OS POETAS NÃO FAZEM POESIAS

A casa não era assombrada, apesar das janelas estarem quebradas, talvez para deixar passar o vento que sempre uivava.
Os miados dos gatos todas as noites davam a impressão de uma criança chorando, isso era a noite toda.
Por causa do mau tempo a porta rangia ao ser aberta.
Eu não tinha medo de ficar lá dentro.
As escadas já velhas com degraus de madeira já podre davam a sensação que existia mais alguém morando ali.
Na parede rachada e pintada de preto tinha um quadro com o vidro quebrado, e uma figura já desfigurada e quase destruída.
Com o passar da vida naquele local, era a nossa televisão.
Nos tempos de tempestade, as goteiras desciam do segundo andar, e rolavam pelas escadas inundando o chão sujo e furado.
No assoalho nós passeávamos livremente a procura de alimentos, como não tinha íamos procurar nas casas vizinhas, e sempre trazíamos alguma coisa para enganar o estômago.
Os relâmpagos, se concentravam na antena de televisão do telhado quebrado, e dava a impressão de que aquilo era um pára-raios.
Quando voltávamos da procura de almoço entrávamos na casa, sentíamos que faltava claridade, e notávamos sempre o movimento de uma aranha que vivia acima da porta.
Eu adorava aquele lugar, ninguém nos visitava.
A luz de vela que as vezes acendiam deixava o pessoal meio zonzo.
As pessoas passavam ao longe, e nem ao menos chegavam perto, e isso nos alegrava muito.
A música fúnebre que saída do fundo do quintal, onde estava enterrado um pianista, fazia com que dançássemos a noite inteira.
Diziam que ali morou um poeta que era muito amigo do pianista.
Diziam também que todas as noites o poeta voltava para rever a casa, eu particularmente nunca vi.
No segundo andar, tinha uma cama onde eu dormia e na parede tinha vários poemas, de amor, guerra e muitos outros, até de morte eu li, e foi o que mais me agradou.
Todas as noites, o pessoal ouvia as vozes do pianista e de um poema de morte que contava a história dos antigos moradores.
Hoje, a casa não mais existe, uma imobiliária a demoliu, o pianista não mais escutei, a voz do poeta não mais ouvi, e os poemas colados na parede do segundo andar, foram destruídos, e por isso tivemos que fugir, não valia a pena lutar contra eles.
Aquela aranha, viúva negra, é a única lembrança do local, foi a única que conseguiu escapar do progresso.
Ela mora e vive nos meus ombros e me protege sempre quanto é possível. A noite nós sentimos um vazio é a falta daquela casa mal assombrada, única moradia segura que alguém da minha espécie pode encontrar
luiz machado
Enviado por luiz machado em 20/12/2008
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