No mundo corporativo
Pelas águas do rio, o monstro se arrastou, às vezes caindo pela margem, outras vezes enroscando-se em árvores e plantas mortas. Arranhado, ferido e com fome caminhou até um centro empresarial.
Entre algumas árvores escondiam-se cinco prédios enormes; de cimento, vidro e uma grande porção de ferro retorcido. Ele nunca havia visitado aquele lugar, mas sentia que em meio aquelas árvores haveria comida o suficiente.
A falsidade impera nesse tipo de prédio, algum mistério envolve essa gente quando entram no mundo corporativo. Vestidos da armadura profissional, pouco se vê cores e as poucas que ali estão, se perdem.
Ali ficou observando o ir e vir daquela gente.
Muitos sorriam, não eram felizes, sorriam.
Falavam ao telefone, eram sozinhos.
Carregavam maletas e fartos, todos saídos dos mais lindos carros pretos.
Olhando por alguns minutos, percebeu que jamais seria notado, ninguém via ninguém, quem dirá um monstro.
Tudo que é fora do padrão é ignorado, os olhos não conseguem perceber. Aquela gente só é capaz de enxergar o tipo de “vida” da mesma espécie vista no espelho. Árvores não são vistas, plantas também não, peixes, animais, tudo que sair do quadrado de vidro é morte.
Passou a andar livremente. Sentia fome.
Um de seus tentáculos esbarrou mais fortemente em um carro, o alarme disparou, seguranças apareceram, todos de azul marinho, quase uma sombra, curiosos que passavam olhavam, não paravam, apenas olhavam de canto de olho, teve quem não ouviu, estava com fone de ouvido.
Em minutos o dono do carro chega, um alarme destravado e toda tensão do ar passa.
Ninguém viu o monstro, culparam o carro estacionado ao lado.
Sombras, seguranças, olhos, sons, todos voltaram ao lugar.
E ele voltou a caminhar.
Chegou um carro mais preto que os outros, maior do que os outros, mais luxuoso que todos os demais. Acompanhado de escolta, na frente e atrás. O carro parou, dele desceu um homem com ares de poder, quase tão luxuoso quanto o carro, tudo nele brilhava, principalmente os óculos escuros.
A fome do monstro estava maior.
Ainda que com fome, era impossível alimentar-se através dos óculos de sol, não podia captar a falsidade e devorá-la, e nem sabia se aquele homem a tinha, mas todo mundo tem, ela tinha.
Antes mesmo de chegar à imensa portaria, toda cheia de mármores e ouro, dois homens chegaram e tentavam comunicar-se com o tal homem luxuoso. Pareciam não se entender, muitos gestos e movimentos dos olhos, um olhando para o outro e os dois para o um.
Vozes.
― Hoje quero uma reunião ao ar livre. Está um bonito dia para tomarmos sol.
― Claro! – em coro responderam os outros homens, que chegavam. Só ali o monstro já estaria alimentado por dias, mas queria mais. Mais falsidade.
Ao falarem aquele “claro” alguns pensaram o quanto era maldito aquele ricaço e suas manias, e que o ar condicionado era muito mais confortável. Outros ainda pensaram que ficar sentados na grama seria uma ótima forma de voltarem com alergias novas.
“Maldito.”
“Excêntrico.”
“Maluco.”
Os homens saíram sorrindo para chamar os demais integrantes da reunião, eram quatro homens, para buscar outros quatro, dois ficaram a bajular.
O monstro acompanhou cada passo com os olhos, juntos, os oito homens entraram em um único elevador. Comentavam que seria uma oportunidade interessante de conhecerem o presidente mundial da empresa e aproveitarem para tomar sol ao mesmo tempo. Sorriam gentilmente. O monstro olho nos olhos de todos muito rapidamente e sem o menor esforço estava satisfeito, alimentado, cheio, quase explodindo.
Ali do alto dos seus tentáculos, ele via um homem cutucando o jardim com uma caneta, vendo formigas andando de um lado para outro, e via também aquele outro grupo no elevador.
Com apenas um toque de tentáculo em um cabo de energia derrubou o elevador.
Todos morreram. Ele foi em paz.
Novos homens foram contratados dois dias depois pelo tal homem importante, os dois que ficaram foram demitidos, sinal de má sorte.
O monstro voltou para a floresta, nadou no lago por muitas horas, até fazer a digestão completa e então dormiu.