O COMÍCIO

A quinze dias das eleições a cidade fervilhava. O palanque já estava armado no meio da praça e os preparativos para o último comício bem adiantados quando aconteceu o imprevisto.

Magnólia decidiu comparecer e quando a mulher fincava pé, seria tarefa complicada fazê-la mudar de idéia, mas, Abdias Cintra tinha outros planos para depois de todos os rapapés e falatórios. Não seria nenhuma Magnólia que haveria de modificá-los.

Calculara a duração em cerca de quatro horas, talvez um pouco mais. A sua Lalinha certamente haveria de ter paciência para esperá-lo toda cheirosa, a cerveja bem gelada e a cama quentinha. Por nada desse mundo deixaria de esquecer os aborrecimentos e a gritaria dos eleitores naquele colo deslumbrante que o compensaria dos contratempos da canseira de uma noite enfadonha.

O diabo era pensar numa boa desculpa capaz de prender a sua mulher dentro de casa naquela noite, sem nenhum risco de aprontar alguma surpresa desagradável, como por exemplo, a sua chegada imprevista depois de haver começado o comício.

Ele se arrepiou a esse pensamento. Conhecia Magnólia, seria capaz de praticar qualquer asneira quando contrariada. Faria de conta aceitar seus argumentos, aquilo não é lugar para você, só tem homem, discurso chato e eleitores, vou porque sou obrigado! Preferia ficar e divertir-me ao seu lado.

Magnólia lhe mostraria os dentes falsamente conformada, dar-lhe-ia muitos beijinhos toda carinhosa e se trancaria no quarto dos dois para dar a impressão que aceitara de bom grado Abdias deixá-la em casa sozinha.

Mais tarde, quando menos esperasse e a coisa esfriasse, trocaria de roupa para aparecer de supetão no palanque, forçando-o a voltar para casa em sua companhia.

Mais uma vez Abdias sentiu o calafrio raivoso descer pela espinha, daquela vez seria diferente. Armaria tudo muito direito, pensaria nos mínimos detalhes. Se tudo corresse bem poderia marcar presença somente por alguns minutos no comício, arranjaria uma desculpa bem calculada e correria para os braços de Lalinha.

Qualquer assessor aceitaria a nobre incumbência, ficaria de olho, atento à eventualidade infeliz de Magnólia aparecer à sua procura.

Se isso acontecesse, qual o pretexto para justificar a ausência naquela hora de tanta importância para angariar votos? Como haveria de explicar onde dormira, ao chegar durante a madrugada seguinte?

Debatia-se nesses dilemas difíceis de resolver quando o relógio marcou oito horas da noite. Ansiava por uma saída e ainda não sabia qual. No banheiro da suíte os passos frenéticos da mulher o enervavam, o canto desafinado ampliava o seu nervosismo.

Nisso a filha apareceu na porta do quarto: - Pra onde vocês pretendem ir sem mim?

Abdias encarou-a como um anjo caído repentinamente do céu. Chamou-a carinhosamente para o seu lado: - Amandinha, anjinho do papai, ajude-me a convencer a sua mãe a ficar em casa. Comício não é lugar de mulher!

A menina o encarou com desconfiança, foi até o banheiro e voltou acompanhada por Magnólia: - Vá se aprontar meu docinho, ande logo. Precisamos prestigiar o palanque onde o Abdias vai mostrar para essa gente que somos uma família unida. Vamos ajudá-lo a ganhar com uma tonelada de votos!

Diante de tão forte argumento ele foi obrigado a esquecer os planos para o seu fim de comício.

Deixou a sua Lalinha toda cheirosa e as cervejas bem geladas para uma outra ocasião.

Conceição Pazzola.