O Inferno que me espera
Escrevendo feito Kafka, de formas às vezes lusitana, sem desacato aos irmãos das boas terras:
- O que faz o avião a voar de costas?
- O pior foi pousar na ponte e cair no rio.
- E quanto às pessoas?
- Salvaram-se todas pelas portas de emergência.
- Ficaste aonde?
- Do lado de fora, e voando, e por toda a parte.
- Quem era o piloto?
- Aquele que escreve torto por linhas certas.
Depois de vivida a aventura, sobrevoamos morros e deixamos que os ventos nos levassem, plantamo-nos em planícies, nas terras além do mar.
- Quem cobrará os impostos se todos morrerem no dia do juízo final?
- Sempre haverá alguém a pagar a conta e outro a receber, mesmo que todos morram, o que elimina a última testemunha da história, urge que se preocupe com o agora visto o amanhã não ser computável nas vestes frias do sistema contábil.
- Arre ( e se salve um termo nordestino)! Tu falas difícil e a voz é de pouco alcance.
- Não há voz e nem som no éter. O que escutas são as emanações do que penso.
- Então do lado de cá, se nos alcança qualquer pensamento?
- Sim, somos como antenas ligadas o tempo todo.
- Por que não escuto, então, a mente de todos que nos cercam neste mundo louco a não cessar de girar?
- Tua sintonia e teu eu não comportam as ondas gerais.
- E quem és tu, que me parece sempre amigo, que vem do nada e a ele retorna?
O interlocutor fica sem resposta e me guia pela mão a mais um vôo pelo espaço reiniciando, depois de chegarmos a um tipo de palácio sem tetos ou paredes:
- Quem são aqueles que vês dançando?
Diante de nós desfila uma humanidade em trajes de diferentes matizes, sendo muitos fantasiados de modo grotesco.
- Tenho medo, digo-lhe. – e deve ter sido a pior coisa a dizer. Vi-me sozinho, sem meu parceiro de viagem a caminhar entre rostos desfigurados. Muitos daqueles possuíam mais de um braço, ou perna, com cabeças viradas ao contrário ou cabeça nenhuma. Cada um era um inventário completo de horror e naquele salão rasgado no espaço vi-me obrigado a dançar uma sombria valsa em meio a nuvens ameaçadoras e sombras que ocupavam todo o lugar.
- Caí no inferno?
Sem obter resposta algumas das figuras que me passavam suas mãos, e na falta destas qualquer parte do corpo que fosse palpável ou extensível. Diante da imundice e da sujeira pensei eu uma oração, o que sempre fazia, embora mal.
Uma luz rasgou-se em uma janela pendurada sobre o nada e por ela transpassei vindo a acordar no meio da noite sedento e confuso, guardando na retina e no espírito e sentindo no corpo o cheiro do inferno que talvez me espere.
- Tenha saúde.
Escrevendo feito Kafka, de formas às vezes lusitana, sem desacato aos irmãos das boas terras:
- O que faz o avião a voar de costas?
- O pior foi pousar na ponte e cair no rio.
- E quanto às pessoas?
- Salvaram-se todas pelas portas de emergência.
- Ficaste aonde?
- Do lado de fora, e voando, e por toda a parte.
- Quem era o piloto?
- Aquele que escreve torto por linhas certas.
Depois de vivida a aventura, sobrevoamos morros e deixamos que os ventos nos levassem, plantamo-nos em planícies, nas terras além do mar.
- Quem cobrará os impostos se todos morrerem no dia do juízo final?
- Sempre haverá alguém a pagar a conta e outro a receber, mesmo que todos morram, o que elimina a última testemunha da história, urge que se preocupe com o agora visto o amanhã não ser computável nas vestes frias do sistema contábil.
- Arre ( e se salve um termo nordestino)! Tu falas difícil e a voz é de pouco alcance.
- Não há voz e nem som no éter. O que escutas são as emanações do que penso.
- Então do lado de cá, se nos alcança qualquer pensamento?
- Sim, somos como antenas ligadas o tempo todo.
- Por que não escuto, então, a mente de todos que nos cercam neste mundo louco a não cessar de girar?
- Tua sintonia e teu eu não comportam as ondas gerais.
- E quem és tu, que me parece sempre amigo, que vem do nada e a ele retorna?
O interlocutor fica sem resposta e me guia pela mão a mais um vôo pelo espaço reiniciando, depois de chegarmos a um tipo de palácio sem tetos ou paredes:
- Quem são aqueles que vês dançando?
Diante de nós desfila uma humanidade em trajes de diferentes matizes, sendo muitos fantasiados de modo grotesco.
- Tenho medo, digo-lhe. – e deve ter sido a pior coisa a dizer. Vi-me sozinho, sem meu parceiro de viagem a caminhar entre rostos desfigurados. Muitos daqueles possuíam mais de um braço, ou perna, com cabeças viradas ao contrário ou cabeça nenhuma. Cada um era um inventário completo de horror e naquele salão rasgado no espaço vi-me obrigado a dançar uma sombria valsa em meio a nuvens ameaçadoras e sombras que ocupavam todo o lugar.
- Caí no inferno?
Sem obter resposta algumas das figuras que me passavam suas mãos, e na falta destas qualquer parte do corpo que fosse palpável ou extensível. Diante da imundice e da sujeira pensei eu uma oração, o que sempre fazia, embora mal.
Uma luz rasgou-se em uma janela pendurada sobre o nada e por ela transpassei vindo a acordar no meio da noite sedento e confuso, guardando na retina e no espírito e sentindo no corpo o cheiro do inferno que talvez me espere.
- Tenha saúde.