O Sonho da Srta. Shirley
Aquela noite de Sexta-feira era torrencial; os berros dos trovões e os clarões dos relâmpagos ornamentavam os céus, mas as trovoadas e lampejos ofuscantes eram quase totalmente despercebidos pela Srta. Shirley, que se embriagava em seu leito com a leitura de um livro cuja história era sobre homens-lobo.
Shirley encontrava-se seminua, provida apenas das duas peças de roupa mais íntimas; uma garrafa de vinho Dom Cândido a meio conteúdo ornava a mesa de cabeceira e uma taça bem ao lado repousava vazia, exausta da labuta de minutos antes.
Já passava de três quartos da meia-noite quando o sono a seduziu e lhe pôs adormecida; o livro quedou devagar das suas mãos e pousou na seda dos lençóis da sua cama. Ela sonhou...
A janela, antes fechada por causa da chuva descomunal, estava aberta e por ela um grande lobo cinzento violara a privacidade do quarto da Srta. Esta, repleta de susto e pavor, olhou o canino bem nos olhos e, havendo notado ou não, nesse instante o animal lançou-lhe encantamento. O susto de antes se tornou desejo puro, uma lúbrica fantasia, quando o lobo em homem se fez e aproximando-se da cama tocou suavemente em determinadas partes do seu corpo. A Srta. Shirley rendeu-se às investidas de prazer, patrocinadas pelo seu amante tão excêntrico, e provou apoteose de múltiplos gozos; tão ineditamente delirou que dificilmente perceberia se o ser que a possuía tornasse à sua forma autêntica de animal selvagem.
Desse amor exótico desfrutou a Srta. Shirley, loucamente queimada pela luxúria. E após muito ter amado a mulher, a ponto de embevecê-la, o lobo em forma de homem novamente lobo se fez e trilhou a mesma senda de sua entrada; pulou a janela legando à lasciva Srta. as sensações ainda do sem-par desejo proporcionado.
O sonho já não era. Shirley aos poucos foi despertando curiosa e lembrando-se dos mínimos detalhes daquela tão insólita pendência da realidade; olhou em volta e constatou a cotidiana normalidade do seu quarto: a janela fechada, surrada pelos pingos da torrencial tempestade, a mesa de cabeceira mantinha a garrafa de Dom Cândido a meio conteúdo e a taça vazia como hóspedes, ao seu lado – sobre os lençóis – jazia o livro que fora estro ao sonho. Num lance repentino tocou, com as pontas dos dedos da mão, a preciosa e sensível parte do seu corpo, notando o quão umedecida estava...
Acomodou-se, então, no seu leito virtualmente profanado e, depois de instantes refletindo a respeito do que havia sonhado, tornou a ser aliciada pelo sono; jamais, porém, nos sonhos de suas noites, foi visitada novamente pelo amante sobrenatural.