O Jardim do tempo

Existe um lugar cujo céu é mais do que azul, na verdade, é um céu que se mostra como o próprio firmamento, como a face do universo; um céu que mostra mesmo nas manhãs ensolaradas muito mais do que as simples nuvens; mostra as miríades de estrelas, planetas inóspitos e longínquos que rodeiam o sistema solar, os quais os olhos humanos normalmente não vêem.

Olhar para o céu, deste ponto; é uma experiência única, porque é como contemplar uma grande vitrine que mostra constelações incontáveis, austrais, boreais, zodiacais, equatoriais e outras tantas lado a lado, se pode ver constelações como Fornax e Centaurus em conjunto com Lynx, Lyra e cassiopea, somando-se a essas também Escorpião, Draco, Scutum, Ophiuchus e uma lista sem fim. Todas juntas e ao mesmo tempo.

Como se não bastasse o impacto que essa visão causa nos olhos desavisados, isso ainda não é tudo. Lá todos podem ver claramente junto a tantas nebulosas, um grupo de gigantes celestes, planetas aos montes; alguns mais próximos outros mais distantes, mas todos lá, Mercúrio, Saturno, Júpiter, Netuno, Marte, Urano.

E as luas, ah! Eu não poderia deixar de falar do espetáculo das luas, adornando a abobada como um colar de pérolas celestiais de um lado ao outro do céu; a nossa lua grande e vistosa ao centro e mais próximo de nós, seguida e ladeada pelas demais, Europa, Tritão, Encélado, Titã e Hiperion; Calisto, Tione; Oberon e Titânia. Há também outras, mas estas que citei geralmente são mais visíveis.

Ao contrário das luas, está o Sol, brilhante e potente irradiando luz e vida sobre todo o resto; ele fica localizado no ponto mais alto do céu como uma lâmpada belíssima e gigantesca, porém, parece não se mover, ao contrário do que estamos acostumados, é o céu que parece girar ao redor do sol; “Heliocêntrico” _disse Copérnico, não foi? Neste lugar utópico isso se mostra mais verdade do que nunca.

Às vezes dependendo da hora do dia, e da incidência da luz sobre nossos olhos é possível ver até algumas galáxias inteiras girando vagarosamente, mas elas se mostram muito pequenas, pois a distância deve ser algo que foge a nossas mentes. Certa vez eu tive a impressão de ver um buraco negro, mas nunca confirmei esta sensação.

Mas o céu não é a única atração desse lugar, ah! Mais não é mesmo, eu fiquei parado sobre uma pedra gigantesca, de onde podia ver no horizonte uma cordilheira assomando sobre uma grande campina, parece ser uma grande muralha rochosa confeccionada pela natureza, ou por quem quer que tenha feito esse lugar, que se estende por todo o horizonte. E ao centro uma montanha que parece riscar o céu, de tão grande que é; eu já passei horas e horas contemplando aquele magnífico monte cujo cume ostenta um manto branco e enevoado. Aquela montanha quase tão simétrica quanto uma pirâmide, seguramente faria o mais alto dos montes conhecidos pelo homem parecer apenas uma mera sombra.

Me pergunto se outras pessoas também visitam este lugar, será que mais alguém pode parar o salto e admirar tamanha beleza escondida sabe-se lá onde. Recuso-me a crer que sou o único, mas também nem eu mesmo sei como fiz para chegar a esse lugar pela primeira vez, lembro que no princípio eu não conseguia ver nada a não ser o salto; uma hora eu estava num lugar e no momento seguinte estava em outro lugar diferente, nunca entendi como isso ocorre ou o que disparou o gatilho. Só sei que quando eu era criança eu não me lembro de poder fazer o que faço hoje.

Mas isso não é importante agora, devo me concentrar no relato; onde eu estava mesmo? Oh! Sim, a montanha. Toda a cordilheira mantém constantemente aquela aparência enevoada, muito embora o tempo lá em cima pareça sempre bom, não se pode ver ventos nem neve, o clima nunca, pelo menos nas vezes em que lá estive, está nublado ou chuvoso; é sempre aquele céu azul fortíssimo e o sol banhando todo o lugar de norte a sul e de leste a oeste.

No pé da montanha nasce uma campina tão verde que os olhos chegam até a doer, parece que a vegetação, sem árvores, rasteira, está sempre na primavera; é algo fora do comum, certa vez pensei estar louco, mas então completei o salto.

Esta campina é de um tamanho colossal, não há nada além dela se estendendo em todas as direções exceto é claro a montanha na cordilheira. Penso se não foi num lugar como este que muitas pessoas no passado não se inspiraram para criar os míticos campos elísios; ou talvez este seja o próprio jardim do Éden, não sei, nem me interessa saber. Algumas vezes caminhei pela planície e curiosamente não há sinais de animais, nada vivo parece ter estado lá e isso é o que mais me deixa intrigado. Não sei ao certo se é real ou se é algum efeito colateral do salto espaço-temporal na minha mente, mas as experiências que tive lá são bem reais, muito mais vívidas do que aquelas que temos quando num sonho. Sim, creio que trata-se de um lugar que existe, eu só não sei onde, nem em que tempo.

É possível que no interregno do salto, quando eu deixo o ponto onde estou e antes de chegar no ponto de destino, o tempo não exista ou fique suspenso, sei lá.

Ainda não acabou, bem no meio dessa campina verdejante, existe um enorme lago que se visto ao longe parece com uma lâmina refletindo o céu, quando olhado de perto, o lago, notasse claramente que é composto por duas tonalidades de água, a que está mais na superfície é clara e límpida; eu já a provei e ela é refrescante como se tivesse brotado da nascente naquele momento. A outra se vê através da primeira, a partir de uma certa profundidade em diante a água muda de tonalidade e ganha uma cor sombria, escura como a noite, provavelmente o lago seja muito mais fundo do que eu posso conceber, e, tal como o resto do lugar não parece possuir peixes. O mais estranho é que ele não se mexe, a água fica somente com uma pequena e eterna ondulação, muito tênue; sempre distorcendo levemente as imagens refletidas em sua superfície, o céu, as montanhas e todo o resto.

Olhando ao redor parece não haver mais nenhum outro lago como esse até aonde a vista alcança, muito estranho, mas muito belo também. No princípio eu tive muito medo daquele lugar, mas não agora. Existe algo lá que me atrai em um nível muito mai profundo do que posso racionalizar, mas não consigo descobrir o que é.

Não controlo isso, mas já consigo identificar quando vai acontecer, estou escrevendo e relatando tudo o que consigo me lembrar do magnífico jardim onde o tempo parece não existir, tudo isso parece muito surreal, mas minha vida é surreal; sou um homem que salta no espaço-tempo de um lugar para outro numa fração de segundos e que agora fica vagando num lugar entre os dois pontos.

A verdade é que esse jardim é um enigma para mim, talvez seja um pedaço do paraíso, ou talvez seja um pedaço de um outro lugar; possivelmente não seja nada disso, quem pode afirmar? Certamente não eu.

Vocês podem estar se perguntando por que estou fazendo isso.

É simples, porque algum dia eu sei que não vou conseguir sair de lá.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 16/08/2008
Reeditado em 30/07/2014
Código do texto: T1130568
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