamente, dizendo pra eu te acordar naquele exato momento, que não tínhamos um segundo sequer a perder pois seria tarde demais.
- Foi só um pesadelo, só um pesadelo...schuuuuuu... – disse eu aconchegando-o ao peito e tentando nos acalmar - Tudo fruto das coisas que lemos.
Instintivamente desviei os olhos para o relógio em cima da cômoda, ao pé da cama. Marcava exatamente meia-noite e trinta minutos.
Desafio proposto por
Isak damasio
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Réplicas dos colegas:
Maith - Numa Noite de Ano Bom
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Suzana Barbi - A Lua
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Flávio de Souza - Criaturas da Noite
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Fábio Codonho - Duelo Imortal
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Josadarck
Michele CM - Meu Nome é Loucura
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Alex Ribeiro - Uma Pequena Ponte
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Nota:
Isso é ficção! Não confundir "autora" com "narradora" :-)