Herdeira de Iansã

Cada dia é único. Cada sensação só se experimenta uma vez.

Ao acordar, a noite ainda estava lá. Lembrei-me de ti herdeira de Iansã. De tua pele macia de ébano e de teu corpo quente. Caminhei em direção à janela e uma brisa fresca tocou meu rosto. O dia aos poucos perdia aquela camuflagem noturna. Do 19º andar, vi pessoas correndo em direção ao ponto de ônibus. Eram todas tão pequenas em minha imaginação.

Como uma tormenta, a memória trouxe novamente a mente a Orixá dos ventos, relâmpagos e tempestades e, em minha imaginação se agigantava a perfeição. Olhei o lençol na cama desarrumada e, naquele momento criei a cena: a herdeira de Iansã semi-nua enrolada entre eles. Quis sentir teu cheiro, morder teus lábios de pitanga, ou apenas contemplar uma mulher na dúvida de que roupa pôr.

Incomodado pelo tic-tac que compassava e demonstrava a crueldade de um vilão, o tempo quis roubá-la de mim. Quando o relógio gritou violentamente às 6h45m, o sol que vinha timidamente rompendo a escuridão, pôs-se no alto do dia. Era hora. Comecei minha louca odisséia em busca do brilho especial do sorriso do dia, mas as nuvens escondiam o sol que não sorria.

Lembrei-me de ti, de teu sorriso, da tua risada, do teu que tudo, da tua delícia. Tudo isso me fez odiar esse dia e ansiar pela noite. Exacerbei, pus-me estóico diante desse cruel dia. Iansã é meu Orixá, por isso sei que todos me temem, tua herdeira é minha protegida, e hei de conquistá-la. Amo a beleza como a beleza há de me amar.

Dentro de mim uma guerra se instaura, o conflito de tentar descobrir quem é realmente a herdeira de Iansã e, porque consome minha alma como labareda de chama que faz do desejo brasas ardentes em busca de violar teus segredos. Lembrando-me de teus olhos e da viagem que fiz quando neles naveguei, vem à mente uma brisa suave que era pura tempestade, a herdeira de Iansã.

Alienado pela noite, incomodado pelo dia, pois sei que ao escurecer sentarei à mesa ao lado dela, a beleza esculpida em ébano, a herdeira de Iansã. E no fundo de todo este desejo efêmero, algo corta como lança o peito e faz sangrar a necessidade de estar junto, mesmo que separados pela muralha invisível da moral. E tudo que posso fazer neste inside, é esperar pela noite para te ver. Herdeira de Iansã, ao mesmo instante em que me trás medo com teus relâmpagos, trás luz com teus lampejos incessante.

Ley Gomes
Enviado por Ley Gomes em 27/03/2009
Código do texto: T1509107
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