Efeito Kuleshov 1
Encontro Marcado
Um rapaz, na casa de seus 20 anos, está na frente de um espelho, terminando de se arrumar. Ele passa perfume com um enorme sorriso estampado em seu rosto.
- Hoje é o meu dia! Júlio, você se deu bem.
Ele chuta de leve acidentalmente uma caixa de sapatos perto da cama, mas nem liga muito para o ocorrido. Sai do quarto, desce as escadas, bem arrumado, pega o celular e o molho de chaves sobre a mesinha de centro da sala e sai.
Caminha pela calçada movimentada, já com o celular no ouvido, parecendo que acabara de ligar para alguém e está esperando alguma resposta. Ninguém atende. Ele pára no sinal junto com mais algumas pessoas e uma ambulância passa chamando atenção com sua sirene. Na mesma hora Júlio se pergunta o que poderia ter acontecido. O sinal finalmente fecha e todos atravessam para seguir seus caminhos paralelos ou entrarem no shopping, onde o rapaz pára para esperar alguém.
Olha pra um lado, olha para outro e parece não ver nenhum rosto conhecido.
- Ela disse que não costuma se atrasar. Já deveria estar aqui.
Vinte minutos se passam e nenhum sinal da tal pessoa.
- Não acredito! Ela me deu um bolo! Só pode ser isso.
Júlio tenta ligar mais uma vez e novamente ninguém atende.
- Que droga! Vou esperar, ela deve estar com algum problema.
Mais dez minutos e ninguém aparece. Aquela já devia ser a 14ª ligação e o pobre sujeito já está preocupado. Só não sabe se está preocupado com a garota com quem deveria encontrar ou com o fato do encontro não ter acontecido como o esperado.
- Era bom demais para ser verdade. É claro que uma garota linda daquela não ia querer nada comigo. Só vou tentar mais uma vez.
Ele nem teve o trabalho de tirar o celular de seu bolso, pois a preocupação não o deixou guardar novamente e depois da 11ª tentativa aquilo não parecia fazer muito sentido. O número é novamente discado como se o rapaz ainda buscasse a esperança de que discara para o número errado durante todo o tempo, mas seria impossível ligar 14 vezes para outra pessoa sem perceber.
- Atende. Atende, droga!
Em outro lugar, o celular sobre um criado-mudo toca insistentemente, mas não é atendido por ninguém. Ele continua tocando por mais algumas vezes enquanto na cama se encontra uma garota morta sobre o sangue espalhado pelo colchão branco.
Júlio perde a paciência e vai embora, guardando finalmente seu celular no bolso e atravessando a rua sem nem prestar atenção no sinal verde para os carros. Ele chega a casa, decepcionado, e corre para seu quarto já arrancando a roupa e ligando a TV.
- Que droga de vida! Tudo tem que dar errado.
Senta-se na cama com os olhos brilhando, mas só não chora porque parece querer provar a si mesmo que não é homem disso. Mas por que ficar tão triste por aquela garota? O que ela teria de especial? Como se não bastassem essas perguntas ecoando em sua mente, ele jura que já a namorou ou pelo menos teve algo com ela. Sabe que os dois nunca haviam nem se encontrado fora da universidade, mas aquilo persistia em sua cabeça.
Talvez tenha sido isso que o fez acreditar que o encontro seria perfeito, que os dois voltariam tarde da noite para suas casas ou nem voltariam, indo direto para um motel. Ele nunca teve tanta certeza de como um encontro seria bom e estava errado. Ela nem se quer havia aparecido.
Algo na TV chama sua atenção. Uma matéria ao vivo sobre duas pessoas encontradas mortas em um quarto. A polícia suspeita de assassinato seguido de suicídio, mas a arma do crime não fora encontrada. Nesse momento ele arregala os olhos:
A polícia e paramédicos se encontram na casa da garota, ela está morta na cama e logo ao seu lado está Júlio, também morto.
Júlio, agora muito assustado, olha para a caixa que havia chutado acidentalmente e se aproxima com medo, abre e encontra uma arma. Ele mal consegue acreditar no que está vendo.
***
Tudo fez sentido naquele momento. Júlio se lembrava da garota porque realmente teve um caso com ela, os dois já haviam se encontrado anteriormente e desse encontro surgiu um trágico fim. Por algum motivo, Júlio a matou e depois cometeu suicídio, mas sua alma havia levado a arma do crime para casa na esperança inconsciente de que pudesse começar tudo de novo. Ele não se lembrava disso, mas a matéria na TV foi a última peça desse quebra-cabeça.
Poderiam imaginar que a garota foi morta por outra pessoa e por isso não foi ao encontro, porém tudo era muito mais complexo e não passou de um... Efeito Kuleshov.