Quando Escutamos Vozes...
- Alguém abra a porta!
Novamente batem palmas. Reforço minha ordem a plenos pulmões:
- Alguém abra a maldita porta!
Dou por mim que estou sozinho. Estúpido. Todos saíram. Tão envolvido fiquei com minha obra literária que nem me recordo da solidão. O vazio da casa, as paredes descascadas e algumas teias de aranha que tento afastar parecem-me naturais. Da janela da sala posso observar quem bate. Estico o pescoço entre as sombras tentando não ser visto – seria mais fácil ignorar um pedinte inconveniente. Vejo um vulto que me parece familiar. Aperto os olhos que precisam de óculos para conferir a estranha figura. Afasto três passos para trás terrificado. Lembro da mesma sensação horrível de ouvir chamarem meu nome, quando criança, e de verificar que não havia ninguém. Quando escutamos vozes é a morte que nos chama, contavam os mais velhos.
- Não pode ser, não pode ser. – depois de respirar fundo por alguns instantes, belisco meu braço para certificar-me de que não é um sonho. Um suor gélido escorre pela testa. A pessoa insiste nas palmas. Aproximo-me com calma e a figura confere com o meu pior pesadelo: meu pai bate à porta.
- Filho, abra, sei que está aí. Precisamos conversar. Filho! Filho!
Afasto-me andando de costas até ser impedido pela parede. Levo as mãos aos ouvidos até que a voz suma. Recordo então que, todos os dias, à mesma hora, ele costuma voltar e bater buscando uma reaproximação que não faz mais sentido.
Procuro desesperadamente voltar à máquina de escrever e recomeço o conto sempre pelo mesmo parágrafo que, todos os dias, desaparece como por encanto dos meus olhos.
- Quero um café. Maria, o meu café! – vou à cozinha e ela se encontra vazia e suja como se há milênios ninguém passasse por ali.
- Não consigo nem mesmo um café na minha própria casa. Que desaforo!
Volto à máquina e penso em meu pai. Refresco a memória e me lembro que ele morrera há anos. Não tenho tempo a perder com assombrações. Procuro um espelho. Todos da casa deixaram de funcionar. Mostram apenas um cômodo vazio. Preciso falar com minha esposa sobre isso. Sinto a sua falta. Por onde andará? Sei que deverá voltar em breve, mas não me lembro quando partiu e nem quando meus filhos se foram.
Não suporto mais viver rodeado por pensamentos confusos. Enquanto reflito, meu pai volta a gritar:
- Filho, abra! Precisamos conversar sobre a sua morte! Abra, por favor. Pare de sofrer!
Ignoro aqueles gritos terríveis e volto à máquina tentando escrever um conto que nunca passa do primeiro parágrafo...
- Alguém abra a porta!
Novamente batem palmas. Reforço minha ordem a plenos pulmões:
- Alguém abra a maldita porta!
Dou por mim que estou sozinho. Estúpido. Todos saíram. Tão envolvido fiquei com minha obra literária que nem me recordo da solidão. O vazio da casa, as paredes descascadas e algumas teias de aranha que tento afastar parecem-me naturais. Da janela da sala posso observar quem bate. Estico o pescoço entre as sombras tentando não ser visto – seria mais fácil ignorar um pedinte inconveniente. Vejo um vulto que me parece familiar. Aperto os olhos que precisam de óculos para conferir a estranha figura. Afasto três passos para trás terrificado. Lembro da mesma sensação horrível de ouvir chamarem meu nome, quando criança, e de verificar que não havia ninguém. Quando escutamos vozes é a morte que nos chama, contavam os mais velhos.
- Não pode ser, não pode ser. – depois de respirar fundo por alguns instantes, belisco meu braço para certificar-me de que não é um sonho. Um suor gélido escorre pela testa. A pessoa insiste nas palmas. Aproximo-me com calma e a figura confere com o meu pior pesadelo: meu pai bate à porta.
- Filho, abra, sei que está aí. Precisamos conversar. Filho! Filho!
Afasto-me andando de costas até ser impedido pela parede. Levo as mãos aos ouvidos até que a voz suma. Recordo então que, todos os dias, à mesma hora, ele costuma voltar e bater buscando uma reaproximação que não faz mais sentido.
Procuro desesperadamente voltar à máquina de escrever e recomeço o conto sempre pelo mesmo parágrafo que, todos os dias, desaparece como por encanto dos meus olhos.
- Quero um café. Maria, o meu café! – vou à cozinha e ela se encontra vazia e suja como se há milênios ninguém passasse por ali.
- Não consigo nem mesmo um café na minha própria casa. Que desaforo!
Volto à máquina e penso em meu pai. Refresco a memória e me lembro que ele morrera há anos. Não tenho tempo a perder com assombrações. Procuro um espelho. Todos da casa deixaram de funcionar. Mostram apenas um cômodo vazio. Preciso falar com minha esposa sobre isso. Sinto a sua falta. Por onde andará? Sei que deverá voltar em breve, mas não me lembro quando partiu e nem quando meus filhos se foram.
Não suporto mais viver rodeado por pensamentos confusos. Enquanto reflito, meu pai volta a gritar:
- Filho, abra! Precisamos conversar sobre a sua morte! Abra, por favor. Pare de sofrer!
Ignoro aqueles gritos terríveis e volto à máquina tentando escrever um conto que nunca passa do primeiro parágrafo...