A sombra da dúvida
Não quero me lembrar, mas não consigo esquecer.
Tudo foi muito recente, aconteceu semana passada e eu ainda não assimilei tudo, não consigo acreditar no que vi e sinceramente, não sei responder se tocaram em mim. Mas alguma coisa está diferente. Tenho lapsos de memória recente. Vou para a cozinha e esqueço o que fui fazer. Nessa semana fiquei olhando para o meu prato de comida.
Não sabia que teria que usar o garfo para poder comer. Eu me sinto indigna com essa situação, mas só você pode me ajudar, todos acham que estou louca!
Já tentei conversar com meu marido, mas não adianta, ele debocha. Isso quando ouve, porque na maior parte do tempo diz que não tem tempo para falar comigo. Fala que estou velha e acabada e que nem filhos pude dar para ele.
Ele sabia disso quando nos casamos, era outro, hoje parece mais cruel e mesquinho. Apesar de tudo, tento não ter raiva dele. Depois do que ocorrido, coisas estranhas acontecem quando sinto raiva.
Numa de nossas intermináveis discussões a luz da casa toda oscilou. Um vento gelado passou por ele. Apenas por ele. Foi estranho, porque jamais premeditei uma situação daquela, e mesmo que quisesse não teria poder para isso. Não sou Deus.
Ele se assustou e se afastou de mim. Moramos numa área rural, 30km distante do centro urbano. Nossa casa é rodeada por árvores e estrelas. Era tudo que queríamos no início do casamento, mas essa escolha fez nossa vida virar um inferno. Quando mudamos para cá, coisas estranhas aconteciam, mas nunca dávamos crédito.
Cadeiras amanheciam fora do lugar, quadros surgiam de ponta cabeça e uma determinada vez ouvi passos fortes no nosso jardim. Era noite e ficamos receosos de olhar o que se passava lá fora. Por uma fresta da janela vi um vulto, não parecia ser humano, nem parecia fantasma desses que vemos em filmes.
Só sei que podia senti-lo, e digo: Não era nada bom.
Essas sensações nos perseguiram por todo o tempo. Paravam por uns meses, mas voltavam com força logo em seguida. Tenho a impressão de que somos vigiados.
Certo dia preparei leite com café que o Antônio tanto gosta. Deixei na xícara enquanto ele saia do banho. Fui para a pia lavar a louça e depois de um bom tempo, quando me virei o leite girava com força. Como se alguém estivesse mexido.
Não adianta falar com ele. Fala que faço isso para chamar a atenção. Mesmo quando saí de casa para ir ao supermercado e apareci 42,5km distante de casa, desacordada e sem saber como fui parar lá, ele não acreditou em mim.
Semana passada, no meu quarto – sim, dormimos em quartos separados - acordei subitamente. Sempre deixo a luminária acesa bem fraquinho, mas naquele dia eu esqueci. Enfim, acordei e senti uma presença ruim no quarto. Olhei em direção a parede oposta da janela e vi uma criatura.
Sua cabeça era desproporcional ao corpo e ele era inteiro preto. A textura de sua pele era gosmenta, como um sapo. Seus olhos eram imensos e ao se aproximar de mim sua boca de abriu como uma cobra, 180º graus. Seus dentes pareciam de aço, todos pontiagudos e brilhavam, um brilho azulado. Eu fiquei aterrorizada. Seus passos eram lentos e faziam um barulho nojento. Era como se ele grudasse no chão... Eu gritei, gritei mas minha voz não saia. Estava paralisada.
Tinha consciência de tudo, mas não conseguia mexer uma parte do corpo.Comecei a orar com muita fé, e assim que ele se aproximou de mim eu apaguei. Acordei tarde, cansada e sem me lembrar de muitos detalhes.E sigo assim, não quero me lembrar, mas não consigo esquecer. Não contei nada para ninguém, só para você.
* * *
- Alô, alô...Você está ai?
-Sim senhora! Vamos juntas fazer uma oração para que o mal pare de atrapalhar sua vida! Vamos pedir libertação!
-Obrigada por me ouvir e acreditar em mim. Eu precisava desabafar com alguém.
-Estamos aqui para isso. Se prepare, você é a próxima... Nós acreditamos em você.