O céu de cada um
Subitamente me senti arrebatado para um local estranho e diferente. O ponto em que me encontrava era escuro, mas pude observar focos de luzes não muito distante dali. Percebi (ou foi-me permitido entender, pois imediatamente pude compreender tudo o que se passava) que era o lugar onde vamos após a morte. O extremo onde eu me encontrava era justamente a entrada do lugar, muito sombria e com a presença de várias pessoas num lamúrio triste e dolorido. Entendi logo que eram as pessoas que desejam voltar por saudades dos que haviam deixado para trás, ainda vivendo na dimensão anterior. Porém, era proibido qualquer tipo de contato com o mundo terreno. Na tentativa de fazer o percurso inverso, quanto mais se aproximavam da entrada, que entendi ser ali, mas não podia ver devido à escuridão, sangue lhes saía pelos poros quando se achegavam ao invisível portão. A dor certamente crescia, pois os choros e gritos aumentavam na medida em que tentavam, em vão, sair.
Tive então a certeza de que a volta era impossível e, não por experiência própria, mas por observação, procurei aproximar-me das luzes não muito longínquas na esperança de, já que não podia preencher a enorme falta dos que tinham ficado, matar a saudade dos que já deviam ter, presumi, chegado antes de mim.
Caminhando um pouco já pude encontrar velhos fregueses de meu pai, sorrindo e jogando cartas como faziam no antigo bar do meu querido protetor. A sua aparência era um pouco diferente, o lugar e as pessoas guardavam muitas semelhanças do que eu conhecia antes. Receberam-me com a mesma alegria de antigamente. Como se uma visita querida tivesse chegado sem que esperassem. Mas deixei que continuassem a sua diversão e saí em busca de mais conhecidos. Encontrei um amigo, que havia se suicidado ainda quando eu era adolescente e ele já um adulto. Este encontrava-se mais triste e pude entender que a aflição vinha do arrependimento, não do ato maldito em si, mas de ter deixado toda a sua família no mundo anterior e eles ainda demorarem para chegar. Se encontrava muito só, ele. Lembrei claramente da tristeza dos seus pais ao lado do corpo, mas não lhe disse nenhuma palavra sobre isso, apenas disse-lhe que eles sentiam a mesma falta. Mas que, para consolar-lhe, logo estariam todos ali também.
Pude entender que o ter não existia naquele lugar, todos já haviam esquecido e não se importavam com este termo. Nem mesmo o ser existia, já que a sua situação manifestava-se permanente. Apenas estar era o verbo presente para todos. Simplesmente todos estavam ali. Logo à frente encontrei meus avós, que há muito me haviam precedido e entendi que naquele lugar também se chorava. Os abraços e carinhos foram aqueles reservados para quando alguém muito próximo chega. Ao contrário do que haviam me ensinado anteriormente, aquele não era o lugar de alegrias e satisfação eternas. Muitos dos sentimentos continuavam existindo, como esses que encontrei e até a esperança manifestava-se nos seres.
Ainda no abraço de meu avô, veio-me a idéia que este lugar poderia ser o céu e perguntei sobre o senhor daquele lugar, se era mesmo Deus que os mantinha e cuidava para que nenhum voltasse dali. Diante da resposta afirmativa, expressei que desejava vê-lo imediatamente, que esse era o desejo de todos os mortais e que agora já eu o poderia fazê-lo. Indicaram-me então uma longa fila, com milhares, ou milhões, de pessoas que se dirigiam a monte com uma estrada espiralada de cujo cume vinha uma luz mais resplandecente do que as outras. Entrei na fila sem saber se todos os que eu havia encontrado já tinham estado nela ou não tinham vontade de enfrentar o longo tempo de espera que se apresentava.