Apocalipse
Estavam por todos os lugares!
Tudo se aquieta na madrugada fria e chuvosa. Aqui e ali um grilo estrila no seu chamado para atrair a fêmea. A grama-sempre-verde muito alta abafa o barulho dos passos. No meio do jardim, a majestosa sapucaia espalha toda a sua exuberância. As suas folhas tenras, róseas formam uma capa cobrindo toda a copa da arvore.
Será que tanta beleza inspirou o poeta Olavo Bilac no seu soneto sobre: A velhice?
Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
A sapucaia de fato havia sido plantada ali, naquele local, no início do século XX. O poeta podia bem ao admirar tanta formosura ter morrido de amores por ela? E assim, todo encantado e inspirado, escrever palavras tão belas e sábias!
Os canteiro de lantanas, maria-sem-vergonha e das sálvias espalham as suas cores vivas de tons amarelados, alaranjados, róseos, arroxeados ou avermelhados. Verdadeiros berçários de borboletas. Abrigam as lagartas, antes de virarem borboletas adultas.
Quanto às lagartas, apesar de comerem partes das folhas, não chegam a causar muitos danos. O que podem causar é um desfolhamento das plantas, todavia, não podem matá-las. O mal é pequeno e as plantas brotarão de novo na próxima florada. Nada na natureza acontece por acaso!
Esses seres alados davam voltas no ar sobre os dinossauros e ainda espalham as suas cores vibrantes por toda a extensão do planeta. Mas, como todo o mudo animal, também estão em extinção.
A natureza pede socorro! O “homo predadoris” está fora do controle. Os poetas, verdadeiros profetas do mundo moderno são esquecidos nas prateleiras das livrarias e bibliotecas! Taxados de anarquistas, visionários pela maioria da população, que em pouco mais de um século predou e depredou o planeta.
O ar para! Nada se movimenta! Tudo se aquieta!
Os passos esmagam os canteiros de gerânios. Queimam e deixam as plantas murchas, enegrecidas.
Não há um único ruído. Até os grilos silenciam! Parece que o medo toma conta de tudo e de todos.
Os passos mortais entram pela mata. Uma arvore cai na sua passagem e o fogo emanado das suas pegadas a destrói. Tudo vira cinza. Pareciam estátuas feitas de mármore de carrara. Não tinham articulações nos membros e no lugar dos rostos: máscaras. Não havia expressão! Tudo contorcia e retorcia. O desumano marcava cada um daqueles seres. Alguns são alados, outros arrastam por sobre a terra, outros andam, mas não há humanidade em nenhum deles.
De repente, um a um aparecem! Assustadores! Passos, marcados retumbam na noite. Saem dos sepulcros! Almas imortais procuram por seus algozes.
A população se esconde. O medo corrói a todos.
Sabiam pela história contada pelos antepassados o perigo dessa noite.
O cemitério tinha sido profanado. Ladrões souberam do testamento do coronel. O miserável queria ser enterrado com todo o seu dinheiro e as suas jóias. Entram e saqueiam a sua tumba. Levam objetos de arte dos outros túmulos. Não dão ouvidos a profecia!
A sombra do mal espalha por toda a humanidade. Bons e maus se misturam.
Dos túmulos os gemidos, se tornam gritos. As paredes criam vida.
As pedras rolam pelas ruas. Nas igrejas os carrilhões emudecem. O vento cala. O rio imobiliza a sua correnteza. Os animais se escondem nas tocas. O homem assustado se mortifica.
Anjos, demônios! Príncipes, plebeus! Santos e pecadores! Virgens e prostitutas! Agora se tornam um! Gemidos sobre-humanos marcam o inferno!
O ar se movimenta, o céu se movimenta, o mar se movimenta, a terra se movimenta. Tudo se une. Tudo se esvazia e se corrompe! A vida humana se esvai.
Silêncio!
O céu e a terra exterminam o verme! A natureza agora pode ficar em paz!