A lâmpada e a tormenta

Galopava, aos trancos e barrancos, aquele atrapalhado e confuso ano de 1970, quando a minha vida virou de pernas para o ar sem que eu nada pudesse fazer para mantê-la no seu curso normal. As pressões que eu sofria vinham de todos os lados e por todos os meios possíveis e imaginários, não dando nenhuma trégua que me permitisse respirar tranquilamente. Estava eu transitando na beirada do inferno, cercado pelas forças mais sombrias que se possa conceber; vendo-me sem saída e completamente só.

Vivendo aquele turbilhão que me atormentava com seu poderoso tridente queimando a minha carne; deitei em minha cama, tentando deixar que o sono me levasse para bem longe daquele fogo que transformava em cinzas a minha alma; não obtendo, porém, o menor sucesso nessa empreitada -infelizmente- pois, Morfeu teimava em não se aproximar, talvez com medo de se contaminar, ficando na verdade, cada vez mais distante...

Horas depois quando senti o meu corpo já amolecido pelo cansaço e pronto para desmaiar, percebi um clarão dentro do quarto dizendo-me, com todas as letras, que a lâmpada estava acesa, envolvendo-me -não bastassem todos os outros- noutro dilema: Iria ou não iria apagá-la? Tendo o sono se aproximado, finalmente, fiquei com medo de me levantar e assustá-lo, fazendo com que desaparecesse pelo resto da noite. Porém, desprovido do hábito de dormir com a luz acesa, resolvi que iria apagá-la, e, apoiando as duas mãos sobre o colchão, empurrei o meu tronco para frente e para cima; mas, para minha grande surpresa -sentindo-me mais leve do que deveria- olhei para trás, instintivamente, espantando-me ao ver o meu tronco deitado na cama e os meus olhos fechados, como alguém que já estivesse perdido em seus sonhos.

Quando olhei novamente para a lâmpada, ela, presa que estava por um fio comprido vindo do teto, subitamente, do nada, sem que houvesse nenhuma janela aberta que permitisse a presença do vento; começou a balançar de um lado para o outro com grande velocidade. Ao mesmo tempo senti que uma mão espalmada em meu peito, empurrava-me de encontro ao meu próprio corpo; enquanto o movimento da lâmpada aumentava numa velocidade muito além da minha imaginação, até fazer com que ela desaparecesse, por completo, da minha visão. Imediatamente comecei a sentir que uma energia fantástica projetava-se de dentro dos meus pés em direção a minha cabeça, como se fosse um carro de fórmula um, com direito a todos os barulhos característicos dessa geringonça. Essa força -quando se aproximava do alto da cabeça- parou, como por milagre, livrando-me de um grande pavor, pois tive a nítida sensação que ela, minha cabeça, seria arrebentada em seu topo. Em seguida, começou a descer furiosamente em direção aos meus pés; permanecendo nesse movimento dos pés para a cabeça e da cabeça para os pés, por um tempo que me pareceu bastante longo, até que, de repente, sumiu.

O meu pensamento, no entanto, prosseguia tentando entender o que de fato estava acontecendo comigo; formulando as mais estapafúrdias e paranóicas teorias que nada explicavam, quando -sem aviso prévio- o movimento recomeçou como se estivesse sob o comando de alguma pessoa, ou que, pelo menos, fosse provido de uma inteligência própria.

O movimento recomeçara, só que desta feita de um lado para o outro do corpo, fazendo-me pensar como seria possível uma velocidade tão grande num espaço tão reduzido. Esse movimento acontecia bem na altura do meu umbigo. Isso me pareceu bastante significativo, considerando que a região umbilical foi para todos nós a única fonte de alimentos, antes de nascermos. Uma outra sensação que invadiu a minha consciência, foi a de ter sido cruzado por essa fantástica energia...

A imagem mais clara que eu poderia passar desse fenômeno, vamos dizer assim, é que o meu corpo era uma pista de pousos e decolagens, onde um avião -com suas poderosas turbinas- acelerava para decolar. Se eu disser que sei quanto tempo durou essa loucura abençoada estaria mentindo, mas, posso dizer tranquilamente: - Depois de passado o furacão fiquei totalmente curado da tormenta que me massacrava.

Além disso, devo dizer a bem da verdade, que a lâmpada sempre esteve apagada; presa no teto e tendo sobre ela -cobrindo-a completamente- um antigo globo de vidro.

Essa experiência mostrou-me, que os mistérios existentes nessa vida são suficientemente complexos, para nos permitir uma entrega irresponsável às afirmações precipitadas e definitivas, direcionando erroneamente as nossas idéias para um determinado sentido, como se a verdade pudesse ser aprisionada nalgum modelo ou formato que nos pareça mais interessante ou, ao menos, mais parecido com aquilo que acreditamos.

Por incrível que possa parecer, essa experiência aliada a outras pelas quais passei, sedimentaram dentro de mim uma profunda descrença e desconfiança nas religiões organizadas, que procuram de todas as formas puxar as brasas para as suas sardinhas. Não acreditar e não aceitar os seus dogmas e conceitos não quer dizer, de forma alguma, que as desrespeito. Me são indiferentes, mas, às vezes, vejo que nelas estão plantados os DNAs da discórdia, da violência e dos conflitos.

Por outro lado, as minhas experiências fizeram nascer em mim uma certeza absoluta que, muito perto de nós, sempre disponível se a desejarmos com intensidade, existe alguma coisa que nos observa -podendo ser até mesmo uma parte superior de nosso próprio ser- que está permanentemente disposta a nos estender a mão, cujo nome não saberia declinar, em virtude de uma completa e absoluta ignorância de minha parte sobre o assunto, mas, que ousaria chamá-la de: Ajuda.

Aimberê Engel Macedo
Enviado por Aimberê Engel Macedo em 30/01/2009
Reeditado em 31/01/2009
Código do texto: T1412302
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