Igor, O Rublo Rubro.
Igor era um pequeno gigante russo, conhecido pelos amigos como Rublo Rubro, apelido peculiar que lhe caia bem. Era uma pessoa acima da estatura normal para um latino-americano, assemelhava-se a um europeu proveniente do leste, de aspecto eslavo, não só pela estatura óssea, mas também, pelas demais características físicas. Tinha o rosto cumprido com as bochechas sempre avermelhadas, como se fossem agredidas constantemente por um frio assolador. Nariz grande, mas não despontado, pois acompanhava o desenho de seu rosto cumprido. Os olhos eram caídos nas extremidades, dando-lhe uma feição tristonha que não condizia com o espírito alegre. Era uma pessoa que ousava e não escondia os sentimentos. Seus pensamentos eram ouvidos por todos, pois pensava em alta voz, isso geralmente acontece com quem perde a proteção paterna. Ou, isola-se ou, expõe-se por completo. Em seu caso resolveu se expor. Mãos grandes, dedos cumpridos, ombros largos, com certeza seria um ótimo pianista se a vida lhe sorrisse uma oportunidade. Seus cabelos eram finos, mas não escorridos, rebeldes! Pois sempre estavam expondo-lhe a testa, isso lhe permitiria um desempenho de Bethonven ao piano.
Quando criança na época em que se precisa de uma referência para a formação do caráter, na época em que se agarra a heróis, nessa época crucial de desenvolvimento sócio-moral, faltou-lhe o pai. Num irônico golpe do destino a vida levou-lhe uma figura de luta e desprendimento, talvez essa luta desprendida tenha feito o coração do velho Rublo falhar e parar. Quando se entra na arena, a palavra luta tem um som aterrador. Um combate nunca pode ser interrompido até que um dos adversários caía derrotado, até que o vencedor tenha o sangue do outro em suas mãos, ou até que alguém se renda jogando a toalha, reconhecendo a força do oponente, o qual ditará o caminho do perdedor. A vida era sua adversária, havia levado seu pai e estava esforçando-se para levar-lhe a mãe, que recentemente havia enfartado, mas a mãe Rublo era guerreira como só as mães são capazes de ser, venceu o primeiro round e se preparava para o segundo.
Apesar da vida sofrida era um excelente observador, gozava a vida com observações perfeitas. Dignas de um poeta, sacanas como de um vagabundo. Nascido em um outro tempo certamente seria um Carlito, com maestria de um vagabundo sensibilizaria o mundo, não ousaria ser maior que uma criança, mas zombaria das maiores autoridades instituídas.
Em certa ocasião não conteve seus pensamentos, como de costumes e, fez-se ouvir em meio de quarenta pessoas o que muitos pensavam, mas não tinha peito o suficiente para falar - e peito foi um dos motivos do comentário.
A bela senhorita da sala sete, também conhecida como Flávia, estava conduzindo a aula. Ela era diferente das outras professoras; se importava com o humano, se afeiçoava ao ser – tão diferente das outras que só viam números para uma estatística - isso acrescentava a sua beleza algo que estonteava os homens e causava inveja às mulheres. Não era a simples beleza física refletida naquela aparência única de sua pele morena ligeiramente clara pela falta de sol - não que isso lhe fizesse falta, mas o toque do sol sobre aquela pele a elevaria a condição de sereia, seria hipnose total e não apenas parcial. Naquele dia, a senhorita Flávia vestia uma bata roxa, que era uma espécie de vestido curto de alças estreitas que deixavam seus ombros à mostra, era ligeiramente justo nos seios e extremamente descomportado, pois não paravam no lugar que lhe era devido, mostrando sempre o bojo de seu sutiã preto, muitos naquela sala desejariam que não existissem sutiãs. A cintura era solta e a bata dançava com o vento acompanhando seus cabelos soltos sobre os ombros como se bailassem ao som da sinfonia “Outonos” de Vivaldi. Seus pés estavam acomodados em uma sandália rasteira, todos os dedos amostra, unhas pintadas em um tom vermelho-rosado, a construção simétrica de seus dedos denunciava-lhe um pé perfeito. Se não fosse a calça preta embaixo do vestido, suas coxas estariam amostras, não que ela atrapalhasse, pois era justa. Então acometido de pura rebeldia poética o Rublo Rubro comentou:
- Professora você está linda com esse vestido, o que estragou foi à calça, não combina.
Muitos ficaram horrorizados, outros queriam aplaudi-lo em pé, mas faltara-lhes coragem. Coragem que Igor tinha de sobra. Senão fosse Flávia a receber esse comentário, talvez ele tivesse tomado uma advertência, mas qual outra professora chegaria aos pés dela para receber tal comentário? Flávia não entendia esse impulso masculino, em sua maioria expressa de forma rude. Os homens são observadores natos, desde a mais terna infância, esta na natureza deles. É instintivo. Uns acabam virando vouyer, observam para extrair desejo. Outros acabam virando poetas, extraem desejo por observar.
A calça de Flávia permitia ver-lhe os contornas das pernas, isso para alguns já bastaria. Coxas grossas, panturrilhas firmes. Mas não para os poetas. Não é só o torno que interessa. Observar a pele, o tom da pele, os pelos sobre a pele. Tudo isso compõem a poesia. Tudo isso compõem a beleza. A beleza é o cenário. Cenário é a vida. Na mente de Igor, se ela não estivesse com aquela calça, o vento poderia compor uma cena digna de Marlyn Moore, seria imortalizada, pois deixaria de lado a poesia e se tornaria um Di Cavalcante, eternizaria aquele momento numa tela a óleo com a visão do universo e da beleza feminina que só Di Cavalcante enxergava.
Ley Gomes