Joana,Eu & a lagartixa que deu defeito no mundo

A vida,como muitos dizem, é uma caixinha de surpresas. É impressionante como de uma hora para outra tudo pode mudar para um rumo cujo nós nunca iríamos imaginar que mudaria. Por exemplo, hoje você está sentado lendo o jornal, então você lê por alto que um político roubou não sei quantos milhões de Reais dos cofres públicos, deixando milhares de pessoas desesperadas com a perda de suas economias depositadas em bancos. Se você for um jovem, você simplesmente dirá “Que safado!”, e irá direto para a sessão de esportes ou de cinemas tentando achar o tipo de leitura que lhe agradará. Passam-se então dois dias, e de repente, você vê seu pai chorando no sofá dizendo que sua família amargaria uns bons anos sem comer a quantidade de comida que comiam e que cortes orçamentais seriam feitos na sua casa. Você então se lembra daquela notícia que você lera e que não dera a mínima. E passa a dar a máxima quando nota que, devido aquele político safado, seu pai cortaria o uso do computador assim como iria cancelar a assinatura da internet banda-larga. Aí sim, acho eu, você se importaria e se desesperaria.

O que eu quero dizer é que, cada atitude nossa no dia-a-dia conta. E conta muito. “Algo tão pequeno como o vôo de uma borboleta pode causar um tufão do outro lado do mundo.”, como diz a teoria do caos. Todas as nossas atitudes estão relacionadas a eventos que poderão acontecer no futuro. Mas é claro que não sabíamos disso no momento em que realizamos tal atitude que poderia ocasionar até, quem sabe, o fim do mundo.

E é claro que Weder não sabia que sua vida estaria ligada à vida de um mago psicótico, de uma lagartixa rara com o poder de viajar no tempo e de sua recente namorada cuja pele era tão avermelhada que poderia ser confundida com algum ferro enferrujado após semanas e mais semanas pegando chuva em um ferro velho do subúrbio da cidade.

•O MAGO•

O mago. Difícil de encontrar um mago hoje em dia. Muitos acreditam que, assim como os piratas e as pessoas de bom coração, eles não existam mais. Mas os magos ainda existem. Só gostam de um pouco de sossego e tranqüilidade em seus campos com árvores frutíferas e terrenos espaçosos onde, se tivessem mais amigos magos, ou uma forma de se auto-multiplicarem, construiriam campos de futebol e jogariam partidas e mais partidas contra seus próprios clones. Era assim que Thelosdrático pensava. Morava em sua fazenda, em uma casa de madeira tão resistente que se o lobo mau que destruiu a casa dos três porquinhos nas histórias tentasse derrubá-la a assoprando, morreria minutos depois, ou por falta de oxigenação no cérebro ou simplesmente por cansaço.

Thelosdrático gostava de viver ao ar livre, colecionando pedras cinza ele sonhou que fossem essenciais no futuro de sua vida. Colecionava também pedaços de garrafas que lembravam órgãos genitais. Mas esse hobbie ele não costumava a divulgar a ninguém, a não ser a Clotilde. Mas quem era Clotilde? Sua lagartixa de estimação. Bem bonita a Clotilde, diga-se de passagem. Uma lagartixa de cor albina, meio esverdeada, com olhos mais vermelhos que o sol da bandeira do Japão. Thelosdrático a amava. E a amou assim que encontrou.

•A LAGARTIXA •

Certa vez, o mago passeava pelo campo em busca de novos pedaços de garrafas que alguns de seus poucos empregados largavam pela fazenda após se embebedarem para espantar o frio. Começara bem cedo, às cinco da manhã, e a busca continuou até às oito da noite do mesmo dia. Naquele dia, ele não encontrara nenhuma forma engraçada. Encontrou algumas que pareciam controles remotos, outras que pareciam umbigos melados com doce de uva, e até uma que lembrava o rosto de Gilberto Gil, mas não encontrara nenhuma que parecesse algum órgão genital. Cansado, sentou-se aos pés de uma jabuticabeira e ficou mexendo e revirando a terra ao seu lado. Por pouco não passou a mão sobre o formigueiro de formigas vermelhas que, naquele instante assistiam a uma palestra sobre o poder dos humanos, seu modo de vida e como eles seriam úteis no fim do mundo quando a Grande Formiga Que Tudo Engole voltaria e levaria todas elas para o grande paraíso do mousse de maracujá. Formigas vermelhas adoram mousse de maracujá.

Tateou a terra por mais alguns instantes até que sentiu algo passar por cima do seu dedo mindinho. Por incrível que pareça, quando o que quer que fosse passou por cima de seu dedo, ele se transportou por milésimos de segundos até um shopping center onde um casal bebia milk shake e se alisavam por debaixo da mesa. O mago então esticou o pescoço para enxergar melhor quando voltou a si. Viu uma linda lagartixa branca como a neve e meio esverdeada como seu catarro matinal. Correu em sua direção e ao pegá-la em suas mãos, pôde ouvir as cornetas anunciando que sua vida mudaria. Porém, nesse mesmo instante, ele acabou sendo transportado, junto com seu réptil, para o shopping outra vez, e, desta vez, ele estava de pé,ao lado do casal e com as mãos estendidas na direção dos dois ali presentes.

-Não temos dinheiro, cara! Deixa a gente curtir em paz, queridão!–disse o jovem que, mais tarde, eu o apresentaria como Weder.

O mago ficou calado. Na verdade, calado e assustado. Na verdade, calado, assustado e curioso, pois em toda sua vida de alquimia, maldições e imprecações de males contra pessoas e não-pessoas (esse segundo grupo incluía cachorros que urinassem na sua porta, pessoas que tentassem o converter a outro tipo de religião e, principalmente vascaínos, já que seu time era flamengo), ele nunca havia tido tal experiência de tele transporte. E o pior ele ainda estava por saber, pois, na verdade ele não havia sido só se tele transportado no espaço, ele havia sido tele transportado no tempo também. Pois é! E para ser mais exato, fora tele transportado para exatos seis anos à frente do tempo em que estava.

Thelosdrático encarou a lagartixa que parecia sorrir para ele. Por um instante, ele teve a impressão de que ela piscara um dos olhos após dar a impressão de ter sorrido. Com os pensamentos lógicos desordenados, o mago puxou uma cadeira e se sentou ao lado do casal. Este o encarou de cara feia,tanto o rapaz, quanto a ruiva ao seu lado.

-Senhor, eu já disse que não temos dinheiro!- insistiu o rapaz soltando as mãos de sua namorada e o encarando com um olhar mais assustador que o da lagartixa dali a dois minutos.

Thelosdrático não mexeu um músculo. Apenas encarava seu bichinho e pensava como seria possível estar em sua fazenda e, de repente, ali no shopping. Ele sabia que urina de sapo causava cegueira, e que cuspe de camelo evitava a calvície pubiana em alguns europeus de sangue tipo A negativo. Porém nunca tinha escutado falar que lagartixas causavam viagens tele transportadoras. Sorriu tentando aliviar a tensão.

-Filho, que dia é hoje, hein? –perguntou o mago enquanto acariciava o bichano e depois cheirava os dedos disfarçadamente.

-Além de tudo está completamente alcoolizado. Não sabe nem o dia que está! –disse a menina segurando as mãos do rapaz outra vez e acariciando suas canelas com seus pés gorduchos.

-Não estou bêbado. Eu me inebrio somente com bebidas não alcoólicas como suco de maconha e chá de cocaína. Isso me ajuda a pensar, principalmente em dias frios. Por favor, jovens, que dia é hoje?

-Seis de fevereiro de 2014. Quinta-feira para ser mais exato. – disse Weder já impaciente.

O mago sorriu. Levantou-se da cadeira e começou a girar segurando e protegendo o bichinho máquina do tempo em suas mãos, em um casulo em forma de concha feito por seus dedos.

-Completamente bêbado.- sussurrou a menina que era muito ruiva.

•JOANA•

O nome da menina era Joana. Dias antes, na verdade semanas... Pra ser mais exato dois meses, ela era uma moça gordinha de dezessete anos que vivia pensando em se matar pois não imaginava que fosse arrumar algum namorado um dia. Vivia trancada em seu quarto, no terceiro andar de sua casa na favela do Pé-de-Moleque, fazendo novelinhas com suas Barbies que guardara desde criança.

Geralmente suas novelinhas se resumiam a um verdadeiro massacre contra as Barbies, pois ela pegava constantemente os bonequinhos de guerra de seu irmão e os colocava para pisotear, cortar e até mesmo estuprar as bonequinhas loiras. Ali, Joana imaginava que estava castigando todas suas colegas de escola que debochavam dela quando usava o short de educação física que deixava à mostra suas assaduras de contato no meio das coxas, e que se estendiam até sua virilha intocada até então.

Perdia duas Barbies por “filmezinhos”, chegando a perder até dez, como da vez que imaginara um filme onde as bonecas eram alienígenas ferozes que respiravam pelas suas vaginas e que morriam após serem sufocadas pelos pênis dos bonecos em uma orgia dentro de um quartel general.

Foi uma surpresa quando ela entrou em um site de relacionamentos e pôde ver que existiam pessoas que gostavam de gordinhas. Inscreveu-se no site, deu seu telefone e até mesmo o endereço, e ficou esperando que alguém a procurasse. Foram os dois dias mais longos de sua vida, mas a espera valeu, pois ao meio dia da quarta-feira, seu telefone tocou e do outro lado da linha, um rapaz de voz grossa e louco por gordinhas ruivas a procurava. O nome do rapaz era Weder.

Uma semana depois os dois estavam conversando na Quinta da Boa Vista, no “simpaticaço” bairro de São Cristóvão, zona norte do não menos simpático estado do Rio de Janeiro. Era lindo o jeito com que Joana olhava para o rapaz, este alguns centímetros mais baixo que ela. Uma diferença notável. Pois Joana tinha exatos um metro e oitenta de altura, e Weder, um metro e sessenta e nove, quase um Romário.

Mas estas diferenças não foram um grande problema para os dois. Weder era bobão e estava em busca de sexo, diversão, uma porta para o mundo das drogas e alguém para dormir junto em sua cama de solteiro nos dias frios. Os dois se apaixonaram imediatamente. Ficaram ainda mais apaixonados quando notaram que tinham tanto em comum. Weder, assim como ela, também fazia filmes com seus bonecos. E também fora chamado de menstruação ambulante, pelo seu problema infantil de sangrar pelo nariz quando a temperatura mudava. Joana era chamada pelo mesmo apelido, mas por ter os cabelos e a pele tão vermelhas.

Dias depois, estavam no shopping. Sentiam-se especiais por estarem tão apaixonados. Sentiam que as pessoas os olhavam com olhares de reprovação e repulsa. Na verdade eu também olharia,sabe. Não é todo dia que vemos uma gordinha alta, ruiva e com uma andar engraçadinho, com um rapaz bem mais baixo, de cabelos negros e um jeito marrento carioca muito esquisito.

E chegaram ao shopping. Iriam ao cinema. Passariam o dia inteiro juntos. E estavam muito felizes por isso. A felicidade só perdeu um pouco da sintonia após aquele bêbado se sentar ali e ficar torrando a paciência deles.

-Senhor, estamos tentando ter um pouco de intimidade aqui. – informou Weder enquanto o mago continuava girando com sua lagartixa na mão.

-Você não vê, meu jovem? Estamos diante de um milagre da natureza! Uma criação totalmente exótica, divina.

-Amor, acho que ele está falando de mim. – disse Joana se iludindo.

-Na verdade, amor, acho que ele se referiu aquela lagartixa. Ele deve estar totalmente louco.

-Não é nada disso! – disse o mago parando de girar e segurando o pequeno réptil com todo carinho que sua mão esquerda poderia dá-la. –Esse bichinho que tenho em mãos é a chave da solução dos problemas do mundo!

-Só porque ela é albina? Se for por isso meu antigo professor de biologia é a reencarnação de Jesus. Uma vez ele pegou uma mosca voando, a colocou dentro de uma caixa de fósforos e colocou essa caixa dentro do congelador. Dois dias depois, ele retirou a caixa do congelador, acendeu uma vela, e dois minutos depois, a mosca estava voando,e o mais impressionante, ela voava de ré! Marcha ré, cara! – comentou Weder levantando-se de sua cadeira e puxando sua namorada consigo.

O mago ficou encarando o rapaz com um olhar de quem não gosta de mentiras. Pegou seu bichano e o colocou dentro do bolso de sua túnica.

- Ela controla o tempo, meu rapaz! O tempo! Ela pode te fazer ir de um lado do mundo para o outro, rapaz!

-Ah claro, e você nem fumou maconha? – disse Weder com sarcasmo.

-Hoje ainda não. Na verdade, não sei se posso dizer que hoje é hoje, pois viajei por seis anos. Eu estava em 2008, e quando segurei esse bichinho, vim parar aqui nesse shopping. Só não sei por que aqui.

O casal se entreolhou. Queriam dar uma gargalhada da cara do mago, mas lembraram-se de como as pessoas se sentem quando são ridicularizadas. Já haviam passado por situações parecidas diversas vezes. Ao invés de rirem, deram meia volta e foram passar pelo shopping enquanto não dava a hora de entrarem no cinema.o mago ficou sozinho tentando pensar em que seria útil ter uma lagartixa com tal poder. Pensou em como a raça humana era ridícula. Sempre querendo poder, dinheiro, e quando têm tal poder, não sabem como usá-lo.

Deixou a lagartixa sobre a mesa e ficou cercando-a com as mãos quando ela tentava fugir ou correr para os cantos da mesa quadrada. O bicho corria de um lado para o outro e parecia se irritar com as mãos do mago. Ele então, assim como percebeu que ela sorria, percebeu que estava ficando muito enfezada e deixou que ela andasse livremente. Foi então que a lagartixa deu um salto e parou sobre sua cabeça. Nesse instante, o mago se viu em um mundo caótico.

Estava no meio de prédios destruídos, corpos soltos pelas cidades, esqueletos de prédios caídos e sustentados por poucas ferragens. Caminhou lentamente, pisando nos destroços cuidadosamente. Viu ao horizonte, um céu vermelho. De repente, sentiu um vento quente tocar seu pescoço, e, ao virar-se, quase não acreditou no que estava à sua frente de boca aberta. Olhou atentamente para a lagartixa que também parecia assustada. Mas também quem não se assustaria ao estar diante de um Tiranossauro Rex?

Imediatamente agarrou-se ao seu réptil e desejou sair dali. E foi o que aconteceu, ele parou exatamente no shopping outra vez e caminhando atrás do casal engraçado. Começou a se perguntar qual seria a ligação daqueles dois estranhos com ele, a lagartixa e o dinossauro no meio dos prédios. Ater onde estudara sabia que, assim como flamenguistas e vascaínos, prédios e dinossauros nunca viviam em mesmos ambientes.

•WEDER•

Weder sempre foi um menino estudioso. Sempre que podia, se sentava à mesa da sala de seu apartamento em São Cristóvão, precisamente próximo ao Observatório Nacional,e estudava sobre tudo. Sua matéria preferida era biologia, mas esta dividia seu amor com história mundial. O garoto era apaixonado pelo período nazista e também pela idade média. Sabia que seu gosto era meio esquisito, mas adorava tudo. Vivia estudando sobre Hitler e sobre a Santa Inquisição. Porém, se tinha uma coisa que ele odiava era os insetos,e de vez em quando, odiava as lagartixas. Seu pensamento era o seguinte, se lagartixas comem insetos e se os insetos não estão extintos, queria dizer que as lagartixas não estavam fazendo seu trabalho direito.

E era exatamente sobre isso que ele conversava com Joana. Sobre seu ódio mortal por lagartixas. Antes de criar essa teoria de incompetência das lagartixas, ele odiava as baratas. As odiava pois, quando tinha apenas seis anos, estava sentado em seu troninho e olhando para o céu através da janela do banheiro. De repente,viu uma pequena barata sair de dentro do ralo. Como era minúscula, ele nem deu tanta atenção que uma criança daria a uma barata. Continuou sua obra e ignorou-a. porém, a barata se aproximou e deu-lhe uma dentada em sua nádega esquerda deixando uma cicatriz em forma de sol que ele esconde com pó-de-arroz e muita maquiagem. A partir dali,ele odiou as baratas. Ódio que só mudaria de direção quando, em um canal de documentários, ele viu que as lagartixas são comedoras de insetos como moscas, mosquitos e outros. Vendo o número de mosquitos da dengue crescendo e o número de moscas seguindo lado a lado. Ele então resolveu odiar as lagartixas, e também as salamandras por serem parecidas.

Porém, o que ele não sabia era que, algumas lagartixas tinham um dom inimaginável. O dom de controlar o andar da carruagem no mundo. Se soubesse, talvez teria tido mais respeito ao se virar furioso para Thelosdrático e xingá-lo de bicha sexual e bêbado imundo.

-Porque o senhor está nos seguindo?-perguntou o rapaz furioso.

-Eu não sei meu jovem. É lagartixa que me traz para perto de vocês. Talvez ela queira nos dizer algo!

-Talvez ela queira que o senhora vá a merda! Eu vou chamar um segurança.

Weder começou a gritar. Com ele, Joana também começou a gritar por socorro, só que em inglês. Ela queria treinar o sotaque que avia aprendido no curso de final de semana.

Um segurança gordo, bigodudo e careca se aproximou deles. Estava aparentemente cansado e irritado, provavelmente pelo seu salário baixo ou por, aos quarenta anos, ainda não ter se casado e nem se quer ao menos, perdido a virgindade.

- Qual o problema, jovens?

-Esse bêbado está nos seguindo com essa lagartixa albina dos infernos.

O segurança olhou rapidamente para o mago, e voltou seus olhos para o casal.

-Tem certeza? Ele me parece inofensivo!

-Eu? Inofensivo? Pois fique sabendo que com um estalar de dedos eu lhe transformo em pudim.- ameaçou o mago.

-Não, obrigado, acabei de almoçar. Mas vou pedi-lo que se afaste das crianças. Elas estão com medo dessa lagartixa esquisita que o senhor cria. Não seria mais legal e mais higiênico ter um cachorro?

-Não seu guarda. Não seria! Até porque essa lagartixa não é uma lagartixa qualquer. Ela é também uma máquina do tempo! Ela controla o tempo!

O segurança sorriu segurando sua enorme barriga. Ao ver a cena, Weder lembrou-se que sempre quis ser obeso para poder usar sua barriga como mesa para pratos, apoio de braços ou, simplesmente, para acariciá-la enquanto assistia televisão. Adorava a ver os gordos alisando suas barrigas.

-Lagartixas não são máquinas do tempo. Elas só comem insetos e fazem o próprio rabo cair e crescer quando querem. -comentou o guarda sorrindo para os jovens.

-Nem insetos elas comem, seu guarda. Se comessem insetos, hoje não estaríamos nessa epidemia de dengue e nem cercado de moscas varejeiras. Essas lagartixas são umas incompetentes!

O segurança parou para pensar. A teoria do jovem estava certa.

-É...Ele tem razão, seu velho. Acho melhor o senhor se afastar dos dois, caso contrário, terei que prender você e seu réptil. Deixe o casal aproveitar. Nota-se que não estão acostumados a terem alguém para beijar. Não seja um estraga prazeres, velho!

O mago ficou imóvel.

-Não posso, senhor. Ela sempre me traz para perto deles. É só eu tocar nela que eu me desloco no tempo para o futuro. Agora pouco estive no futuro e havia dinossauros lá.

-Entendi. Um futuro com dinossauros,certo? Acho que alguém aqui fumou uma da boa!- disse o guarda se aproximando do mago.- O senhor teria mais aí desta que você fumou?

-Eu não fumei maconha! Eu estou completamente normal! Sóbrio!

-É, dá para ver. Eu também estou sóbrio. Vou até ali, falando nisso, montar na minha vaca voadora e colher flores de jujuba no céu do Japão.- disse Weder abraçando Joana com um braço só.

O casal então se afastou e voltou ao caminho do cinema. O mago resolveu os seguir. Ao notar que novamente o lunático estava ao seu encalce, Weder se virou e deu-lhe um tapa na mão onde Thelodrático carregava seu bichinho. A lagartixa saltou e caiu perto dos pés de Joana. Ela olhou bem dentro dos olhos do mago, sorriu, arrotou, mexeu nos cabelos vermelhos jogando-os para trás e revelando que também tinha assaduras de contato na nuca, e pisou no bicho.

O mago desesperou-se. Imediatamente jogou-se no chão e empurro Joana pelos pés. A gorda caiu sobre um monte de cadeiras de um bar próximo. Weder se jogou para tentar ajudá-la mas o que conseguiu fora que ela caísse bem em cima de sua barriga fazendo-o colocar para fora o milk shake e alguns pedaços de pizza que havia comido na noite anterior enquanto assistia ao programa do Jô.

Thelosdrático começou a chorar. Suas lágrimas caíam sobre o corpo esmagado da lagartixa que de branca e verde, agora se encontrava amarelada. Tentava unir os bracinhos ao corpo, o rabo também. E foi quando pegou o corpo por inteiro que voltou à sua fazenda.

•O TAL DEFEITO•

Estava novamente sentado debaixo da jabuticabeira e com a lagartixa subindo pelos seus braços. Viva da Silva e sorrindo como nunca antes ele vira uma lagartixa sorrir. Se é que já havia visto alguma lagartixa sorrir daquela maneira. O mago pôde observar que na parte traseira do corpo do bicho havia uma marca como se ali alguém tivesse costurado algo. Pressionou o local com seu dedo indicador. O réptil tossiu. Tá aí outra coisa que ele nunca havia visto: lagartixas tossirem. Mas aquela tossiu. E pela tosse, um pneumologista informado poderia dizer que aquela lagartixa fumou nos últimos vinte anos pelo menos seis maços de cigarros por dia.

Após alguns segundos, a boca do bicho foi se abrindo como nunca seria possível abrir. Abriu tanto que o maxilar superior foi parar na nuca, passando por cima da testa. De dentro da boca dela, uma bolinha vermelha de um lado e azul no outro hemisfério saiu e caiu sobre a mão do mago. Ele pegou a bolinha e aproximou-a dos seus olhos. Ele então pôde ver.

Sorriu e fechou os olhos para a que seria sua maior viagem.

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Seis anos dali, Joana e Weder finalmente entravam no cinema e sentavam-se na última fileira de poltronas. O lugar estava vazio, o que os deixariam livres para fazer o que quisessem com as mãos e quem sabe se fossem ousados, com as bocas.

-Quer ir comprar pipoca?- perguntou Joana em tom de ordem.

-Esquecemos da pipoca. Que droga!

O cinema tremeu. Weder caiu sobre o colo de Joana.

-Espera a luz apagar para começarmos a nos agarrar, amor. Vai lá comprar pipoca. Traz uma Sukita também, por favor.

-Eu não me joguei em cima de você,querida. Eu caí. O som dessas salas devem ser muito bom mesmo.

O rapaz saiu então sem reparar que a tela do cinema estava completamente rasgada e que a sala estava completamente abandonada.

Saiu da sala e foi até o saguão onde mais cedo, uma fila quilométrica estava formada tanto para comprar ingressos como para entrar nas salas. Atravessou o saguão sorrindo e distraído. Estava pensando somente no que iria fazer com Joana quando as luzes se apagassem. Continuou andando com as mãos nos bolsos até que chegou ao balcão da bomboniere.

Pegou sua carteira em seu bolso retirou uma nota de cinqüenta Reais. Estendeu na nota e foi pedindo o maior saco de pipoca disponível e dois litros de refrigerante. Ainda procurou com os olhos se havia alguma prateleira de preservativos, mas não encontrou nada. Ao reparar que não havia tido resposta do atendente, ele resolveu parar de olhar para o painel de preços e encarar o empregado. Foi então que levou um susto. À sua frente, havia um lagarto vestindo um uniforme completamente justo que mal cabia em seu corpo, e inclusive usava um boné.

O réptil soltou um guincho e lambeu as próprias narinas. Logo depois pegou o dinheiro das mãos de Weder e colocou dois sacos de pipoca completamente babados sobre o balcão.

-Pode ficar com o troco, senhor! –disse o jovem pegando suas pipocas e correndo para fora do cinema.

Ao sair, o susto fora ainda maior. Pessoas em trajes antigos caminhavam pelo pátio completamente destruído e reduzido à escombros. Bicicletas andavam pelo lugar com as rodas dianteiras maiores que as traseiras exatamente como via nos livros. No andar de cima, ele pôde ver dinossauros voadores pousados e observando uma turma de vacas malhadas que pastavam na loja em que, minutos antes, ele e Joana haviam entrado para comprar barras de chocolate naturais e dietéticas. Um dos pterossauros deu um rasante próximo à sua cabeça. Assustado, Weder jogou-se no chão e deixou as pipocas caírem.

Foi se arrastando devagar e de ré até dentro do cinema novamente. Seguro lá dentro, correu para a sala onde havia deixado Joana minutos antes. Quando estava chegando, ouviu um grito. Apressou os passos. Ao entrar na sala viu sua namorada cercada por homo erectus segurando pedaços de madeiras e ossos e batendo contra o chão em sinal de fúria. Weder tomou coragem e correu em direção a Joana. Pegou-a pelos braços e a puxou com toda sua força.

-O que está acontecendo?- perguntou Joana enquanto corria em direção a saída.

-Não sei,Joana. Mas parece que deu tilt no mundo!

-Deu o quê?

-Parece que deu defeito no mundo!

Continuaram correndo.

Saíram do cinema, passaram pelo ninho dos ptrossauros, passaram pelas vacas que pastavam e correram em direção ao ponto de ônibus. Lá, haviam alguns sapos e mamutes que bebiam água em hidrantes destruídos.

-O que está acontecendo com o mundo? De onde saíram esses bichos?

-Não sei,Joana. Precisamos nos esconder.

Um carro preto passou diante deles. Weder pôde ver um símbolo muito conhecido na traseira dele. A suástica nazista. De dentro do carro, que estacionou um pouco mais à frente, saíram dois homens usando fardas beges e um homem de cabelos negros e penteados ridiculamente para os lados.

-Hitler...- sussurrou o rapaz pegando a mão de sua namorada e correndo sem rumo, apenas fugindo do ambiente de caos.

Correram passando por diversos reis que pareciam tão perdidos quanto eles dois. Passou ao lado de D. João VI que se divertia brincando com um robô de dois metros de altura e que carregava consigo armas nucleares. Depois, ao dobrarem a esquina, cruzaram com soldados japoneses e americanos lutando contra aliens cabeçudos e assustadores e, se não tropeçassem em um esqueleto de dragão, teriam sido acertados em cheio por um carro voador desgovernado que desviara pouco antes de estegossauro, um daqueles dinossauros pescoçudos que só comiam plantas.

O carro voador foi bater mais à frente contra o robô com que D. João brincava.

-Parece que as épocas se misturaram, Joana! –concluiu Weder enxugando o suor dos olhos.

-Mas como assim?

-Não sei, mas tenho a leve impressão de que aquele alcoólatra estava certo sobre aquela lagartixa albina.

Dali pra frente, o mundo estava perdido.

Theledrático finalmente entendia o motivo de ter sido o responsável pelos cuidados com a tal lagartixa. Se ela não tivesse cruzado seu caminho, ele nunca teria se transformado no homem mais poderoso do mundo e também o senhor das épocas. Ao voltar à sua fazenda, ele pôde ver o futuro da humanidade. Um futuro entregue a carros voadores e guerras entre máquinas e tudo isso devido aos filhos de Joana e Weder, que, mais tarde se tornariam presidentes de uma rede mundial de computadores que daria um novo rumo ao planeta Terra.

A lagartixa continuou viva. Thelosdrático continuou sendo seu protetor até que resolveu matá-la assim, misturando as épocas. Joana e Weder permaneceram correndo por aquele mundo novo e completamente distorcido em uma aventura totalmente sem lógica para eles.

Weder morreria dois dias depois atropelado por uma manda de rinocerontes africanos que fugiam de um Tiranossauro Rex. Já Joana, após a morte do namorado, continuou andando até encontrar uma lagartixa albina. Ao tocar no animal, ela voltou há seis anos antes, exatamente no momento em que suas colegas de escola riam de suas banhas. Irritada ela matou uma por uma e por fim, se matou, pois não queria morrer do jeito que morreria no futuro.

Até hoje ninguém nunca entendeu o que aconteceu com o planeta Terra. Os poucos que entenderam tal doideira se calaram em suas casas apenas aproveitando as tecnologias que vieram do futuro e rindo das tecnologias que vieram do passado.

Essa é minha versão dos fatos. É o que eu acho que aconteceu para que a sociedade se degradasse tanto. A culpa foi do simples ato de matar uma lagartixa e de não ter escutado o que um simples mago tinha para dizer. Ele podia ter mudado o mundo. Mas não foi bem isso que nós deixamos acontecer.

Pode parecer sem nexo, mas quando o futuro chegar, vocês verão que nós destruímos o mundo de bobeira. Nós é que não conseguimos ver nem ouvir os avisos. Simplesmente ignorando-os!

FIM