Medonha transformação

Matei uma mulher esta noite...

Acordei estranha esta manhã, parecia sufocada. Peguei-me apalpando os braços, pernas, tocando meus olhos, lábios, como se estivesse constatando a existência de cada órgão. Permaneci sentada à beira da cama por não sei quanto tempo enquanto olhava atentamente o quarto, o rádio relógio. Fui checando tudo. Cheguei a encantar-me com a cortina branca que sacudia com a brisa na manhã ensolarada. Senti-me satisfeita por estar bem. Tem sido assim desde os meus vinte anos...

...Estava eu parada à beira de uma rodovia. Passava da meia noite chovia muito, os clarões dos raios afugentaram os motoristas da estrada. Exceto o automóvel branco de um homem pardo e sua esposa que assustados com o temporal resolveram encostar por uns instantes. Deram comigo e mostraram pavor quando um clarão me alumiou. Fui logo cumprimentando o casal e pedindo carona. Não portava mala, apenas pequena mochila às costas, o que facilitou que me aceitassem. Estava molhada e pedi desculpas por isso. Eles, sem graça, sorriram e fizeram sinal de que isso não seria problema.

Transcorria tensa a viagem por causa do tremendo temporal, e também por causa da estranha passageira dentro do veículo. Segui calada, e isso causava ainda mais constrangimento aos ocupantes.

Era tudo tão desconfortável que me provocava taquicardia. Tanto que aos poucos algumas mudanças físicas começaram a me inquietar. Senti meus cabelos se arrepiarem devagarinho e, embora tentasse, não conseguia controlar isso. Minhas unhas cresceram num piscar de olhos e os pêlos surgiram nas mãos trêmulas, nos braços, pernas, rosto e peito. Tentei esconder-me do casal dobrando meu corpo para frente, mas quanto mais aflita mais favorecia o surgimento de outras mudanças. Minha boca foi tomando forma animalesca e os dentes aumentaram de tamanho mal cabendo dentro dela, a língua de formato alongado e estreito tinha aspereza ao toque não retinha a saliva que escorria pelo queixo de couro rijo. Senti meu coração pular compulsivamente dentro do peito e rugi quando tentei dizer algo. Assustada, a mulher voltou-se para mim e arregalou os olhos castanhos ao ver o animal no banco de trás. Não conseguiu emitir qualquer som, pois minhas unhas cravaram sua jugular fazendo escorrer o sangue quente que engoli vorazmente. O automóvel titubeou na pista e rodopiou no asfalto molhado, o motorista gritava alucinadamente enquanto tentava frenar o veículo desgovernado. De repente ele foi lançado para fora do carro, estilhaçando o vidro do pára-brisa, quando do impacto contra o guard-rail. Saí calmamente e pus-me a andar pelo acostamento com a chuva fria sobre minha cabeça, relaxada e calma, seguia devagar com passos marcados por um rítimo quase musical.

O corpo todo suado e o coração aos pulos foram entrando em normalidade com a chuva fria que tudo acalma. Tentei falar algo para ouvir minha própria voz e o som era agradável. Meu corpo tinha de novo as formas femininas.

Caminhei. Caminhei sorrindo satisfeita.