A COR DO CÉU AZUL

ERA mesmo uma tarde muito linda. O céu estava um azul anil sem nuvens... O sol brilhava amarelo, indo para o seu esconderijo, sempre ia para Trombini. O ônibus cara-de-mal surgia na estrada poeirenta.

O poço secou, o rio secou, tínhamos de fugir... A doença alastrava, tínhamos que fugir; algumas famílias iam em caminhões abertos, o bebê ia à cabine com a mãe. Na Estrada, bois magros mortos que não resistiram a praga... a praga saía de Selenápolis, a velha cidade. A bruxa foi parar no hospital. Estava passando mal. Nos corredores, médicos escorregavam nos vômitos. Só havia uma saída. Papai e mamãe só falavam em Roguá.

Chorei quando vi pela janela, a casa se afastar sumindo na poeira da estrada Sem Fim, Outras crianças quando me viram chorar, choraram também... Mas mamãe me consolou falando de Roguá, onde eu brincaria no parque Sisana e papai me falou que quando nós voltássemos todas as pulgas teriam morrido de fome, seis meses depois... Isso parecia verdade porque não teriam nenhum sangue para sugar. A poeira se dissipou e em Luarei eu vi o céu azul anil de janeiro do ano 77. A montanha verde parecia esconder o Roguá, o paraíso, atrás dela, mas papai disse que ele estava muito além... E estava mesmo... há dias dali... Nunca ia imaginar, mas... O velho barreiro resolvera aposentar ali mesmo. O ônibus apresentou problema de motor e dali entrou num ferro velho para nunca mais sair. E dali dias depois nos resgatou o boêmio – um caminhão Mercedes que vinha de nossa Selenápolis. Quando ouvi este nome chorei de novo. Mas as famílias acampadas ali há dias, sorriam ao ver o cara de lata com o nome Boêmio no pára-choque. Seu motorista com cara de cachaceiro, era a esperança das famílias que na carroceria subia dividindo espaço com porcos e bodes. Na primeira freada (o motorista quase mata um pinto) eu caí sobre um porco que me mordeu e eu fui com a mão enfaixada até Florzí...Mas Sansma, não pude ver. A febre queimava todo o corpo e eu não comia nem bebia nada e quando a morte se aproximou minha mãe me apanhou do colchão na carroceria do Boêmio e eu vi novamente a cor do céu azul... Ao ver o mar de Florzí e suas gaivotas brancas, fiquei emocionado e me jogaram em sua água gelada e quando saí não tinha mais febre. E ali achava que estava na Roguá que tanto mamãe falava... E eu me sentia feliz e vi também a felicidade estampada no rosto dos outros que estavam no caminhão... Mas o sol ia embora e o céu já não era tão azul quanto antes. Ele ficava vermelho na direção de Sansma e papai dizia que ele estava em Selenápolis, sim naquele momento estava em cima dela, torrando a terra.

Descobriram pulgões no caminhão e por isso ele era detetizado antes de partir. E ao partir naquela noite de janeiro de 77 eu sentia que ele voltava e essa sensação me fez chorar mais... Eu não queria voltar a Terra da assolação, à Terra dos pulgões, porquanto Florzí já me mostrara que o mundo não era só o Holoiram, meu país de origem.

Agora só via as luzes de Florzí por trás das serras. Parecia o clarão do dia por nascer. Um dia de esperança, um dia no paraíso que era o Roguá... Antes de Passarópolis desviamos para uma estrada de Terra onde um velho na viagem seria enterrado, já estava morto no caminhão. Sem pai, sem filhos e sem esposa, ninguém chorou a morte dele. Eu chorava, mas porque pensava que o caminhão voltava. Que Nada! – dizia papai – é que você estava com febre então não via que caminho o caminhão percorria! – Alguns riam – riam de mim enquanto eu chorava. Papai me convenceu que o caminhão ia, em vez de voltar. Parece que dormi, porque quando abri os olhos já era dia. E acima de mim só uma coisa não mudava desde Holoiram, lá estava a cor do céu azul. Será o mesmo céu de Roguá? Pensava com meus botões...

O caminhão percorria a Estrada de Passarópolis e eu tentei me equilibrar na carroceria para ver até onde o céu ia e vi que ele ia longe de um lado ao outro e ele não mudava sua cor azul...

Atrás do caminhão vinha rápido um carro todo preto e eu comecei a chorar porque nós fugíamos da praga e eu achava que a praga vinha naquele carro atrás de nós, e só parei de berrar quando passou por nós e se distanciou.

O dia seguinte surgiu com os brados e gritos dos moribundos no caminhão. Avistavam os prédios de Tinákia e eu não entendia nada. Nosso destino era Roguá mas via aqueles adultos pulando entre bodes e porcos, comemorando a chegada em Tinákia. Edifícios altíssimos subiam para o céu azul de janeiro daquele que foi o ano mais quente do Campase. O caminhão era um sítio na cidade das luzes e eu...

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Nota: A Bibábria pede desculpa. A historia não pode continuar. O caminhão mergulhou na lagoa de Tinákia desaparecendo por completo. Porcos e bodes boiaram por um dia...

Parece que o contador deixou alguma coisa escrita numa folha que boiou na noite de janeiro de 1977. Não queremos terminar o que ele não terminou.

Tenessee
Enviado por Tenessee em 06/04/2009
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