Pi...Pi...

_ Pi...Pi...Pi...Pi...Pi...Pi...Pi...Pi...Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

Pareceu estar em sua velha casa, mas como? Afinal ela fora demolida anos antes, mas tudo estava da mesma maneira, as paredes pintadas de um amarelo claro, quase creme, a maciça estante da sala cheia dos badulaques de sua mãe, o quadro na parede que ele mesmo pintara no colégio que no dia achara maravilhoso, o lustre que quando ligada a luz transformava as paredes numa tela de cinema, com as figuras causadas pelo contorno do vidro.

Aquela mulher parada ali em pé não pode ser, tinha medo que ela se virasse, não podia ser , estava morta, a mulher vagarosamente se virou, ele ficou perplexo mas correu ao seu encontro, não trocaram palavra, como ela estava jovem e linda após tantos anos, o relógio soou, o velho relógio cuco, perdeu-se o olhar e seus pensamentos por alguns segundos ali no velho relógio.

Quando volveu o rosto tudo tinha sumido, seu quadro, sua casa, sua mãe, ele encostou no tronco da árvore e chorou, ergueu o olhar só então reparou na árvore, a mangueira da casa de seu avô, tudo estava lá, o gramado, que virava um campo de futebol improvisado nos dias de reuniões familiares, a mangueira, a jaboticabeira (carregadinha), a horta e o Carrasco que correu ao seu encontro com a língua de fora e balançando o rabo. O que estava acontecendo? Por que tudo aquilo voltava, assim sem mais nem menos?

Ficou parado o céu ficara branco, a chão ficara branco, tudo ficara branco, escutava ao longe alguém dizendo:

_ Você tem que ser forte, não vamos te perder, não vamos te perder!

Sua guitarra apareceu milagrosamente em suas mãos, despretensiosamente começou a passar os dedos pelas cordas, como brincadeira, mas o som daqueles acordes eram lindos, cristalinos, jamais ouvira som como aquele, começou a tocar maravilhosamente bem, como jamais tocara, percebeu a companhia de seus amigos da universidade, do trabalho, do prédio, todos acompanhavam suas canções entusiasmados, não queria que aquele momento terminasse, era muito prazeroso estar rodeado de amigos e todos felizes, há muito tempo não os via, não tinha certeza mas a maioria deles não os via há anos.

Ouviu novamente aquelas vozes achou que estava louco, as vozes insistiam:

_ Você tem reagir, vamos! Por favor reaja!

Avistou Roberto, quanto tempo não se falavam, uma briguinha besta, separou aquele amigo durante anos, todos os dias pensava em ligar, mas todos os dias não tinha coragem e todos os dias tinha a esperança de que Roberto ligasse. Agora ele estava ali, sorridente vindo e sua direção, quando ele se aproximou trocaram um longo abraço, um abraço tão forte e longo como o tempo aguardado por ele, conversaram sobre as coisas de antes como se nada tivesse acontecido.

Olhou em volta aquele lugar ele não conhecia, as paredes brancas, estofados marrons, uma televisão minúscula em cima de uma mesinha de mogno, não conhecia aquele lugar.

Voltou o olhar, ao invés de Roberto quem estava em seus braços era Dalva, sentiu o seu úmido, delicioso e apaixonado beijo, ele sabia que ela jamais o esquecera e ele devia muito a ela, ela o ajudara no momento mais difícil em sua vida, Dalva era uma pessoa maravilhosa.

Não entendeu quando ficou só, olhou em volta, uma mesa de escritório encostada na parede, cadeira giratória preta, dois arquivos bem atrás da cadeira, só podia ser a editora, seu primeiro emprego, de mensageiro a auxiliar de escritório foi um pulo, adorava aquele lugar, podia sentir o cheiro característico dali, estavam todos trabalhando freneticamente como antes o Bené, o Chico (com aquela boina preta), a Rúbia, o Durval (sempre ao telefone) e o seu Joelmir atrás de seu inseparável cigarro. Todos batiam palmas e cantavam Parabéns a você, ele apagou as velinhas, agradeceu a todos, no momento em que gritavam:

_ Discurso, discurso, discurso ...

_ Não desista, você não pode desistir.

Assustou-se as vozes, eram elas novamente, não queria ouvi-las, colocou as mãos nos ouvidos e curvou-se para escapar das vozes.

Quando sentiu o vento forte e gelado nas costas abriu os olhos, estava pulando de para-quedas, mas estava só, sem instrutor, olhou para baixo não conseguia manter os olhos abertos, o vento forte deformava seu rosto, aquilo que era felicidade, ficaria ali toda a eternidade.

_ Abra seu olhos, abra seus olhos, abra seus olhos!

A voz de novo, só que agora não era a mesma, esta ele conhecia, mas não conseguia se lembrar, tinha certeza que aquela voz era familiar.

Viu Nenê, ela estava linda, com o vestido vermelho, o beijo atrás da porta do banheiro, aquele beijo cinematográfico, com direito a mão na cintura e inclinação para frente, estilo ao Clark Gable, seria ele mesmo? Era um ator do cinema em preto e branco.

_ Abra seus olhos, por favor.

Aquela voz como não conseguia se lembrar de quem era, como?

Estava em cima do muro do terreno em frente a sua casa, ficava ali por horas, na infância, olhando a vida se desenvolver, as vezes lendo algum livro, as vezes pensando, gostava daquele muro, sempre que passava por lá, sentava-se nele, desta maneira achava que voltaria os bons momentos de sua infância.

_ Abra seus olhos, abra ...

Sentiu um cutucão, era tio Armando, cabelo com glicerina, sorriso maroto, O peito aberto na camisa e a variante vermelha, estava no banco do passageiro do carro, passara bons momentos dentro daquele carro, Tio Armando deu leve piscar de olhos e apontou com um movimento na cabeça o banco de trás, Marcela sorriu, estava duplamente feliz, seu adorado tio, e a mulher da sua vida, como ele quis que Marcela, o conhecesse, pena que não deu tempo, ela estava maravilhosa, com a camisa que ele havia lhe dado no natal, ela adorava vestir-se de roupa social masculina e ele adorava vê-la vestida assim. Tio Armando parou o carro, e o olhou como dizendo:

_ Não vai descer?

Ele e Marcela desceram de mãos dadas, e viram o carro de tio Armando passar pelo portão rumo ao interior de um cemitério.

Então abriu os olhos.

Fabiano Fernandes Garcez
Enviado por Fabiano Fernandes Garcez em 18/07/2008
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